Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - Sentença de 19-12-2023   O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente só pode ser atribuído ao sinistrado uma vez.
O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente só pode ser atribuído ao sinistrado uma vez, seja na sentença inicial, seja em decisão de incidente de revisão de que resulte a fixação duma incapacidade que, ao contrário da anteriormente reconhecida, lhe confira tal direito. Assim, efectuado o pagamento devido, extinguem-se o direito e a correspondente obrigação, ficando prejudicada qualquer hipótese de alteração, designadamente por modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado.
Proc. 379/14.7TTCSC.1.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Alda Martins - - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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APELAÇÃO - PROCESSO N.º 379/14.7TTCSC.1.L1
A questão a decidir reveste-se de manifesta simplicidade, pelo que pode ser objecto da decisão sumária a que se refere o art. 656.º do Código de Processo Civil, passando-se a proferir tal decisão.

Nestes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado HEAL, patrocinado pelo Ministério Público, e entidade responsável ZIZI Plc – Sucursal em Portugal, foi proferida sentença em 23-06-2016, transitada em julgado, nos termos da qual foi fixada ao sinistrado uma IPP de 32/prct. com IPATH, a partir de 23-02-2015, e a seguradora foi condenada a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia de € 4.342,80, devida desde o dia 24/02/2015, um subsídio por elevada incapacidade, no valor de € 4.404,81, e juros de mora.
Em 24-11-2022, o sinistrado veio requerer incidente de revisão da incapacidade que o afecta, alegando que se verificou um agravamento das sequelas de que é portador.
Foi produzida prova pericial, tendo a junta médica lhe atribuído IPP de 53,10/prct. (35,40/prct. x 1,5) com IPATH.
Seguidamente, foi proferida sentença, de onde consta, no que ora releva:
«(...)
Assim, e com base na remuneração anual do sinistrado [(€ 7700 = (550,00 x 14)], e na incapacidade fixada (53,10/prct.), tem este direito a uma pensão anual e vitalícia no montante de €4.667,74 [(€7.700:2) + (€7.700x53,10/prct.:5)], a cargo da seguradora.
A este montante são deduzidas as pensões que o requerido, comprovadamente, tenha pago ao sinistrado.
No que ao subsídio por incapacidade absoluta concerne, e atendendo ao disposto no art. 67.º, n.º2, será o mesmo calculado com referência ao valor correspondente 1,1 IAS (Indexante dos Apoios Sociais) em vigor à data do acidente (€419,22x1,1=461,14), e que corresponde à média ponderada obtida entre 70/prct. (3.873,85=461,14x12x70/prct.) e 100/prct. (5.533.68=461,14x12x100/prct.) de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade residual para o exercício de outras profissões compatíveis.
Assim, de subsídio, pela incapacidade absoluta, tem o sinistrado a receber €5.646,57 {[(5.533,68-3.873,58) x 53,40/prct.)] +3.873,58)}
A tais montantes acrescem juros de mora à taxa legal (art. 135.º, do CPTrabalho), os quais são devidos a partir das datas em que as obrigações se vencem, i.e., nos termos constantes do disposto no art. 72.º, da Lei n.º 98/2009, de 4.9.
Face ao exposto, considero o sinistrado afectado da IPP de 53,10/prct., com IPATH, desde o pedido de revisão feito em 24-11-2022 e condeno a seguradora a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de €4.667,74, calculada com referência àquela data, acrescida de subsídio por incapacidade absoluta no montante de €5.646,57.
O pagamento da pensão fica suspenso até ser atingido o valor do capital de remição já pago.
Custas pela seguradora.»
A R. veio interpor recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões:
«A – A recorrente não se conforma com a condenação no pagamento do montante de € 5.646,57 (cinco mil seiscentos e quarenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos) fixado a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, porquanto o sinistrado recebeu já subsídio por elevada incapacidade permanente, que lhe foi fixado na sentença proferida nos autos principais em 23-06-2016.
B – Com base na IPP de 32/prct. com IPATH a seguradora ora recorrente foi condenada a pagar ao sinistrado, por sentença proferida nos autos principais – referência citius 99682132 – “um subsídio por elevada incapacidade, de prestação única, no valor de € 4.404,81”, que a recorrente pagou conforme prova feita nos aludidos autos.
C – O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente é uma prestação de atribuição única, como dispõe o Artigo 47º nº 3 da Lei nº 98/2009, de 04/09.
D – Por seu turno, a incapacidade agora fixada ao sinistrado é não mais que uma decorrência da incapacidade que lhe foi inicialmente fixada e a respetiva pensão é a mesma, só que agora aumentada por força do aumento da IPP.
E – Assim, sendo o subsídio em causa uma prestação de atribuição única e tendo o sinistrado já recebido essa prestação não pode voltar a ser-lhe atribuído novo subsídio por situação de elevada incapacidade permanente decorrente do mesmo acidente de trabalho.
F – E mesmo que se entendesse que por força do aumento do grau de incapacidade permanente o valor do subsídio por elevada incapacidade devido ao sinistrado deveria ser “atualizado”, ou “revisto”, então sempre ao valor agora devido por força da revisão teria de deduzir-se o valor de subsídio já fixado e pago pela anterior incapacidade permanente, tal como acontece com a remição das pensões.
G – Ora, se assim fosse, o que não se aceita, mas apenas por dever de patrocínio se tem de admitir, sempre acontece que o montante de € 5.646,57 fixado na douta sentença recorrida enferma de erro de cálculo.
H – De acordo com a fórmula utilizada pela meritíssima juiz a quo {[(5.533,68-3.873,58) x 53,40/prct. (sendo que o grau de IPP correto é de 53,10/prct.)] +3.873,58)} o valor que se obtém é de € 4.755,09 (quatro mil setecentos e cinquenta e cinco euros e nove cêntimos) e não o valor de € 5.646,57 constante da douta sentença.
I – Assim, se houvesse que fixar ao sinistrado subsídio por elevada incapacidade permanente pelo valor da diferença entre o já pago e o agora devido por força do aumento do grau de incapacidade, sempre o valor devido ao sinistrado seria de € 353,28 (trezentos e cinquenta e três euros e vinte e oito cêntimos) (€ 4.755,09 - € 4.404,81).
J – Ao decidir de modo diverso, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 607º nº 4 do C.P.Civil, e 47º nº 3 da Lei nº 98/2009, pelo que deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que absolva a seguradora do pagamento ao sinistrado de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, ou, caso assim se não entenda, que fixe o montante desse subsídio em € 353,28 (trezentos e cinquenta e três euros e vinte e oito cêntimos);
K – Mais deve ser eliminado o parágrafo constante da parte decisória que determina que “O pagamento da pensão fica suspenso até ser atingido o valor do capital de remição já pago” por se tratar de manifesto lapso de escrita;»
O A. apresentou resposta ao recurso, admitindo a sua procedência apenas parcial. Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho:
«No recurso interposto, a seguradora refere que deve ser eliminado o parágrafo constante da parte decisória da decisão que determina que “O pagamento da pensão fica suspenso até ser atingido o valor do capital de remição já pago”, por se tratar de manifesto lapso de escrita.”
De facto, assiste razão à Seguradora nesta parte, pois a decisão padece de evidente lapso, já que a pensão atribuída ao sinistrado não é remível e não lhe foi entregue capital de remissão.
Assim, nos termos do disposto no art. 617.º, n.º1, do CPCivil, decide-.se eliminar o parágrafo constante da parte decisória da decisão que determina que “O pagamento da pensão fica suspenso até ser atingido o valor do capital de remição já pago”, por se tratar de manifesto lapso de escrita.»
Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, constata-se que nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se é devido ao sinistrado subsídio por situação de elevada incapacidade permanente e, na afirmativa, qual o seu valor.
Sustenta a Apelante que a decisão recorrida errou ao condená-la no pagamento de tal subsídio na medida em que, com base na IPP de 32/prct. com IPATH, fixada inicialmente, a Recorrente já foi condenada a pagar ao sinistrado «(...) um subsídio por elevada incapacidade, de prestação única, no valor de € 4.404,81», que aquela pagou conforme prova feita nos autos.
Resulta do art. 47.º, n.º 1, al. d) da Lei de Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que uma das prestações em dinheiro devidas por acidente de trabalho é o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
Esclarece o n.º 3 de tal norma que a indemnização em capital, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, os subsídios por morte e despesas de funeral e o subsídio para readaptação de habitação são prestações de atribuição única, sendo de atribuição continuada ou periódica todas as restantes prestações previstas no n.º 1.
Por seu turno, estabelece o art. 48.º, n.º 2, do mesmo diploma que a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
Concretizando, dispõe o art. 67.º da LAT:
Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente
1 - O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente destina-se a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 /prct., pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
2 - A incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho confere ao sinistrado o direito a um subsídio igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS.
3 - A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 /prct. e 100 /prct. de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
4 - A incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 /prct. confere ao beneficiário o direito a um subsídio correspondente ao produto entre 12 vezes o valor de 1,1 IAS e o grau de incapacidade fixado.
5 - O valor IAS previsto nos números anteriores corresponde ao que estiver em vigor à data do acidente.
6 - Nos casos em que se verifique cumulação de incapacidades, serve de base à ponderação o grau de incapacidade global fixado nos termos legais.
Por outro lado, com interesse, estabelece o art. 70.º do mesmo diploma:
Revisão
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
(...)
Em conformidade, o art. 145.º do Código de Processo do Trabalho, com a epígrafe «Revisão da incapacidade em juízo», prevê no seu n.º 6 que, findas as perícias, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.
Do exposto decorre que, não obstante o subsídio de elevada incapacidade permanente, tal como a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente, sejam prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho, aquele é de atribuição única e, por conseguinte, insusceptível de decisão que, no âmbito de incidente de revisão da incapacidade, o mantenha, aumente, reduza ou declare extinto, que constitui uma decisão inerente a prestações de atribuição continuada ou periódica.
É certo que a indemnização em capital também é uma prestação de atribuição única e, não obstante, é susceptível de alteração de harmonia com a modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, mas porque resulta da remição de pensão anual vitalícia, nos termos previstos nos arts. 48.º, n.º 3, al. c), 75.º e 76.º do mesmo diploma, e o art. 77.º deste o salvaguarda expressamente, nos seguintes termos:
Direitos não afectados pela remição
A remição não prejudica:
(...)
b) O direito de o sinistrado requerer a revisão da prestação;
(...)
Em suma, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente só pode ser
atribuído ao sinistrado uma vez, seja na sentença inicial, seja em decisão de incidente de revisão de que resulte a fixação duma incapacidade que, ao contrário da anteriormente reconhecida, lhe confira tal direito. Assim, efectuado o pagamento devido, extinguem-se o direito e a correspondente obrigação, ficando prejudicada qualquer hipótese de alteração, designadamente por modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado.
Nestes termos, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão do incidente de revisão na parte em que fixou novo subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
Custas pelo Apelado.