“Indeferida a pretensão de se aditar novos temas da prova, esse despacho apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final”.
Proc. 3109/22.6T8CSC-A.L1 4ª Secção
Desembargadores: Alves Duarte - - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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1. Convidadas as partes para dizerem o que se lhes oferecer sobre a possibilidade de poderem não ter cabimento em qualquer das normas do art.° 79.°-A do Código de Processo do Trabalho as questões referidas nas conclusões do recurso de I a V, de VI a IX, de X a XIV e de LI até final, veio o apelante dizer que cabem no art.° 79.°-A, n.° 2, alínea k) do Código de Processo do Trabalho, ou seja, a apelação dessas questões deve ser admitida autonomamente porque de outro modo (ou seja, se fosse admitida como apelação a subir com a decisão a proferir a final) seria absolutamente inútil.
Já as apeladas sustentam o despacho em que se colocou tal hipótese, lembrando até que relativamente à última questão já o tinham afirmado na contra-alegação da apelação.
2. Vejamos se como decidir.
O art.° 79.°-A diz o seguinte, na parte relevante:
2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
(...)k) Da decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente
inútil;
(...).
A propósito das conclusões I a V e VI a IX diz o apelante, no art.° 7.° da sua resposta, que a eventual procedência do recurso apenas após a proferição da decisão final pelo Tribunal de Primeira instância tornaria todos os actos practicados no processo n.° 3109/22.6T8CSC, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 3 absolutamente inúteis, podendo, inclusive, determinar a repetição da audiência final de julgamento. Ou seja, o apelante navega numa visível contraditio in teminis uma vez que se a consequência da subida diferida da apelação é apenas a repetição do julgamento não produz como efeito uma absolutae inutilidade, mas, outro sim, uma relativa inútilidade. Absoluta inutilidade apenas ocorre quando processualmente já não pode ser revertida, como por exemplo se pedir para tomar declarações para memória futura a uma testemunha que está à beira da morte: ou se toma agora ou nunca mais; já se o efeito processual for reversível, como por exemplo porque se não atendeu à valiosa argumentação de uma parte sobre determinado assunto fora dos articulados, isso será reversível pois se recorrer da sentença pode invocar isso na apelação e conseguir ganho de causa.
É o que pacificamente tem vindo a ser entendido este preceito normativo.
Assim, na doutrina pode ver-se Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, página 166 a propósito do similar preceito do art.° 644.° do Código de Processo Civil:
O advérbio ('absolutamente') assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734., n. 1, al. c) do anterior CPC, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.
Deste modo, não basta que a tansferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de uma parte do processado, ainda que esta se inclua a sentença final. Mais doq ue isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma 'vitória de Pirro', sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.
E também Rui Pinto, no Código de Processo Civil, Anotado, 2018, Almedina, volume II, página 302:
VI. Relativamente às decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil (all. h)), são decisões com efeitos de direito ou de facto irreversíveis, pelo que a procedência recursória diferida não alcançaria o feito útil. Em consequência, a sua impugnação não pode ser retardada. Ex., o despacho que indefere o pedido de não audição prévia da parte requerida num procedimento cautelar.
E na jurisprudência:
I - Em paralelo com o que vinha a ser defendido na jurisprudência e na doutrina relativamente à subida imediata e diferida dos agravos, a situação de absoluta inutilidade a que alude a al. h) do n. 2 do art. 644. do CPC, reporta-se tão só ao resultado do recurso em si mesmo; não aos actos processuais, entretanto praticados.
II - O sentido da inutilidade consagrada na lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 16-12-2021, no processo n. 7436/12.2TBVNG-D.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt
I - Em paralelo com o que vinha a ser defendido na jurisprudência e na doutrina relativamente à subida imediata e diferida dos agravos, a situação de absoluta inutilidade a que alude a al. h) do n. 2 do art. 644. do CPC, reporta-se tão só ao resultado do recurso em si mesmo; não aos actos processuais, entretanto praticados.
II - O sentido da inutilidade consagrada na lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 07-06-2022, no processo n. 5865/15.9T8PRT-F.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt
1 - A admissibilidade de apelação autónoma relativamente à admissão ou rejeição de algum meio de prova, prevista no artigo 644, n. 1, alínea d) do Código de Processo Civil não se estende a todas as vicissitudes que possam surgir quanto à produção de prova, mas apenas às decisões que efectivamente rejeitem ou admitam meios de prova.
2 - Não se encontra abrangida por tal previsão normativa a decisão que, na sequência da admissão de uma testemunha a depor, faz recair sobre a parte o ónus da respectiva apresentação em juízo, não havendo lugar à sua notificação por parte do Tribunal, em aplicação do disposto no artigo 598, n. 2 do Código de Processo Civil.
Acórdão da Relação de Lisboa, de de 16-12-2021, no processo n. 224298/08.4YIPRT-B.L1-8, publicado em http://www.dgsi.pt
1. Só a absoluta inutilidade justifica a imediata recorribilidade de uma decisão interlocutória e não situações em que o provimento do recurso pode trazer prejuízos do ponto de vista da economia processual; ou seja, a eventual retenção (do recurso) deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso (de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil), não bastando uma mera inutilização de actos processuais (eventual anulação do processado), ainda que contrária ao princípio da economia processual.
Acórdão da Relação de Coimbra, de 25-05-2019, no processo n.° 133/13.3TBMMV.1.C1, publicado em http://www.dgsi.pt
I - As decisões 'cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil', de acordo com o disposto na al. h) do n. 2 do art. 644. do Código de Processo Civil, são apenas aquelas cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não as que acarretem a mera inutilização de atos processuais.
Acórdão da Relação de Guimarães, de 07-01-2016, no processo n.° 7436/12.2TBVNG-D.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt
O que atrás se disse vale, mutatis, mutandis, para as conclusões X a XIV, como de resto se retira do que o apelante alegou no art.° 13.° da sua resposta, a saber, que a eventual procedência do recurso apenas após a proferição da decisão final pelo Tribunal de Primeira instância tornaria todos os actos practicados no processo n. 3109/22.6T8CSC, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 3 absolutamente inúteis, na medida em que privaria a decisão final de elementos de elevada importância para análise de eventuais causas de invalidade do procedimento disciplinar. Ou seja, se o efeito produzido pela retenção da subida do recurso que o apelante encontrou foi apenas, e cito, tal privar a decisão final de elementos de elevada importância para análise de eventuais causas de invalidade do procedimento disciplinar, então a apelação da decisão final e a sua eventual procedência remediaria a situação e isso prova, urbi et orbi, que a inutilidade seria apenas relativa e não absoluta.
Por fim, cumpre lembrar ao apelante que não cabe sequer apelação, normal ou autónoma, da questão a que se reportam as conclusões LI a LVII, como de resto já o haviam dito as apeladas e agora reafirmaram.
Com efeito, pretende o apelante insurgir-se contra o desatendiemnto da sua pretensão de serem aditados novos temas de prova; todavia, o art.° 596.° do Código de Processo Civil estatui no n.° 1 que proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, no n.° 2 que as partes podem reclamar do despacho previsto no número anterior e no n.° 3 que o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da
decisão final. Ou seja, neste caso a lei é expressa e não deixa margem para quaisquer dúvidas: terá o apelante que aguardar pela decisão final para então aquilatar da pertinência de apelar daquele despacho.
Assim sendo, em todos estes casos deveria ter sido logo rejeitada a apelação, o que pode agora ser decidido uma vez que o despacho do Tribunal a quo não vincula esta Relação (art.º 641.º, n.os 2, alínea a) e 5 do Código de Processo Civil e 79.º-A, n.º 2, a contrario sensu, do Código de Processo do Trabalho).
3. Nestes termos:
a) em todos os referidos casos e nos termos sobreditos, rejeito a apelação do autor. Custas do incidente pelo apelado (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa);
b) quanto ao mais, nada aparenta obstar a que dela se conheça (art.º 652.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
c) por ora determino que não seja aberta vista ao Ministério Público para o parecer do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, para assim permitir ao Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto que se pronuncie sobre a rejeição atrás determinada no caso do apelante disso reclamar para a conferência.
d. s.