Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I - Nos casos em que não concorre na mesma pessoa a qualidade de sócio ou membro da pessoa colectiva com a titularidade da gerência, esta pode exercer-se quer na posição de trabalhador subordinado, quer de mandatário, havendo que averiguar os termos em que o contrato foi celebrado e é executado, para o subsumir juridicamente a contrato de trabalho, ou de mandato.
II - Tendo em 01-06-89, por contrato de trabalho, o autor sido admitido ao serviço da ré, para desempenhar as funções de empregado administrativo, e em 31-07-93, por ser familiar de todos os sócios da ré, sido nomeado gerente desta, é de concluir que o contrato de trabalho que ligava o autor à ré ficou suspenso por impedimento temporário prolongado com a sua nomeação para gerente da ré, tendo retomando a sua imediata e plena vigência logo que o autor cessou as funções de gerente, por destituição, em 22-09-00.
III - Assim, após a destituição o autor deveria retomar as tarefas que lhe estavam cometidas e que integravam a sua categoria profissional de empregado administrativo, salvo ocorrência de situação que justificasse situação diversa.
IV - Verifica-se uma violação ilícita e culposa, pela ré, do seu dever de ocupar efectivamente o autor e do correspondente direito deste, por, após a destituição de gerente, ter impedido o autor de continuar a ocupar o gabinete que ocupava até essa data, lhe ter retirado todas as tarefas e funções que até aí exercia, não lhe tendo dito ao longo de cerca de quarenta e cinco dias, quais passavam a ser as suas novas funções, nem qual seria o novo local físico de trabalho.
V - Atenta a gravidade da actuação da ré, de acordo com critérios de razoabilidade e objectividade, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de rescisão do contrato de trabalho, por parte do autor, com o consequente direito à indemnização prevista nos termos conjugados dos art.s 36.º e 13.º, n.º 3, da LCCT.
VI - A retribuição-base a atender para efeitos de indemnização, é a que o autor passou a auferir quando reassumiu as funções de trabalhador da ré, excepto se alguma das remunerações previstas em regulamento interno da ré, nos usos da mesma, emRCT aplicável, ou ainda a que a ré pagava ao autor antes de este assumir as funções de gerente, for de valor superior, devendo, em tal caso, atender-se à remuneração de maior valor.
         Recurso n.º 1001/04 - 4.ª Secção Mário Pereira (Relator) Salreta Pereira Paiva Gonçalves
 
I - Encontrando-se um trabalhador em regime de disponibilidade permanente para prestar serviços de clínica veterinária, em certos dias de descanso semanal e complementar, só o tempo de serviço efectivamente prestado nessas funções é que é remunerado como trabalho suplementar;II - Não tendo o autor especificado na petição inicial o tempo de serviço efectivo prestado nessas condições, tendo-se limitado a invocar a mencionada disponibilidade permanente para a prestação desse trabalho, há que julgar improcedente a acção por falta de alegação e prova dos elementos constitutivos do direito à remuneração por trabalho suplementar;III - A primeira parte do artigo 661º, n.º 1, do Código de Processo Civil apenas permite ressalvar a possibilidade de o juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global.
IV - Não é esse o caso, quando perante a rescisão unilateral do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, sem prévio aviso, a entidade empregadora formula, em reconvenção, não um pedido global constituído pelas duas parcelas indemnizatórias a que se refere o artigo 39º da LCCT, mas antes um pedido singelo de indemnização pelos danos resultantes do incumprimento do prazo do aviso prévio.
V - Nesse condicionalismo, não poderia o tribunal, apesar de considerar não verificados os danos indemnizáveis, face à prova coligida, arbitrar a indemnização de valor igual à remuneração base correspondente ao período de aviso prévio em falta (que não fora peticionada), com o fundamento de que o montante dessa indemnização cabia no valor do pedido.
         Recurso n.º 3164/04 - 4.ª Secção Fernandes Cadilha (Relator) * Mário Pereira Paiva Gonçalves
 
I - Deve ter-se por simulado, e, portanto, nulo, o contrato celebrado entre uma empresa estrangeira e um trabalhador, em concertação com a originária entidade patronal deste, e que apenas tinha em vista defraudar as leis laborais portuguesas e a facilitar a fuga e evasão fiscal e contributiva.
II - A declaração de nulidade desse contrato tem como necessárias consequências a subsistência do anterior vínculo laboral do trabalhador, bem como a inoperância de quaisquer cláusulas insertas no contrato simulado, mormente no tocante à remuneração.
III - No circunstancialismo referido na 1.ª proposição, é de condenar a entidade empregadora como litigante de má fé, quando, na acção proposta pelo trabalhador para reaver os seus créditos laborais, esta pretende fazer valer em tribunal uma versão dos acontecimentos que não tem qualquer correspondência com a realidade.
         Recurso n.º 2844/04 - 4.ª Secção Fernandes Cadilha (Relator) * Mário Pereira Paiva Gonçalves
 
I - A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como à prestação de serviços, irrelevando que não tenha sido publicado ainda o diploma próprio a estabelecer o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços anunciado nos diplomas que, sucessivamente, aprovaram o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo (n.º 2 do art. 40 do DL n.º 271/89 de 19.08 e n.º 2 do art. 24 do DL n.º 16/94 de 22.01).
II - Deixando aqui a lei margem à liberdade contratual (art. 405º do CC), nada impede que, optando as partes pelo modelo do trabalho subordinado na execução do contrato que celebraram, se submetam as relações contratuais respectivas ao regime geral que regula este tipo de relações jurídicas.
III - Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes de um contrato, há que averiguar qual a vontade revelada pelas partes - quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria actividade - e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica, prevalecendo a execução efectiva em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado.
IV - Sendo a factualidade apurada quanto ao modo como se desenvolveu a docência na Universidade reveladora de que o A. exercia a sua actividade com autonomia e sem sujeição aos poderes directivo e disciplinar da R., autonomia esta que se concretizava até em relação aos próprios regulamentos da Universidade, é absolutamente inócua para a qualificação do contrato a referência feita pela R., para fins fiscais, de que o trabalho do A. era 'trabalho dependente'.
V - O princípio expresso no art. 8, n.º 3 do CC de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito para os casos que mereçam tratamento análogo não tem o alcance do precedente obrigatório e, de modo algum, implica que o tribunal qualifique do mesmo modo os contratos celebrados entre uma entidade titular de um estabelecimento de ensino e os seus docentes, sempre que aquela seja demandada em tribunal por diferentes pessoas com quem se relacionou num quadro factual cujos contornos as instâncias fixaram de modo não coincidente.
         Recurso n.º 2268/04 - 4.ª Secção Vítor Mesquita (Relator) Fernandes Cadilha Mário Pereira
 
I - A categoria profissional traduz-se basicamente num modo de identificação, por referência a uma fórmula ou um 'nomen', das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar e reflecte o 'compromisso' entre dois interesses distintos: o do trabalhador, na delimitação do conjunto de prestações que lhe podem ser exigidas, e do empregador, numa pelo menos relativa indeterminação do conjunto de tarefas a exigir ao trabalhador.
II - A chamada categoria-função corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica.
III - Mas a categoria assume também a natureza de conceito normativo, no sentido de que o nível legal ou nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho se circunscrevem positiva ou negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador. É a designada categoria normativa ou categoria-estatuto, que correspondendo a certas funções descritas, propicia a aplicação da disciplina prevista com repercussão em diversos aspectos da relação laboral, nomeadamente salarial.
IV - A categoria profissional é vinculativa para a entidade patronal quando institucionalizada, e corresponde aos seguintes princípios:- da efectividade: na categoria-função relevam as funções substancialmente prefiguradas e não as meras designações exteriores;- da irreversibilidade: uma vez atribuída ou reconhecida certa categoria ao trabalhador, este não pode ser dela retirada ou despromovido (tem-se aqui em vista a categoria-estatuto do art. 21.º, n.º 1, d) e 23.º, da LCT), devendo o empregador determinar-lhe a execução de tarefas inerentes à mesma;- do reconhecimento: através da classificação a categoria-estatuto deve corresponder à categoria-função, e daí que a categoria-estatuto corresponde às funções desempenhadas.
V - Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deverá fazer-se tendo em atenção o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante, ou sendo tal diversidade equilibrada ou indistinta, deverá atender-se à actividade mais favorável ao trabalhador, ou seja, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada.
VI - Enquanto as funções desempenhadas pelo autor quando estava colocado na estação da Pampilhosa, se integravam claramente na categoria de 'factor', com a sua mudança para a Sub-região 2/C, posteriormente Sub- Região 521, e actualmente Gabinete Técnico, as funções desenvolvidas pelo autor sofreram alteração significativa.
VII - Se é certo que nem toda a factualidade provada constante do ponto 11. da matéria de facto se enquadra no ponto 2.5 do capítuloI-1 do Anexo do AE, publicado no BTE 17/93, é indubitável que tal alteração se traduziu num acréscimo de autonomia e responsabilidade do autor, que mais se aproxima e integra na categoria de 'Chefe de Estação', ou seja, quando da sua mudança, as funções que o autor passou a desempenhar enquadram-se no núcleo essencial das funções descritas para a categoria de 'Chefe de Estação'.
         Recurso n.º 1918/04 - 4.ª Secção Vítor Mesquita (Relator) * Fernandes Cadilha Mário Pereira
 
I - No âmbito do recurso para fixação de jurisprudência, o recorrente não pode deixar de fixar o sentido em que pretende seja fixada a jurisprudência, visto não caber ao STJ adivinhá-lo, assimilando-se a um recurso sem objecto, o que por absurdo se não admite.
II - O não cumprimento dessa obrigação, considerando o disposto nos arts. 412.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 420.º, n.° l, 438.°, n.° 2, e 448.°, todos do CPP, conduz à rejeição do recurso, como já ficou decidido no acórdão deste STJ, n.º 9/2000, emanado do Plenário das Secções Criminais, de 30-03-2000, publicado no DR-A, de 27-05-2000
         Proc. n.º 4101/04 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Sousa Fonte Rua Dias
 
I - A al. i) do art. 132.º, n.º 2, do CP, consagra o exemplo-padrão tradicionalmente chamado de premeditação, mas cuja referência omite, reunindo num só preceito entendimentos que à premeditação alguns autores conferiam, nele se congregando as hipóteses em que o agente manifestou firmeza, tenacidade, irrevogabilidade da resolução, indiciada pela persistência criminosa durante certo tempo e, como tal, reveladora de uma forte ideação de concretizar o projecto criminoso.
II - O STJ tem sempre reconduzido o conceito de frieza de ânimo à ideia de calma ou imperturbada reflexão no assumir da intenção de matar, evidenciando modo frio, indiferente ao valor da vida da vítima, a quem não deu condições de defesa, revelando uma forte intensidade da vontade criminosa, sangue frio, calma, firme e fria actuação, absolutamente indiferente ao resultado, total insensibilidade à vida do ofendido, denotando o somatório de condições envolventes e concomitantes do crime uma imagem global agravada, uma culpa acrescida, a reclamar punição mais severizada.
III - A reflexão nos meios empregados há-de consistir num estudo aprofundado dos meios de execução, na escolha dos que mais idóneos se mostrem à execução do crime, maior êxito trazendo à sua realização, por forma que enfraqueça, vulnerabilize a capacidade de defesa da vítima, suprimindo-lhe ou reduzindo-lhe a capacidade de defesa.
IV - Resultando da factualidade assente que:- o arguido projectou matar a vítima, formando esse desígnio nos primeiros dias de Novembro de 2002, despeitado por aquela o ter abandonado e não lhe restituir uma loja que lhe havia ofertado, traçando um plano pormenorizado para o efeito, procedendo a um levantamento da zona onde vivia, mandando espiar o seu local de trabalho por terceiros contratados por si, a fim de a amedrontarem, e como a ofendida persistisse em não lhe restituir a loja, congeminou o recurso a terceiros para lhe levarem à força a vítima, os quais, simulando um acidente de viação, aproveitando-se da colisão provocada e da saída da vítima para o exterior da sua viatura, acabam por a anestesiar, levando-a na viatura colidente, colocando-a, depois, na viatura do arguido que, no interior dela, face à recusa daquela, lhe suprimiu a vida em 25 de Novembro;tal vale por dizer que o arguido persistiu no intuito de matar a vítima por muito mais de 24 horas, surgindo a morte como culminância daquele desígnio temporalmente prolongado e alimentado na sua mente.- socorrendo-se de terceiros que procederam ao aluguer de uma viatura para nela levarem a vítima à força, depois de anestesiada (como previamente acordado entre todos), o arguido traçou um plano de improvável, para não dizer de impossível insucesso, para causar-lhe a morte, não só pela surpresa em que a vítima cai no acidente, pela sua inferioridade numérica face aos seus sequestradores, como ainda face ao reprovável uso do clorofórmio como anestésico, deixando-a voluntariamente bloqueada, fragilizada fisicamente e mais facilmente à sua mercê, apresentando-se o desfecho letal resultado de uma reflexão cuidada em que, pela indefesa criada, a morte era inevitável;o homicídio é qualificado pela circunstância no art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP, pela evidência de frieza de ânimo, reflexão sobre os meios empregados e premeditação.
V - E não se diga que ela se verifica somente em relação ao crime de sequestro, porque a frieza de ânimo, aquela reflexão sobre os meios empregados e premeditação abrangem, atravessam, todo o processo global e executivo que conduziu à morte, não sendo caso de violação do princípio ne bis in idem, que proíbe que as circunstâncias que façam parte do tipo sejam valoradas duas vezes na medida da pena: o condicionalismo agravativo é abrangente de toda a acção, pluriofensiva de distintos valores jurídicos fundamentais, sendo valorada uma só vez.
VI - A realização do facto no plano global mostra-se particularmente desvaliosa, ético-moralmente em alto grau, e documenta aspectos de uma personalidade altamente desconformada com os valores de subsistência comunitária, reveladora da prática de um crime de homicídio com especial censurabilidade e perversidade.
VII - Tendo ainda em consideração:- que o arguido agiu com dolo directo, muito intenso, resultante de meditada deliberação, e motivado por despeito e vingança;- os valores ofendidos, situados no topo da pirâmide dos direitos fundamentais: o da privação do direito à liberdade ambulatória, no crime de sequestro, e a vida, no de homicídio;- as necessidades de prevenção geral, de elevada premência, face ao número em crescendo de homicídios cometidos sobre pessoas do sexo feminino, fora e dentro do ambiente familiar;- as necessidades de prevenção especial, que, não avultando (ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais, apesar de não possuir bom comportamento anterior - porque não se provou ser pessoa pacífica e ordeira, honesta nos seus negócios, educado e portador de princípios morais), reclamam ainda intervenção, face a uma personalidade insensível, em vista de o fazer interiorizar os graves malefícios do seu acto;- o grau de ilicitude, elevadíssimo, já pela importância dos valores jurídicos violados, já pela forma de cometimento dos crimes, já pelos sentimentos revelados pelo arguido, sem esquecer o instrumento de agressão utilizado na morte da vítima, sua companheira durante 15 anos, uma arma de fogo, em situação de manifesta superioridade física.- que não revelou qualquer arrependimento ou emoção, sendo que, apesar de o facto de se ter posteriormente apresentado no Posto da GNR dizendo ter desferido um tiro na mulher e entregando a arma do crime ter algum valor atenuativo, a circunstância de manter a vítima em situação de agonia no veículo onde se conduziu aquele Posto retira substancial alcance e mérito a tal atitude e permite reeditar ainda laivos de personalidade de estilo 'racional e frio' e de indiferença para com o sofrimento físico que causou;é de manter a pena imposta pelo crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP, de 2 anos de prisão, e de fixar em 17 anos de prisão a pena pela prática do crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 132.º, n.º 2, al. i), do CP, aplicando-se a pena unitária de 18 anos de prisão.
         Proc. n.º 4302/04 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Sousa Fonte Rua Dias Pires Salpico
 
I - Arma é, na definição do art. 4.º do DL 48/95, de 15-03, qualquer instrumento, mesmo sem aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim.
II - A arma de pressão de ar ajusta-se inteiramente, numa interpretação declarativa, cingida ao elemento gramatical da lei, ao conceito de arma previsto nesse preceito, porque a lei aí não distingue entre arma de fogo ou sem o ser, bastando que concorra nela potencial lesivo da integridade física da vítima, a partir da mera exibição, pela criação de receio, medo, de por ela ser atingido, na pessoa do visado, pelo que a utilização de arma de pressão de ar não deixa de comportar virtualidade integrativa da qualificativa do crime de roubo prevista no art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), ambos do CP.
         Proc. n.º 4443/04 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Sousa Fonte Rua Dias
 
I - A evolução legislativa neste capítulo desde o CP de 1886 (art. 442.º, n.º 1), passando pelo de 1982, na sua versão primitiva (art. 298.º, n.º 1), sempre abarcou o conceito de arrombamento em espaço fechado por referência a dependência de casa, geralmente se entendendo, por ausência de distinção, e com apoio na história do preceito, designadamente no CP de 1886, onde o arrombamento era expressamente referido tanto a casa habitada ou destinada a habitação como a casa não habitada e nem destinada a habitação (art. 426.º, n.º 7, do CP de 1886), que o legislador acolhe este conceito lato de casa, partindo-se de uma abordagem teleológica, de espaço físico, possuído de uma autonomia funcional ligada ao modo de viver de comum, não sendo necessário que esteja habitada, mas adaptado para esse fim (cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, art. 202.º -I).
II - Casa é o recinto fechado por todos os lados, incluindo o superior, cujas paredes se apoiem estavelmente no solo e que permita a entrada de pessoas, e tanto pode ser o edifício que serve especialmente para habitação, como o estabelecimento de negócio, a casa de comércio.
III - O estaleiro que vedava as obras em curso em vista da construção de determinado hospital, onde se acondicionava um contentor para escritório da sociedade construtora e um outro para acolhimento de ferramentas, materiais e máquinas, não preenche o conceito de casa, como não o são, em regra, os contentores, do mesmo modo que estes também não sustentam a noção técnico-jurídica de estabelecimento, concebido como uma universalidade constituída por elementos materiais (bens, espaço físico) e imateriais (o nome, a clientela, o seu aviamento), os quais devidamente integrados, concatenados e aglutinados, concorrem para uma organização apta a um fim específico, de produção de bens ou serviços, dissociando-se aqueles elementos, seus componentes, do todo unitário a que conduzem, formando um valor que não se confunde com a soma atomística daqueles elementos.
IV - O estaleiro é um elemento do estabelecimento da ofendida, de sorte que o assalto àquele, mesmo enquanto espaço fechado (lugar fechado e com alguma solidez), por arrombamento da porta que o fechava, não configura arrombamento de espaço fechado dependente de qualquer casa, dependência de que não pode abdicar-se porque a tutela penal pressuposta no tipo qualificado do furto, nos termos do art. 204.º, n.º 2, al. e), do CP, não pode desprender-se daquela acessoriedade.
         Proc. n.º 3496/04 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Sousa Fonte Rua Dias Pires Salpico
 
I - O crime previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, constitui um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de art. 21.°, e pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre 'consideravelmente diminuída' em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
II - A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei.
III - Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de 'considerável diminuição de ilicitude'.
IV - A detenção de 4 grs. de heroína e de 5 grs. de cocaína, por si só, apontam para uma configuração de ilicitude que deve ser considerada como consideravelmente diminuída, a preencher o tipo de ilicitude do art. 25.° do DL 15/93, 22-01.
         Proc. n.º 130/05 - 3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) * Antunes Grancho Silva Flor Soreto de Barro
 
Tendo o recorrente cometido o crime p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, a que corresponde a moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, e atendendo:- às elevadas exigências de reprovação e de prevenção geral do crime;- ao grau de ilicitude do facto e modo de cometimento do crime em reincidência - o arguido era procurado e procedia à venda de uma variada gama de drogas duras (heroína, cocaína e MDMA) e também fazia entregas ao domicílio;- às quantidades apreendidas, num total de quase 1Kg. de drogas duras;- às quantias monetárias que tinha já apurado - quase 4000€ e múltiplos objectos em ouro e prata;- às condições pessoais do arguido, sem actividade profissional 'corrente', nem outro modo de vida; estivera já preso e desde que colocado em liberdade não se integrou profissionalmente;- à irrelevância a sua confissão parcial (só confessou o que não podia negar);- aos critérios legais que presidem à determinação da pena plasmados no art. 71.º do CP;é de confirmar a pena de 7 anos de prisão imposta pelo tribunal da Relação, por ser equilibrada, adequada e proporcionada.
         Proc. n.º 4748/04 - 3.ª Secção Antunes Grancho (relator) Silva Flor Soreto de Barros Armindo Monteiro
 
I - A nulidade da sentença/acórdão, como acto posterior à audiência, nem sempre acarreta ou implica a anulação do julgamento, e só quando esta nulidade é decretada, seja pela verificação dos vícios enunciados no n.º 3 do art. 410.º do CPP, seja por qualquer outra causa, é que se impõe a repetição do julgamento a levar a efeito pelo mesmo tribunal (mesmos juízes) que proferiu a decisão anterior.
II - Tendo a Relação ordenado o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à questão concreta da aplicação (ou não) do regime penal dos jovens delinquentes, portanto reenvio parcial, com fundamento nos arts. 410.º, n.º 2, al. a), e 426.º, n.º 1, ambos do CPP, o novo julgamento competia ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.
III - Se foi o mesmo tribunal que procedeu aos dois julgamentos houve manifesta violação das regras de competência e da composição do tribunal, nulidade insanável que deve ser decretada oficiosamente em qualquer fase do procedimento (arts. 119.º, als. a) e e), do CPP), implicando a anulação do julgamento e o reenvio (parcial) do processo para novo julgamento, a levar a efeito pelo tribunal competente de harmonia com o disposto no art. 426.º-A do CPP.
         Proc. n.º 61/05 - 3.ª Secção Antunes Grancho (relator) Silva Flor Soreto de Barros
 
I - Tratando-se de prova documental constante dos autos inexistente razão para que a mesma não possa servir para formar a convicção do tribunal, ainda que os documentos não sejam lidos em audiência, pois está sempre garantido aos diversos sujeitos processuais o exercício do contraditório, sendo irrelevante que as actas sejam omissas quanto aos que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
II - Neste sentido se pronunciou o TC, no acórdão n.º 87/99, de 10-02-1999, ao não considerar inconstitucionais os normativos do art. 355.º do CPP interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.
         Proc. n.º 37/05 - 3.ª Secção Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro Sousa Fonte
 
I - Visando o recurso exclusivamente o reexame de matéria de direito, este Supremo Tribunal tem de aceitar a matéria de facto tal como foi fixada pelas instâncias, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, se for caso disso - arts. 428.º, n.º 1, 432.º, al. d), e 434.º, do mesmo diploma.
II - Não pode assim o STJ sindicar a apreciação da prova feita pelas instâncias, designadamente o uso do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127.º do CPP.
III - Mostrando a descrição factual que o recorrente vendeu durante vários meses, até Dezembro de 2002, canabis, cocaína e comprimidos de 'ecstasy' ao H, o qual por sua vez vendia esses estupefacientes a terceiros, que, de igual modo, na mesma época, o recorrente vendeu com regularidade estupefacientes ao J, que também os vendia a terceiros, que naquela data, aquando de uma intervenção policial, se verificou que o recorrente tinha na sua residência 2 cápsulas contendo 0,466 grs. de efedrina, 9,872 grs. de cocaína, e 3 'cogumelos' de psilocina, bem como 1730,35 € e 40 dólares americanos, produto da venda e cedência de produtos estupefacientes, e não se tendo provado que o recorrente visasse com o tráfico exclusiva ou mesmo predominantemente a obtenção de substâncias para consumo pessoal, fica desde logo afastada a hipótese de integração da conduta no art. 26.º do DL 15/93, de 22-01.
IV - Apesar de se poder dizer que as quantidades de estupefacientes que o recorrente tinha em seu poder aquando da intervenção policial não eram elevadas, não pode afirmar se que o grau de ilicitude se mostra consideravelmente diminuído, pois se provou que o recorrente durante vários meses se dedicou ao tráfico, designadamente de cocaína, que pertence ao grupo das chamadas 'drogas duras', representando o lançamento dessas substâncias no mercado do consumo um perigo de acentuada danosidade social, e que o tráfico abarcava cinco tipos de substâncias, traduzindo-se numa oferta variada de estupefacientes, o que facilitava a sua difusão a um maior número de consumidores, aumentando consequentemente aquele perigo, pelo que é de manter a qualificação da conduta adoptada pelas instâncias - crime de tráfico p. e p. pelo art. 21.º , n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
V - E, dentro da moldura penal que lhe corresponde, de 4 a 12 anos de prisão, considerando que não se provaram circunstâncias que deponham a favor do recorrente para além do facto de ser delinquente primário, mas apenas que sempre desenvolveu actividade profissional regular e tem família constituída e responsabilidades familiares, atendendo ao disposto no art. 71.º do CP, não é excessiva a pena de 4 anos e 8 meses de prisão.
         Proc. n.º 4723/04 - 3.ª Secção Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro Sousa Fonte
 
I - Se se verificar que o ofendido de crime semi-público desistiu da queixa em tempo oportuno e que esse facto não foi levado ao conhecimento do tribunal por culpa exclusiva dos seus próprios serviços é óbvio que a condenação do arguido não poderá deixar de ser tida como manifestamente injusta, se a desistência for juridicamente relevante.
II - Neste caso, é de conceder a autorização para revisão de sentença e determinar que os autos revertam à fase que antecede a publicação da sentença, para que o tribunal tome posição sobre a tempestividade e relevância do requerimento de desistência de queixa apresentado.
         Proc. n.º 2496/04 - 3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Rua Dias Pires Salpico Henriques Gaspar
 
I - Estando, no caso, verificados os pressupostos, material e formal, da reincidência, o primeiro exercício a realizar pelo tribunal para fixar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido é o de determinar, dentro da moldura normal do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01 - prisão de 4 a 12 anos -, a pena que lhe caberia.
II - Considerando os factos e circunstâncias relevadas pelo acórdão recorrido, mas acentuando que estamos perante um autêntico correio de droga, na modalidade de receptáculo da (quantidade de 252,94 grs. líquidas de cocaína) remetida da Venezuela por outro indivíduo, não tendo ficado provada a intenção de venda por parte do arguido, que não podemos senão considerar a sua conduta como um acto isolado, e que agiu em período de dificuldades económicas, vivendo com companheira de quem tem uma filha, é de concluir que o juízo de censura de que é passível o arguido sai relativamente esbatido e que, nessa conformidade, e no seguimento dos critérios geralmente seguidos neste tribunal para situações idênticas, a pena não deveria ultrapassar os 5 anos de prisão.
III - O segundo passo deverá ser o de determinar a pena que concretamente caberia ao arguido, agora dentro da moldura agravada pela reincidência - prisão de 5 anos e 4 meses a 12 anos, como decorre da 1.ª parte do n.º 1 do art. 76.º do CP.
IV - Dentro desta moldura penal, atendendo ao maior juízo de censura de que o arguido é passível, em virtude de não se ter deixado motivar pela anterior condenação, e às acrescidas exigências de prevenção geral e especial, poder-se-ia aceitar que a pena concreta fosse fixada em medida próxima dos 7 anos de prisão.
V - Só que, por força da 2.ª parte do mesmo n.º 1 do art. 76.º - 'a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores', no caso a pena de 1 ano, 1 mês e 27 dias de prisão - esta pena de 7 anos não poderá subsistir por se traduzir numa agravação que ultrapassa o legalmente permitido, sendo, por isso, de fixar a pena final em 6 anos de prisão.
         Proc. n.º 4303/04 - 3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Rua Dias Pires Salpico Henriques Gaspar
 
I - Sendo os crimes de roubo pelos quais o recorrente foi condenado crimes de natureza pública, é juridicamente irrelevante a declaração da ofendida de que pretendia desistir da queixa.
II - Por isso, a circunstância de, antes do julgamento, ter sido formulada desistência da queixa, da qual só se veio a ter conhecimento em data posterior à do trânsito em julgado do acórdão condenatório, além de não configurar um 'facto novo', também não permite que se 'suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação', pelo que não se verifica o fundamento de revisão da sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
         Proc. n.º 4719/04 - 3.ª Secção Pires Salpico (relator) Henriques Gaspar Antunes Grancho Silva Flor
 
I - Tendo-se provado apenas que 'em momento que antecedeu a sua morte, X. apercebeu-se da inevita-bilidade do embate', não se justifica a autonomização como dano não patrimonial indemnizável desse fugaz momento em que ele se apercebeu que ia chocar, sendo de manter o valor mais baixo, de 1.500 € fixado pela 1.ª instância.
II - Constando dos factos provados o preço de aquisição do veículo, o tempo de uso, a não reparação e consequente remoção para a sucata, bem como o não recebimento de qualquer quantia pelos salva-dos, bem como, a marca, o modelo e que foi adquirido em novo, o Tribunal tinha elementos sufi-cientes para quantificar o dano em causa e cremos que o fez criteriosamente, ao descontar ao res-pectivo preço cerca de 500 euros pelos 6 meses de utilização.
         Revista n.º 4783/04 - 6.ª Secção Salreta Pereira (Relator) Fernandes Magalhães Azevedo Ramos
 
Não existindo qualquer normativo, comunitário ou convencional, impositivo da aplicação obrigatória do instituto do reenvio prejudicial no que respeita à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Comuni-dade Europeia das normas da Convenção de Haia relativas ao Raptonternacional de Crianças, não merece acolhimento o pedido de intervenção interpretativa daquele Tribunal relativamente aos poderes dos orgãos jurisdicionais nacionais relacionados com a instrução de tais processos.
         Revista n.º 4782/04 - 6.ª Secção Sousa Leite (Relator) Salreta Pereira Fernandes Magalhães
 
I - Da conjugação do disposto no n.º 2 do art.º 229, com o estatuído no n.º 2 do art.º 698, pode extrair-se a conclusão, que, apresentadas as alegações por parte do recorrente, cumpre à secretaria proceder à notificação das mesmas ao mandatário do recorrido, talqualmente ocorre com a petição inicial e com a contestação.
II - Por outro lado, e atento o estatuído no art.º 684-A, igual forma de notificação deve ter lugar, no que concerne à resposta a que se reportam os n.ºs 2, 3 e 5 daquele indicado art.º 698.
III - Através das alterações introduzidas pelo art.º 5, do DL 324/2003, de 27-12, o legislador parece ter apontado no sentido antecedentemente sufragado, quanto à entidade a quem compete proceder à notificação das alegações de recurso aos mandatários judiciais das respectivas compartes.
         Revista n.º 4766/04 - 6.ª Secção Sousa Leite (Relator) Salreta Pereira Fernandes Magalhães
 
I - A nova redacção do art.º 292, n.º 2, do CPC, introduzida pelo DL 329-A/95 'os recursos são julgados desertos por falta de alegação do recorrente, ou quando, por inércia deste, estejam parados durante mais de um ano', tem todo o cariz de interpretativa.
II - Se a instância julgada extinta por deserção foi a instância no recurso, mantém-se naturalmente aberta a instância na acção - que é uma acção especial de remição de colonia, a que se aplicam as regras da expropriação por utilidade pública, aqui, atenta a data em que foi tramitado o processo de remi-ção da colonia, as regras do CExp de 1976.
III - De facto, extinta a instância (por deserção) no recurso de apelação da sentença que fixou a indemni-zação, esta sentença transitou em julgado. No entanto, a instância na acção não se extinguiu, por-que, como o depósito da indemnização é uma condição legal da transmissão da propriedade do solo (art.º 9, g), do Decreto Regional 16/79) a questão da tempestividade do depósito só pode ser apre-ciada quando estiverem na acção os herdeiros habilitados.
         Revista n.º 4346/04 - 1.ª Secção Reis Figueira (Relator) Barros Caldeira Faria Antunes
 
I - Considerando que o contrato promessa que iria reconduzir à celebração do contrato definitivo tinha clausulado a possibilidade de o prédio ser vendido aos promitentes compradores ou a quem ele indicasse, uma vez provado por tal documento que o sinal foi pago pelo pai do réu e posteriormente o preço, e que a escritura definitiva foi feita na proporção de metade para cada um dos seus dois filhos, tudo isto traduz, efectivamente, uma aparência de prova acerca do intuito simulatório, que posteriormente teve a sua concretização na escritura de compra e venda.
II - Ora, tais documentos não dissipam todas as dúvidas que possam permanecer no espírito do julgador, pelo que, se dos textos resultam factos que se querem provar, isto é, se dos mesmos emergirem fac-tos concludentes ou dos mesmos possa resultar qualquer presunção, não restam dúvidas de que a prova testemunhal era admissível no caso.
III - A interpretação do art.º 241, n.º 2, do CC, não pode ser efectuada no sentido de que é necessário que o negócio dissimulado conste de um acto solene, o que seria absurdo, uma vez que, se o negócio é dissimulado, não pode estar exteriorizado no acto dissimulado.
IV - Assim, se se pretende fazer uma doação e se simula uma compra e venda, teremos que concluir que não é necessária a contra declaração do animus donandi para se ter por válido o negócio dissimula-do.
V - Mas, pode chegar-se à mesma conclusão entendendo que o que efectivamente os pais dos comprado-res do imóvel lhe doaram, não foi o prédio em si, mas sim o dinheiro necessário para que eles o adquirissem. Efectivamente, quem pagou o preço do imóvel foram os pais e não o réu, e a doação radica no pagamento do preço, que veio a enriquecer o réu, sendo uma doação directa.
VI - Sempre que não esteja em jogo o interesse de qualquer terceiro, deve ser afastada a literalidade da norma, admitindo-se que o cônjuge, que pretenda demonstrar que os valores utilizados na aquisição de um bem provieram do seu património, ofereça qualquer prova capaz de afastar a qualificação do novo bem como comum, qualificação que resulta da inobservância dos requisitos estabelecidos no art.º 1723, al. c), e que assenta, em última análise, na presunção de comunhão do art.º 1724.
VII - No caso em apreço não restam quaisquer dúvidas de que não estão em jogo interesses de terceiros e que está provado que o dinheiro foi dado ao réu pelos pais e com ele adquiriu a ½ do imóvel, pelo que, quer admitindo que o negócio foi simulado e que o negócio dissimulado é válido, quer através da sub-rogação indirecta, o bem em litígio tem que ser considerado como um bem próprio do réu.
VIII - A Relação fez uso do disposto no art.º 712 do CPC, por entender que não era admissível a prova testemunhal aos quesitos cuja resposta alterou de provado para não provado, mas como esse tipo de prova é de admitir, tem que se revogar tal decisão.
         Revista n.º 10/05 - 6.ª Secção Ribeiro de Almeida (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite
 
I - A posse de estado consiste no facto de alguém haver sido reputado e tratado como filho pelo pretenso pai, e haver sido reputado também pelo público. Contém, assim, uma realidade subjectiva e objec-tiva, sendo aquela dada pela reputação traduzida na convicção da paternidade.
II - Trata-se de uma simples presunção da relação biológica da paternidade do investigado, que funciona nos casos em que o investigante já deixou precludir o prazo para intentar a acção com base na filia-ção biológica.
III - É assim necessário que o investigado repute o investigante como seu filho e como tal o trate. A reputação não é mais do que a convicção, do foro íntimo, inequívoca de que é pai.
IV - O tratamento, exteriorização daquela realidade, traduz-se em actos de assistência moral e material prestados pelo pretenso pai. Esses actos são geralmente aqueles que um pai pratica em relação aos seus filhos - afecto, estima, consideração e auxílio económico, não esquecendo que, em relação aos filhos nascidos fora do casamento, pode haver reputação desacompanhada de tratamento.
V - Tendo o autor alegado apenas que o seu nome foi escolhido de comum acordo com a mãe e o réu, que a mãe do réu sempre o tratou como neto e que no local onde nasceu é conhecido como o filho do réu, estes factos, a serem provados, não seriam suficientes para traduzirem o seu tratamento como filho do investigado, e sendo assim não pode beneficiar do prazo do n.º 4, do art.º 1817, do CC.
VI - Quanto à questão da inconstitucionalidade das normas que fixam os prazos para a proposição da acção, apesar de ter sido recentemente publicado no DRI série, n.º 35, de 18-02-05, o AC do Tri-bunal Constitucional, com o n.º 486/2004, de 7-7, que julgou inconstitucional o art.º 1817, n.º 1, do CC, não se vê razão para alterar o entendimento que vem sendo seguido por este STJ, na esteira de anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional que se pronunciaram no sentido da constitucio-nalidade das normas que fixam prazos para a caducidade das acções de investigação.
         Revista n.º 4804/04 - 6.ª Secção Ribeiro de Almeida (Relator) Nuno Cameira Sousa Leite
 
I - A responsabilidade civil médica admite a responsabilidade contratual, ou seja, a que deriva de uma obrigação em sentido técnico e a extracontratual ou aquiliana que resulta da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (no caso direito de personalidade).
II - Na actuação do médico, o não cumprimento pelo mesmo dos deveres de cuidado e protecção a que está obrigado, podem ser causa de responsabilidade contratual, na medida em que viola deveres laterais a que contratualmente está obrigado, mas também causa de responsabilidade delitual, na medida em que a referida violação represente igualmente um facto ilícito extracontratual.
III - Não sendo pacífica a questão de saber qual das responsabilidades prevalece nem a de saber se o lesado pode recorrer a qualquer uma delas, uma doutrina e jurisprudência maioritária têm entendido que, gozando o lesado da tutela extracontratual, poderá o mesmo optar pelo regime que lhe for mais favorável.
IV - Os autores, socorrendo-se das disposições atinentes à responsabilidade civil extracontratual, susten-tam que o réu não respeitou a legis artis, a praxis clínica, uma vez que não realizou todos os exa-mes necessários e aconselháveis, dando alta ao doente quando se impunha a permanência no Hos-pital.
V - Os autores imputam ao réu omissão de acção de cuidado, zelo e profissionalismo, incumbindo-lhes provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal (art.º 487, n.º 1, do CC).
VI - Provando-se que o doente se encontrava lúcido, com discurso normal e que no exame radiológico efectuado não foi observada qualquer lesão traumática, também nada se tendo concluído no exame neurológico efectuado, não há documentos, elementos, prova, que permitam contrariar a conclusão de que não impende culpa sobre o réu sob a forma de negligência.
         Revista n.º 4055/04 - 1.ª Secção Pinto Monteiro (Relator) Lemos Triunfante Reis Figueira
 
I - O Código Civil reconhece expressamente a possibilidade de transmissão a título singular de dívidas, assunção que pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor ou por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
II - A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido. Não existindo essa declaração, estar-se-á perante uma assunção cumulativa da dívida, também designada por co-assunção da dívida, ou adesão à dívida.
III - Neste caso, o antigo devedor, continua a responder solidariamente (embora se trate de uma solida-riedade imperfeita) com o novo obrigado.
IV - A assunção da dívida é um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte.
         Revista n.º 3894/04 - 1.ª Secção Pinto Monteiro (Relator) * Lemos Triunfante Reis Figueira
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