Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I -O recurso de revisão é um recurso extraordinário cuja tramitação obedece aos precisos termos legais processualmente previstos e é abrangido pelas garantias de defesa de consagração constitucional, conforme art. 29.º, n.º 6, da CRP ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e indemnização pelos danos sofridos.
II - A revisão incide sobre uma sentença transitada em julgado, em que as dúvidas que se impõem tem de recair sobre a condenação enquanto tal, a ponto de colocar fundadamente o problema de o arguido dever ser absolvido, determinando que o erro de julgamento tenha de ser corrigido pela revisão da decisão.
III - É de autorizar a revisão da sentença, nos termos do art. 449.º, al. d), do CPP, que condenou a arguida por factos ocorridos em 26-02-04 na prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 3/98, de 03-01, se o tribunal da condenação não tomou em consideração que a arguida era titular de carta de condução na data dos factos perspectivados na decisão revidenda.
         Proc. n.º 69/04.9GTBJA -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges Pereira Madeira
 
I -Por força da prescrição ínsita no n.º 2 do art. 439.º do Código do Trabalho, para a fixação da indemnização em substituição da reintegração o tribunal “deve atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial”.
II - Uma vez que, aquando do proferimento do acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, a respectiva decisão ainda não se mostra transitada, não pode no mesmo tomar-se, desde logo, em conta aquele normativo.
III - Para além da parametrização a que alude o n.º 1 do referido art. 439.º, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do mesmo preceito deve ser relegado para incidente de liquidação.
         Recurso n.º 376/09 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator) Mário Pereira Sousa Peixoto *Sumário do Relator
 
I -De acordo com o n.º 1 do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, e tendo em vista a protecção da trabalhadora grávida, para que possa ser decretado o despedimento com justa causa, é necessário que o empregador, antes da decisão final a proferir no processo disciplinar, e concluídas as diligências de prova, solicite parecer à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego a fim de esta, com base no exame do processo, emitir opinião sobre a existência de discriminação em função do sexo, e não sobre a existência de justa causa.
II - Sendo o parecer desfavorável ao despedimento, o empregador, caso entenda prosseguir com o processo disciplinar com vista ao despedimento, deve, nos termos do n.º 5 do referido artigo, solicitar ao tribunal, através de uma acção de simples apreciação, que declare a existência de justa causa, alegando e demonstrando os factos que constituem tal fundamento da cessação do contrato.
III - O juízo sobre a existência de justa causa, a formular em tal acção, não pode basear-se apenas na verificação de meros indícios resultantes do exame do processo disciplinar, que, podendo ser suficientes para se concluir pela probabilidade séria da existência de justa causa a que se refere o n.º 6 do mesmo artigo para efeito de não ser decretada a providência cautelar de suspensão de despedimento, não são suficientes para suportar a certeza da declaração judicial dessa mesma existência, certeza essa que só pode ser alcançada mediante a produção de prova em tribunal dos factos imputados à trabalhadora arguida na nota de culpa.
IV - Consequentemente, não pode a acção de reconhecimento de justa causa ser julgada no despacho saneador, com fundamento na suficiência dos elementos constantes do processo disciplinar, por tal contrariar o disposto nos artigos 49.º e 62.º do Código de Processo do Trabalho e 508.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
V - A presunção estabelecida no n.º 2 do citado artigo 51.º, de inexistência de justa causa do despedimento de trabalhadora grávida, opera tanto na acção de reconhecimento de justa causa como na acção de impugnação de despedimento.
VI - A regra da substituição consignada no n.º 1 do artigo 753.º do Código de Processo Civil, segundo a qual, «[s]endo o agravo interposto de decisão final e tendo o juiz de 1.ª instância deixado, por qualquer motivo, de conhecer do pedido, o tribunal, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhecerá deste no mesmo acórdão em que revogar a decisão da 1.ª instância», que implica a supressão de um grau de jurisdição, tem subjacentes razões de economia e celeridade processual, pelo que só deve aplicar-se quando o processo contenha todos os elementos para ser proferida a decisão de mérito que o tribunal recorrido se absteve de proferir por motivo que o tribunal de recurso vem a considerar insubsistente.
VII - Se o tribunal de recurso determina o reenvio do processo ao tribunal recorrido, por não ser possível conhecer do mérito da causa, não há razões de celeridade e economia processual que justifiquem suprimir um grau de jurisdição e, assim, não está o tribunal superior obrigado a conhecer da questão da nulidade do parecer emitido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, questão que o tribunal recorrido se absteve de apreciar por se considerar incompetente em razão da matéria, juízo este que o Tribunal da Relação declarou insubsistente.
         Recurso n.º 90/09 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I -Tendo a sentença considerado que o acidente, ocorrido quando o sinistrado procedia à descofragem de uma caixa de elevador -e veio a cair por não ter apoio a plataforma em que se encontrava -, não podia imputar-se a qualquer conduta omissiva da empregadora, designadamente a «falha de organização do trabalho e a omissão de procedimentos específicos de segurança dos trabalhos de descofragem das caixas do elevador», e não tendo este juízo sido impugnado no recurso de apelação, não pode a referida alegação de infracção a outras regras de segurança -que não a violação do dever de informação e de dar instruções relativamente às condições e segurança (único fundamento do recurso de apelação) -ser apreciada pelo STJ, por se ter formado caso julgado em relação a tal (artigos 673.º, 684.º, n.ºs 2 a 4, e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
II - A responsabilidade agravada do empregador prevista no artigo 18.º da LAT pressupõe que se verifique o incumprimento, por parte do empregador, de prescrições legais destinadas a prevenir a ocorrência de acidente e um nexo de causalidade entre esse incumprimento e o evento danoso.
III - O que releva, para efeito de se apurar se houve violação do dever de informação, é a demonstração de que o empregador não teve em consideração, devidamente, os conhecimentos e aptidões, em matéria de segurança, relativamente às tarefas cometidas a um concreto trabalhador e que os conhecimentos deste, por deficiência, exigiam instruções que foram omitidas.
IV - Não pode concluir-se que houve violação do dever de informação se o autor, embora desempenhando funções de estucador, «era um trabalhador com larga experiência na execução de trabalhos no âmbito da construção civil e sabedor das tarefas relacionadas com a descofragem, trabalho que havia já por diversas vezes executado», ignorando-se se as operações concretas a que procedia eram diferentes, em termos de exigirem procedimentos de segurança distintos dos adoptados em trabalhos de descofragem que já tinha executado.
V - Não pode afirmar-se a verificação de um nexo de causalidade entre a omissão de instruções e o evento danoso, uma vez provado que o autor estava convencido de que era seguro trabalhar sobre a plataforma, e que foi por isso, e não por ignorância dos procedimentos e cuidados a observar, que o sinistro ocorreu: o que quer dizer que, com ou sem instruções, o sinistro sempre teria ocorrido.
VI - Não é possível, em juízo de prognose póstuma, afirmar-se que o acidente não teria ocorrido se pela empregadora, antes do início dos trabalhos houvessem sido dadas ao sinistrado instruções relativamente aos cuidados a observar para evitar os riscos de queda, se se demonstrou que ela aconteceu devido ao facto de alguém ter retirado os prumos de sustentação da plataforma e não os ter recolocado, facto esse desconhecido do autor, como dos demais trabalhadores, nada permitindo ligar directamente a ausência de instruções ao facto de o autor se ter instalado na plataforma sem ter averiguado das suas condições de segurança VII -O ónus da prova da violação de regras de segurança, imputada ao empregador -bem como do nexo de causalidade entre a inobservância de tais regras e o acidente -, incumbe à ré seguradora que a invoca.
         Recurso n.º 320/09 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
 
I -A arguição de nulidade de acórdão do Tribunal da Relação deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de a arguição se considerar extemporânea e dela não se conhecer.
II - Tendo o tribunal recorrido apreciado, expressa e discriminadamente, os pontos da decisão do tribunal de l.ª instância sobre a matéria de facto, que concretamente foram impugnados, e não tendo sido invocado que, naquela apreciação, o tribunal recorrido tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, não cabe nos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
III - Cabia à autora alegar e provar não só a inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança no trabalho, mas também a existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente.
IV - Provando-se que a explosão que vitimou o sinistrado foi provocada pelo facto deste ter decidido, por sua iniciativa, abrir a porta do silo, não obstante ter sido alertado por outros trabalhadores para que o não fizesse e, após a abertura da porta, ter dado ordens a outro trabalhador para perfurar a extensa camada de pó existente no interior do silo, através de sucessivos jactos de água, o que determinou a entrada de oxigénio, que se misturou com os produtos inflamáveis existentes no interior do silo, originando aquela explosão, não se pode estabelecer nexo de causalidade entre a apurada inobservância das regras sobre segurança no trabalho e a produção do acidente.
V - Não se tendo provado o sobredito nexo causal, ónus que cabia à recorrente (artigo 342.°, n.º 1, do Código Civil), não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização do empregador, nos termos previsto no artigo 18.°, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
         Recurso n.º 4022/08 -4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator) Vasques Dinis Bravo Serra
 
I -A alegada utilização, pelo trabalhador e perante terceiro, de documento emitido pelo empregador, não se trata de um acto jurídico (declaração) dirigido à ré ou a quem a represente, donde, mesmo a admitir-se que consubstancia uma confissão extrajudicial, porque é efectuada perante terceiro, não tem força probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.
II - Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que o autor, na execução da sua actividade, estava sujeito à autoridade e direcção da ré, verificando-se uma relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pela empregadora, impõe-se concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.
III - Não obstante a ré ter prescindido do trabalho do autor, a partir de 3 de Outubro de 2003, o contrato celebrado entre as partes manteve-se em vigor até 2 de Dezembro seguinte, pelo que não se mostram prescritos os créditos invocados pelo autor ante a alegação da existência de um contrato de trabalho entre as partes, sendo que a circunstância de a ré caracterizar o contrato celebrado como contrato de avença não tem qualquer relevo para efeitos da contagem do prazo prescricional previsto no artigo 381.º do Código do Trabalho.
IV - Não resultando da matéria de facto provada que o autor tivesse contribuído, de qualquer modo, para a celebração do específico contrato de avença assinado pelas partes ou que pretendesse beneficiar «das vantagens inerentes de um contrato de avença, quer em termos remuneratórios, quer em termos de liberdade de actuação», ou que tivesse provocado a demonstrada contradição entre o inicialmente acordado e o realmente executado, para vir depois invocar a aquisição do direito à qualidade de trabalhador permanente da recorrente, não se pode concluir pela existência do abuso do direito invocado.
V - A relação contratual estabelecida entre o autor e a empregadora, que as instâncias qualificaram como contrato de trabalho, está ferida de nulidade, porque ajustada fora das situações legalmente previstas, em violação dos artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, normas de inquestionável natureza imperativa.
VI - No regime específico da invalidade do contrato de trabalho, a declaração de nulidade não tem efeito retroactivo, se o contrato foi executado, nem determina a emergência da obrigação de restituição recíproca do recebido, apenas operando para o futuro.
VII - Aplica-se à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, verificada antes da declaração oficiosa da sua nulidade, o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.
         Recurso n.º 2566/08 -4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator)* Vasques Dinis Bravo Serra
 
I -Reconduzindo-se a incompetência absoluta arguida à violação das regras de competência em razão da matéria, concretamente o artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e sendo os tribunais do trabalho, tal como os tribunais cíveis, tribunais judiciais, embora de competência especializada (artigo 78.º da Lei n.º 3/99), não tendo sido arguida ou suscitada oficiosamente a incompetência material do tribunal do trabalho até ao despacho saneador, ficou precludida a possibilidade de a mesma ser arguida em momento posterior, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela reforma de 1995-1996.
II - Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça extrair ilações da matéria de facto assente, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, como bem resulta do artigo 26.º da Lei n.º 3/99 e do n.º 2 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com os artigos 721.º, n.º 2, e 729.º do Código de Processo Civil.
III - Não tendo o tribunal recorrido recusado reapreciar os elementos probatórios em que assentou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto impugnada, nem sendo alegado que, na reapreciação efectivada, se tenha ofendido disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, não cabe nos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
IV - Integra justa causa de despedimento, o comportamento de um trabalhador que, na presença de outros trabalhadores e de clientes, não só injuria a gerente, chamando-lhe «trapaceira e impostora», como também a ameaça, afirmando «ter na sua posse documentos comprometedores em relação à empresa e à gerente» e que «ela vai é falar no tribunal», lesando, assim, a imagem da ré perante os clientes que presenciaram o comportamento por ele assumido.
V - Neste contexto, verifica-se a justa causa invocada pela empregadora para o despedimento do trabalhador, porquanto este violou, culposamente, o dever de respeitar e tratar com urbanidade a gerente da entidade empregadora e o dever de guardar lealdade àquela mesma entidade, previstos no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a) e d), da LCT, sendo que esse comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, tornou, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
         Recurso n.º 2463/08 -4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator)* Vasques Dinis Bravo Serra
 
I -A aceitação tácita da decisão, a que a lei associa a vontade de não impugnar esta, pressupõe a prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (art. 681.º, n.º 3 do CPC).
II - Se a decisão contiver segmentos distintos, pode a parte circunscrever a aceitação a algum ou alguns desses segmentos.
III - Sustentando a seguradora na acção que nunca fora aprazado com o empregador qualquer vínculo de onde adviesse a sua eventual responsabilidade pela reparação do acidente, e vindo a sentença a afirmar que as rés haviam celebrado entre si um válido contrato de seguro, a seguradora ficou vencida na 1.ª instância, assistindo-lhe legitimidade para impugnar a sentença.
IV - Se, antes de interpor recurso, a seguradora resolveu emitir o aviso para pagamento do prémio sem fazer qualquer reserva, não dando a menor notícia de que esse procedimento em nada beliscava o seu propósito de impugnar a decisão em todos os seus diversos segmentos, esta postura traduz uma óbvia aceitação da sentença na parte em que se pronunciou sobre as condições de validade do contrato e sobre a metodologia a seguir para o pagamento do prémio, enquanto pressuposto da sua eficácia.
V - Não estando demonstrado que o aviso de pagamento não tenha sido emitido pelos serviços da empresa com aptidão funcional para o efeito, o acto vincula a seguradora (art.s 800.º, n.º 1 e 165.º do CC).
VI - O ónus da prova dos factos susceptíveis de agravar a responsabilidade do empregador cabe a quem dela tirar proveito, seja a instituição seguradora que pretende ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, sejam os beneficiários do direito reparatório.
VI - A lei dá prevalência às medidas de protecção colectiva contra quedas em altura, conferindo às medidas individuais natureza subsidiária e complementar, o que bem se compreende visto que as medidas colectivas são mais fiáveis (estão a cargo de uma única entidade, o empregador) enquanto as medidas individuais pressupõem a actuação colaborante de cada trabalhador.
VII - É de considerar que o empregador omitiu a implementação das regras de segurança que se impunham, violando o disposto nos art.s 272.º, 275.º e 278.º do Código do Trabalho de 2003, 11.º da Portaria n.º 101/96, 3.º e 4.º do DL n.º 348/93, no seguinte circunstancialismo: o sinistrado, cuja função habitual era a reparação de veículos, caiu de uma estante onde se encontrava material necessário ao exercício da sua actividade e onde se deslocava com alguma frequência, situada a cerca de 4 metros do solo; embora o piso das plataformas das estantes onde os trabalhadores se deslocavam para retirar ou depositar objectos seja anti-derrapante, possuisse 2,5 metros de largura e fosse protegido por barras metálicas a cerca de 90 cm de altura, quando efectivamente se procedia à colocação e recolha dos objectos, designadamente os de maiores porte e peso, os trabalhadores retiravam as barras metálicas, como fez o sinistrado, de forma a agilizar o armazenamento e posterior recolha dos produtos, ficando a plataforma completamente desprotegida (nessas ocasiões em que a protecção era mais premente); o empregador conhecia as condições em que os seus trabalhadores diariamente operavam, conhecendo, portanto, o hábito de retirar as barras metálicas nas sobreditas ocasiões, e não substituía esse meio de protecção colectiva por outro de idêntica natureza ou de protecção individual; o empregador nunca deu qualquer formação aos seus trabalhadores para as concretas tarefas de recolha e colocação dos objectos nas prateleiras, nem os alertou para os riscos inerentes.
VIII - Todavia, não se verifica nexo de causalidade entre essa violação e a queda, não se verificando, consequentemente, os pressupostos da responsabilização do empregador, previstos no n.º 1 do art. 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, provando-se, apenas, que o sinistrado se desequilibrou e caiu de uma altura de cerca de 4 metros, desde a prateleira até ao solo, quando aguardava, imóvel e de pé, a chegada do empilhador, ignorando-se a razão dessa queda.
         Recurso n.º 4119/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -Sob pena de rejeição do recurso, ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente tem de: -especificar, isto é, individualizar, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que significa que não se pode limitar a pedir pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância; -indicar, relativamente a cada um desses pontos de facto, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que, em sua opinião, impunham uma decisão diferente, o que significa que não pode limitar-se a remeter abstractamente para todos os meios probatórios; -indicar, quando os meios probatórios por ele invocados tenham sido gravados, o suporte físico onde se encontra gravado cada um dos depoimentos em que fundamenta a impugnação, e a localizar, por referência aos elementos contidos na acta da diligência em que os mesmos foram produzidos, o início e o termo de cada um deles.
II - A lei processual não prevê o convite para aperfeiçoar o corpo das alegações e, face ao disposto no n.º 4 do art.º 690.º, deve entender-se que tal convite não é admissível, por tal preceito, atenta a sua natureza especial, afastar, nesta matéria, o princípio geral da cooperação previsto no art.º 266.º do CPC.
III - Como resulta do disposto no n.º 2 do art.º 528.º, conjugado com o estipulado no n.º 2 do art.º 519.º do CPC, a simples recusa da parte em apresentar os documentos que judicialmente foi notificada para juntar não acarreta, só por si, a inversão do ónus da prova.
IV - A hipótese da inversão do ónus da prova nem sequer se coloca se a parte não foi notificada para juntar os documentos.
V - O disposto no art.º 17.º, alínea j), conjugado com o estabelecido no art.º 33.º, n.º 2, dos Estatutos da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, que atribui ao conselho directivo desta competência para julgar as infracções disciplinares imputadas ao pessoal administrativo, financeiro e auxiliar que aí presta serviço, deve ser interpretado restritivamente, de modo a excluir dessa competência, pelo menos, as infracções disciplinares que importem o despedimento dos trabalhadores, cabendo essa competência à Direcção da Universidade Portucalense Infante D. Henrique – Cooperativa de Ensino Superior, CRL, a quem aquele estabelecimento de ensino pertence.
VI - A não junção ao processo disciplinar, requerida pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, de elementos e documentos que já se encontram na posse da entidade empregadora não constitui violação do direito de defesa do trabalhador nem acarreta a nulidade do processo disciplinar.
VII - Constitui um caso de infracção continuada a conduta da trabalhadora que, valendo-se do circunstancialismo em que exercia as suas funções (chefe de secretaria) e utilizando sempre o mesmo processo, se apropriou em diversas ocasiões das importâncias que recebia dos alunos da Universidade para pagamento dos serviços que por eles eram solicitados.
VIII - Na infracção continuada a prescrição só começa a correr na data da prática do último acto integrador da infracção e tal prazo interrompe-se com a notificação da nota de culpa ou com a instauração do processo prévio de inquérito quando a sua realização se mostre necessária.
IX - As apropriações referidas no ponto VII constituem justa causa de despedimento.
X - À luz do Decreto-Lei n.º 421/83, de 1 de Dezembro, o trabalhador que reclamava o pagamento de trabalho suplementar não tinha que provar que a realização desse trabalho tinha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora; bastava-lhe alegar e provar que prestou efectivamente trabalho fora do seu horário de trabalho e que esse trabalho tinha sido realizado com o conhecimento e sem a oposição do empregador.
XI - O facto de se ter provado que os registos de entrada e saída da autora das instalações da entidade empregadora, por ela realizados, iam para além do seu horário de trabalho, não permite concluir que a sua permanência na empresa fora do seu horário de trabalho tivesse correspondido à prestação efectiva de trabalho suplementar.
         Recurso n.º 3369/08 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
 
I – A responsabilidade civil contratual resulta do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional. II – Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual assenta na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos. III – Em qualquer dos casos, são os mesmos os pressupostos do dever de indemnizar: violação de um direito ou interesse alheio, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. IV – Integra-se no âmbito da responsabilidade contratual a pretensão da autora/trabalhadora em ser indemnizada pelos danos decorrentes da conduta ilícita da ré, que, desrespeitando as regras previstas no acordo de Empresa (AE) aplicável, a não transferiu de uma Estação de Correios (EC) para outra. V – O nosso sistema jurídico consagra no artigo 563.º do Código Civil uma vertente ampla da causalidade adequada, ao não exigir a exclusividade do facto condicionante do dano: assim, poderá configurar-se a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não daquele facto condicionante, assim como se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que, por sua vez, suscite directamente o dano. VI – Diversamente, o facto condicionante não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal. VII – A Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica e pode sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância no que respeita a saber se elas alteram ou não a factualidade apurada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada. VIII – Ao STJ cabe apenas indagar se é, ou não, admissível a utilização das referidas presunções, face ao estatuído no artigo 351.º do Código Civil; e se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal teve como não provado, o STJ pode intervir correctivamente nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, bastando-se a correcção com a simples eliminação da ilação extraída.IX – Tendo sido extraída pela Relação, como decorrência lógica da matéria de facto, a ilação de que, se a autora tivesse sido transferida, para a EC por ela pretendida e a que tinha direito, tomaria as refeições em casa e que com a não transferência a autora teve acréscimo de custos (com os transportes e refeições), face ao disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tais acréscimos de custos configuram danos patrimoniais sofridos pela autora decorrentes de um facto ilícito e culposo da ré (não transferência da autora para a referida EC) que justificam a ressarcibilidade por parte desta. X – No circunstancialismo descrito, justifica-se uma indemnização à autora no montante de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, por se demonstrar que a sua não transferência para a EC em causa, que se prolongou durante cerca de cinco anos e sem que lhe fosse dada qualquer explicação para o facto, lhe causou desgosto e humilhação, constando-se, ainda que a ré é uma empresa de dimensão nacional, que tem o exclusivo da distribuição postal.
         Recurso n.º 4117/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
 
I -Cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do n.º 2 do art. 722.º do Código de Processo Civil, o de verificar se, ao dar por demonstrado que determinados documentos denominados “certificados” foram feitos chegar à ré pelo autor “em datas não concretamente apuradas”, o tribunal recorrido não atendeu à confissão do autor quanto às datas em que os referidos documentos teriam sido recebidos pela ré -por não ter este impugnado na resposta à contestação o alegado pela ré quanto às indicadas datas e por ter reconhecido que posteriormente a ela enviou outros “certificados” -, pois o que com isso se quer significar é que aquele segmento fáctico foi apurado com inobservância da força de um determinado meio de prova.
II - Da circunstância de o autor, na resposta, não ter impugnado os “certificados” juntos pela ré com a contestação ou referido serem inverídicas as datas dos carimbos da sua entrada nos serviços da ré, não pode afirmar-se a confissão do autor quanto à data da recepção pela ré daqueles documentos em determinada data, se a ré não retirara, em sede de contestação, qualquer argumento concreto daquela junção e dos carimbos apostos em alguns deles.
III - Não é sustentável defender-se que a ré, em determinada data, tinha para si que se deparava um caso de forte perturbação do programa contratual que outorgara com o autor, impossibilitador da continuação do vínculo obrigacional que entre ambos fora firmado, se nessa data a mesma ré envia ao autor uma carta em que lhe pede para se apresentar ao trabalho.
IV - Os casos redutíveis a um exercício abusivo do direito por supressio, impõem que, patente ou ostensivamente, se crie, no obrigado, a convicção de que a prestação já não virá a ser exigida, sob pena de a posterior exigência representar para ele um incomportável sacrifício.
V - Esse incomportável sacrifício resulta, não na mais acentuada difficultas praestandi pelo passar do tempo, mas sim numa consciência que se assumiu de que a prestação não mais viria a ser pedida.
VI - A demora na realização da prestação, com acrescidos custos para tanto, não pode, por si só, demandar o apelo à figura do abuso do direito se não vier, ou não puder, ser alcançado que a actuação do credor foi de tal sorte que, num prisma objectivo, havia de criar no devedor a consciência convicta do não exercício do direito.
VII - Não integra abuso do direito a conduta do treinador desportivo que exercita o direito conferido por um “aditamento” ao contrato de trabalho desportivo em que a sua entidade empregadora se comprometeu a realizar um jogo de despedida em homenagem ao treinador, revertendo a favor do mesmo a respectiva receita líquida e a favor daquela as receitas da transmissão televisiva até ao limite de Esc. 15.000.000$00, sendo que o excedente, a havê-lo, reverteria em favor do treinador, ainda que este tenha já recebido a quantia de Esc. 30.000.000$00 também acordada naquele aditamento, e apenas quatro anos depois venha exigir o cumprimento da obrigação consistente naquela realização, uma vez que ficou provado pretenderem as partes com o referido “aditamento”, por um lado, proporcionar ao autor o recebimento de uma quantia em dinheiro que compensasse a diminuição da sua retribuição mensal e, por outro, homenagear o autor.
VIII - Perante esta dualidade de intenções que presidiu ao estabelecimento do clausulado, e uma vez que a realização do jogo não pode ser desligada daquele intuito de natureza não patrimonial -o de ele vir a representar um preito de homenagem que se quis dirigir ao autor -, não se pode considerar que a recepção pelo autor do valor de Esc. 30.000.000$00 logo no ano subsequente à subscrição do negócio, tenha levado a ré a ficar convicta de que a outra parte se conformaria com a não realização do “jogo de homenagem”e que, por isso, não mais exigiria o cumprimento da obrigação . IX – Não implica igualmente o exercício abusivo, por parte do autor, do direito de exigir a efectivação do jogo, a alegada circunstância de o decorrer do tempo (os referidos quatro anos depois de firmado o “aditamento” ao contrato) implicar um acréscimo dos custos de realização e perdas de receitas da transmissão televisiva, se, por um lado, a ré compara as receitas da transmissão televisiva de um jogo deste tipo com as de jogos de eliminatórias da Taça de Portugal entre equipas da Primeira Liga e jogos das ligas profissionais de futebol de outros países, nada demonstrando quanto a jogos com as mesmas características, no confronto entre aquelas épocas, e se, por outro, nos termos do “aditamento” somente revertiam a favor do autor as receitas líquidas do jogo, não provando a ré que os agravados custos derivados da realização do jogo quatro anos depois seriam sempre superiores às receitas.
         Recurso n.º 620/09 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
 
I -Tem entendido o STJ, pelo menos maioritariamente, em jurisprudência firmada desde longa data, que para efeitos de verificação da chamada dupla conforme, é confirmativo o acórdão da Relação que corrobora a condenação da 1.ª instância, embora alterando a pena aplicada por redução do seu quantum. Isso acontece em situações em que a qualificação jurídica dos factos se mantém, mas a pena, por aplicação dos respectivos critérios de determinação concreta, é menor. Chama-se a essa operação 'confirmação in mellius'. Em consequência dessa confirmação, se a pena aplicável ao respectivo crime não fosse superior a 8 anos de prisão (redacção anterior da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP) ou a pena aplicada não exceder 8 anos de prisão (redacção actual, proveniente das alterações introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08), não era, naquela redacção, e não é, na redacção vigente, admissível recurso para o STJ.
II - Não existe confirmação da decisão ou dupla conforme se, na 1.ª instância, o recorrente foi condenado por um crime de roubo agravado de que resultou a morte da vítima (art. 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.°, n.ºs 2, al. a), e 3, do CP) e, na Relação, foi condenado por um crime de roubo agravado, mas sem a especial agravante da morte da vítima, ou seja, sem ocorrência da situação prevista no n.º 3 do art. 210.° do CP. Uma alteração de tomo, implicando a substancial redução da moldura penal aplicável: para o primeiro caso, 8 a 16 anos de prisão e, para o segundo, 3 a 15 anos de prisão. Só isso explica a tão grande disparidade das penas aplicadas ao recorrente na 1.ª instância e na Relação. Com efeito, a Relação passou de 13 anos e 6 meses de prisão para a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, que foi a pena aplicada ao recorrente na 2.ª instância.
III - No caso sub judice, sendo embora a pena aplicada inferior a 8 anos de prisão – 6 anos e 6 meses – e tendo-se confirmado a condenação, a verdade é que não se pode falar de confirmação da decisão da 1.ª instância. Na verdade, o recorrente continuou a ser condenado por um crime de roubo agravado, mas com substancial alteração da qualificação. Não existe a substancial identidade entre as decisões da 1.ª instância e da Relação, considerando-se esta última confirmativa da primeira, como o exige a al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, pelo que o recurso é admissível, por não se verificar o princípio da dupla conforme.
IV - A determinação da pena concreta obedece a parâmetros rigorosos, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa, tudo nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 71.º do CP.
V - Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1, do CP).
VI - Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singela personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.
VII - A medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
VIII - Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta «determinar em último termo a medida da pena», evitando, «em toda a extensão possível (…) a quebra da inserção social do agente» e dando azo à «sua integração na sociedade» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 231).
IX - Os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.
X - Considerando a moldura penal correspondente ao crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência à al. a) do n.º 2 do art. 204.º, do CP – 3 a 15 anos de prisão – e tendo em conta que: -o facto praticado pelo recorrente reveste acentuada gravidade do ponto de vista da lesão do bem jurídico violado, tendo actuado sob a égide de um plano prévio, concertado entre ele e os demais arguidos, todos tendo participado na execução do crime, em colaboração uns com os outros e em conjugação de esforços, sendo, por isso, de salientar o grau de desvalor da acção e também o de resultado, em que releva, quanto ao primeiro, o ardil concebido pelos arguidos para levarem a vítima a confiarem na proposta por eles engendrada, embora com fim ilícito, e quanto ao segundo, as consequências a que deu lugar a prática do crime, se bem que não seja de valorar aqui, autonomamente, a elevada quantia de que se apropriaram, dado fazer parte do tipo de crime, nem a morte da vítima, que não pode ser imputada ao recorrente; -no capítulo da culpa, não é a mesma de qualificar como diminuta, mas como acentuada, tendo revestido a modalidade de dolo directo, em que ressalta a intensidade desse dolo, pela forma planeada como foi levado a cabo o facto típico; -releva ainda a aparente indiferença com que todos, incluindo o arguido, se comportaram após o cometimento do crime, sendo certo que deixaram para trás uma vítima mortal, embora a morte não seja imputável ao recorrente; o que é certo é que essa morte é um facto incontornável que parece ter pesado pouco na consciência dos arguidos (o directamente responsável por ela, em primeiro lugar, mas também os restantes); -como factores negativos, são ainda de levar em conta as condenações sofridas pelo arguido, se bem que em domínios que não têm similitude com o crime dos autos, nem a mesma natureza de violência contra as pessoas, o facto de ter sido declarado contumaz em 6 processos, onde lhe são imputados crimes de condução sem carta e ofensa à integridade física grave, bem como um processo pendente por crime de desobediência; -os factos foram cometidos há muito tempo [no ano 2000] e o recorrente não esteve preso preventivamente, mas tais circunstâncias não podem fazer esbater, para além de certos limites, as necessidades de prevenção geral, que são muito elevadas neste tipo de crime, sob pena de se fazerem gorar as expectativas comunitárias na validação e reafirmação do ordenamento jurídico em geral e da norma violada, em particular; -por outro lado, também as necessidades de prevenção especial têm aqui algum relevo, não só por todo o comportamento relacionado com a prática do crime, mas também por outros factos, já julgados ou pendentes, que indiciam a necessidade de reinserção social; a pena aplicada – 6 anos e 6 meses de prisão – mostra-se bastante benévola, o que deve levar-se à conta de terem relevado acentuadamente alguns dos factores indicados pelo recorrente, nomeadamente o tempo decorrido e outras circunstâncias relacionadas com a vida sócio-familiar do recorrente.
         Proc. n.º 726/00.9SPLSB.S1 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor * Sumário elaborado pelo relator ** Sumário revisto pelo relator
 
I -À data da publicação da decisão de 1.ª instância – que condenou o arguido, como autor material de um crime de actos homossexuais com adolescentes p. e p. pelo art. 175.º do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com a imposição de regras de conduta, bem como a pagar ao demandante o montante de € 15 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor para os juros civis, a contar do trânsito em julgado da sentença –, encontrava-se em vigor o CPP na redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, que, no art. 400.°, n.° 2, previa: 'Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.°, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada'. E vigorava também o Assento n.° 1/2002, nos termos do qual, 'No regime do Código de Processo Penal vigente – n.º 2 do artigo 400.°, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal'.
II - Contudo, antes de proferida pela Relação a decisão ora recorrida – a qual, por acórdão de 27-01-2009, tendo considerado que, em consequência da revisão do CP operada pela Lei 59/2007, de 04-09, foram descriminalizados os actos homossexuais com adolescentes praticados anteriormente sem se configurar situação de abuso de inexperiência do menor, decidiu revogar a sentença recorrida na parte crime, mantendo-a quando ao mais –, foi alterada a redacção do art. 400.° do CPP, que apresenta agora um n.° 3, nos termos do qual 'mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil'. Por via da actual redacção, mesmo nos casos em que a decisão penal não possa ser objecto de recurso, é possível recorrer quanto à matéria cível se se verificarem os pressupostos respeitantes à alçada.
III - O STJ tem considerado, embora de forma não unânime, que, estando em causa exclusivamente o recurso da parte cível, interposto pelo demandado civil, e tendo a decisão recorrida sido proferida já na vigência das alterações levadas a efeito pela Lei 48/2007, de 29-08, deve julgar-se admissível o recurso, atendendo ao princípio tempus regit actum que o art. 5.º do CPP consagrou no seu n.º 1, porque não há obviamente lugar a qualquer das excepções previstas no n.º 2 do artigo: está-se perante uma lei nova que faculta um recurso, negado pela lei anterior, o que só pode redundar em benefício, e não em agravamento, da posição processual do arguido, ou então lhe é indiferente.
         Proc. n.º 1484/04.3TABRR.S1 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Soares Ramos
 
I -Em processo penal, a detenção, por contraposição à prisão, corresponde a qualquer privação total, precária e condicional da liberdade, que não resulta, em princípio, de decisão judicial e que se situa entre os momentos da captura e do despacho judicial sobre a sua apreciação e validação.
II - A par da detenção com o âmbito que lhe é atribuído pelo processo penal, a CRP, na al. c) do n.º 3 do art. 27.º, prevê, como excepção ao princípio do direito à liberdade, “a prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão”.
III - Com a providência de habeas corpus, a Constituição pretende garantir que haja lugar a uma apreciação judicial nos casos de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.
IV - Não há que procurar eventuais diferenças de regime para justificar a não aplicação pelo STJ da providência de habeas corpus à situação de detenção para expulsão de cidadão estrangeiro, devendo considerar-se que qualquer restrição à liberdade individual que dimane duma autoridade pública é fundamento bastante para a providência de habeas corpus.
V - Ocorrendo a detenção de cidadão estrangeiro com vista à execução de decisão administrativa de expulsão e encontrando-se a restrição de liberdade coberta por uma decisão judicial que determinou a manutenção do requerente em centro de instalação temporária pelo tempo estritamente necessário, a providência que ao caso convém será o habeas corpus dirigido ao STJ.
         Proc. n.º 1487/09.1TBFAR.S1 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Soares Ramos (“voto a decisão”) Carmona da Mota (Presidente da Secção , com declaração de voto no sentido de que “(…) entendo que o ora requerente, não se
 
I -Conforme tem sido decidido, de forma pacífica, por este Tribunal, os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e têm de ser de tal modo evidentes que uma pessoa de mediana compreensão os possa descortinar.
II - O vício a que se refere a al. c) do n.º 2 do art. 410.°, do CPP, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
III - O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão, salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena, não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
IV - O erro notório implica um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidente a partir da simples leitura da decisão, sem necessidade de qualquer esforço mental; as provas revelam claramente um sentido decisório e a decisão recorrida firmou uma conclusão à margem da lógica, concluindo matéria de facto essencial ou afastando-a, de modo absolutamente inaceitável – Ac. do STJ de 12-01-05, Proc. n.º 3281/04 -3.ª.
V - Os vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões essas que se prefiguram e pertencem ao âmbito da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.° do CPP.
VI - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VII - Acto sexual de relevo será aquele que, objectivamente relacionado com a sexualidade, assuma gravidade, intensidade objectiva, e concretize intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da autodeterminação sexual, sendo perante o caso concreto que esse relevo terá de recortar-se, como se afirma no Ac. do STJ de 25-09-08.
VIII - Assim, a relevância do acto sexual não pode abstrair das realidades sociais, das concepções sociais reinantes, da própria evolução dos costumes, só autorizando a concluir que o é quando ofenda o normal sentimento de pudor da vítima, se e na medida em que é sustentada naquelas envolventes e tem que comportar um peso de censura, extraído do sentimento comunitariamente reinante, por ser havido como grave e relevante; se a censura for epidérmica e não bulir com sentimentos de feição dominante não atingirá patamar de reprovação penal, possa embora atingir outros de menor dignidade, designadamente o da desadequação social, com a inerente reprovação de parte da comunidade.
IX - Afastada, em sede factual, a intenção libidinosa, e não se tendo logrado concretizar o tipo de beijos trocados entre arguido e ofendida e as zonas acariciadas, apesar de sobre tal matéria ter sido produzida prova em audiência de julgamento, impossível se mostra concluir, com alguma segurança, pela conotação sexual desses actos, nem sendo sequer de colocar a questão de os mesmos terem relevo tal, que justifique a intervenção do direito penal, não podendo deixar de se concluir pela absolvição do arguido.
         Proc. n.º 4262/06 -3.ª Secção Soreto de Barros (relator) Armindo Monteiro 5.ª Secção
 
I -A consagração na Lei Fundamental do dever de fundamentação das decisões judiciais veio a verificar-se com a 1.ª revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 3009, prescrevendo então o n.º 1 do art. 210.° que, “as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”, redacção que se manteve no n.º 1 do art. 208.º na revisão da Lei Constitucional n.º 1/89, de 08-07, bem como na revisão da Lei Constitucional, n.º 1/92, de 25-11. E isto mesmo que tal confirmação seja só parcial (neste sentido, Acs. do STJ de 03-11-2004, CJSTJ, XII, tomo 3, pág. 221, de 23-04-2008, Proc. n.º 810/08 -3.ª, e de 29-10-2008, Proc. n.º 2881/08 -3.ª).
II - Com a 4.ª revisão constitucional – Lei Constitucional n.º 1/97, DR, I-A, n.º 218/97, de 2009-1997, entrada em vigor em 05-10-1997, passou a ter consagração expressa a garantia do recurso, com o aditamento final do n.º 1 do art. 32.º, “o processo criminal assegura todas as garantias de recurso”, passando então a dispor o n.º 1, do art. 205.º, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
III - Se, na fundamentação da matéria de facto constante do acórdão de 1.ª instância, que foi acolhido no acórdão recorrido, foram indicadas as provas produzidas e descrito o seu exame crítico, por forma a explicar o porquê de serem ou não atendidas, permitindo compreender o percurso lógico-racional seguido pelo tribunal, de modo a poder afirmar-se que a condenação procede de uma apreciação correcta das provas, apresentando-se como uma peça coerente, fundada, convincente e à margem do arbítrio, não enfermando de contradições ou lacunas de pensamento, não violadora das regras de experiência e do bom senso, capaz de se impor, quer aos sujeitos processuais quer à comunidade mais vasta dos cidadãos, seus destinatários, mostra-se cumprida, de forma completa e compreensível, a injunção legal de fundamentação preconizada no n.º 2 do art. 374.° do CPP, não ocorrendo a invocada nulidade da decisão, nos termos do art. 379.°, n.º 1, al. a), do CPP.
IV - As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
V - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena.
VI - Considerando que o arguido A tinha na sua posse, aquando da detenção, 329 123 g de heroína, 135 226 g de cocaína, 955 pastilhas de extasy e 2,45 g de haxixe, produtos que destinava a venda, actividade a que se dedicou durante 3 meses, com obtenção dos respectivos proveitos, mas também que, à data dos factos era consumidor de cocaína, contava com 34 anos de idade e actualmente é pai de um menor que nasceu em 2008 e mantém-se primário, afigura-se adequada, equilibrada, necessária e não excessiva, a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
VII - Considerando também que o arguido B foi surpreendido tendo na sua posse 23 panfletos de cocaína com o peso líquido de 38 502 g, 929 comprimidos de ecstasy e 8 placas de haxixe com 1189,9 g, que já sofreu condenação por duas vezes, em pena de multa e à data dos factos era consumidor de estupefacientes, mostra-se ajustada a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
         Proc. n.º 5/05.5PBOLH.S1 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis
 
I -Ocasode concurso por conhecimento superveniente tem lugar quando, posteriormente à condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente àquela, praticou outro ou outros crimes. Nestas situações são aplicáveis as regras dos arts. 77.º, n.º 2, e 78.º, n.º 1, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
II - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP (introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09), com a supressão do trecho «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta», veio, diversamente do que ocorria antes, prescrever que o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso não exclui, antes passou a abranger, as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, procedendo-se ao desconto da pena já cumprida (neste sentido se pronunciava alguma jurisprudência, como, por exemplo, os Acs. do STJ de 2405-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204 e de 30-05-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211; em sentido oposto, os Acs. de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248; de 24-02-2000, Proc. n.º 1202/99 -5.ª; de 09-02-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 -5.ª, de 22-06-2006, Proc. n.º 1570/06 -5.ª – este com um voto de vencido –, e de 15-11-2006, Proc. n.º 1795/06 -3.ª).
III - Na realização do cúmulo há que ter em conta os crimes que se encontram em concurso, real ou efectivo, para o que há que atender aos critérios legais, definidos nos arts. 77.º e 78.º do CP, este na versão vigente desde 15-09-2007, bem como à orientação jurisprudencial nesta matéria, que, no que respeita ao STJ, é uniforme, sedimentada e consolidada, não se podendo ficar (não devendo o arguido condenado em pena de prisão efectiva ficar) à mercê das opções do tribunal da última condenação, que realiza o cúmulo.
IV - O momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação da concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.
V - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção, ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso dos cometidos após aquele limite.
VI - A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.
VII - Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.
         Proc. n.º 2890/04.9GBABF-C.S1 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis
 
I -As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração – é o que estabelece o art. 677.º do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP –, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de dez dias.
II - À contagem dos prazos para a prática de actos processuais aplicam-se as disposições da lei do processo civil – art. 104.º, n.º 1, do CPP. E, de acordo com o art. 144.º do CPC, o prazo processual, estabelecido na lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais (art. 12.º da LOFTJ), salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses, sendo que o seu termo se transfere para o primeiro dia útil seguinte no caso de terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados.
III - Por outro lado, em matéria de notificações, o n.º 2 do art. 113.º estabelece que, quando efectuadas por via postal registada, presumem-se feitas no terceiro dia útil posterior ao do envio.
IV - Tendo presentes as regras acima explicitadas, é de considerar transitado em julgado no dia 08-01-2009 o acórdão, irrecorrível (nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP), cuja notificação foi emitida no dia 11-12-2008 (quinta-feira), uma vez que esta se presume efectuada no dia 16-12-2008 e o prazo de 10 dias de que os recorrentes dispunham (mas não utilizaram) para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma ou de aclaração se suspendeu de 22-12-2008 a 03-01-2009.
V - No âmbito de recurso de fixação de jurisprudência, resultando dos autos que: -acórdão recorrido e fundamento foram exarados na mesma data, concretamente no dia 1012-2008; -o acórdão fundamento transitou em julgado no dia 19-01-2009 e o acórdão recorrido no dia 08-01-2009; é de concluir que aquele (acórdão fundamento) não só não é cronologicamente anterior ao acórdão recorrido, visto que proferido na mesma data, como transitou em julgado depois deste, o que equivale à inexistência legal de oposição de julgados – o n.º 4 do art. 437.º do CPP impõe que, como fundamento deste recurso extraordinário, só se possa invocar acórdão anterior transitado em julgado.
         Proc. n.º 107/09.9YFLSB -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa Pereira Madeira
 
Em consequência das alterações operadas à Lei 48/2007, de 29-08, o não cumprimento do ónus estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, no recurso interposto da decisão de 1.ª instância, não acarreta a sua rejeição, antes impondo o convite ao recorrente para apresentar, completar ou esclarecer as conclusões que formulou.
         Proc. n.º 135/05.3GAETR.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
Se,por decisão do TEP, transitada em julgado, foi considerado não haver lugar a nova apreciação da situação do condenado até ao termo da pena, com vista a eventual concessão de liberdade condicional, o peticionante não se encontra ilegalmente preso, designadamente por já haver cumprido as penas de prisão em que foi condenado, sendo de indeferir a petição de habeas corpus.
         Proc. n.º 441/09.8YFLSB -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -Princípio elementar e básico de direito adjectivo é o de que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – n.º 1 do art. 666.º do CPC, aqui aplicável ex vi art. 4.º do CPP.
II - Possibilita a lei, porém, a correcção oficiosa ou a requerimento da sentença, para correcta observância dos seus requisitos, desde que a correcção não incida sobre qualquer das omissões ou falhas integrantes de nulidade, com previsão no art. 379.º, bem como para rectificação de qualquer erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial – art. 380.º.
III - Daqui decorre estar vedado ao juiz alterar o decidido, suprir as nulidades da sentença (a menos que a decisão não admita recurso), bem como proceder a qualquer correcção que importe modificação essencial.
IV - Numa situação em que o tribunal a quo, após realização de audiência tendo em vista o conhecimento superveniente de concurso de crimes e depois da prolação do respectivo acórdão, no qual o arguido foi condenado na pena conjunta de 10 anos de prisão, na sequência de requerimento apresentado por aquele, solicitando a correcção do acórdão, por não consideração no cúmulo efectuado de penas aplicadas a crimes integrantes do concurso, entendeu reformular o cúmulo jurídico, com prolação de novo acórdão, nele tendo incluído duas penas não consideradas no acórdão objecto do pedido de correcção, do que resultou o agravamento da pena conjunta para 10 anos e 6 meses de prisão, dúvidas não restam de que violou o instituto da correcção da sentença e o princípio geral de direito adjectivo atrás enunciado, segundo o qual proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz.
V - Tais anomias consubstanciam um claro excesso de pronúncia, o que inquina o acórdão proferido na sequência do pedido de correcção formulado pelo arguido da nulidade prevista na parte final da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ou seja, torna-o inválido – n.º 1 do art. 122.º do mesmo diploma.
VI - Princípio de matriz constitucional em matéria de decisões judiciais é o princípio da fundamentação, consagrado no art. 205.º, n.º 1, da CRP, o qual se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – art. 97.º, n.º 5, do CPP.
VII - Tal princípio, relativamente à sentença penal, acto decisório que, a final, conhece do objecto do processo, traduz-se numa fundamentação reforçada que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender os juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantais de defesa – art. 32.º, n.º 1, da CRP.
VIII - De acordo com o n.º 2 do art. 374.º do CPP, a fundamentação da sentença faz-se através da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
IX - A decisão que visa o cúmulo jurídico de penas aplicadas em sentenças já transitadas em julgado, neste e noutros processos, ou seja, a determinação de uma pena conjunta, englobadora de penas já definitivamente aplicadas, conquanto assuma indiscutivelmente a natureza de sentença, configura uma decisão diferente da sentença tal qual esta é definida na al. a) do n.º 1 do art. 97.º e estruturada no art. 374.º, ambos do CPP.
X - Tal circunstância conduz, necessariamente, a que aquela decisão não esteja sujeita a todos os requisitos previstos no art. 374.º, que relativamente a alguns deles não seja exigível o seu preciso e rigoroso cumprimento e que, no que concerne a outros, a sua aplicação haja de ser feita com as necessárias adaptações.
XI - É o que sucede com os factos provados e não provados constantes das sentenças condenatórias aplicadoras das penas a cumular e com a indicação e exame crítico das provas em que o julgador se baseou para nesse sentido decidir, não sendo necessária a sua consignação (transcrição), como impõe o n.º 2 daquele artigo, sendo suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado, suposta, obviamente, a presença nos autos de certidões (narrativas completas) daquelas sentenças.
XII - Exigir a transcrição da enumeração daqueles factos e a transcrição da indicação e exame crítico daquelas provas, sob pena de nulidade da sentença, seria enveredar por um formalismo excessivo, desnecessário, inimigo da economia e da celeridade que o processo penal deve ter.
XIII - No entanto, atento o concreto desiderato da decisão de cúmulo de penas, bem como o critério legal norteador da determinação da pena conjunta, consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – n.º 1 do art. 77.º do CP –, após a análise destes factores, deve o julgador dar a conhecer as específicas razões que determinaram o concreto quantum da pena conjunta.
XIV - Como se consignou no Ac. deste Supremo Tribunal de 16-11-2005 (CJSTJ, XIII, tomo 3, pág. 210), a fundamentação da pena conjunta não se deve confundir com a fundamentação de cada uma das penas singulares, visto que na fixação da pena conjunta releva a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos reflecte uma personalidade propensa ao crime, ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.
XV - Não basta, pois, para correcta fundamentação da sentença o simples apelo, sem mais, à personalidade do condenado, acompanhado do uso de fórmulas tabelares, como o número, a natureza e a gravidade dos crimes, desacompanhadas dos elementos de facto efectivamente considerados na efectuação do cúmulo jurídico.
XVI - Resultando do exame do acórdão recorrido que: -na decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo não indicou as datas em que os crimes em concurso foram perpetrados, com excepção dos crimes objecto do presente processo, nem as datas do trânsito em julgado das decisões que condenaram o arguido nas penas objecto do cúmulo jurídico efectuado, tendo-se limitado à asserção genérica de que todas aquelas decisões transitaram em julgado; -nele não é feita qualquer menção sobre se, para além dos crimes em concurso, o arguido cometeu ou não outros; -a fundamentação da pena conjunta imposta circunscreveu-se a «Além disso, tem-se ainda em atenção a personalidade evidenciada pelo arguido e os factos praticados na sua globalidade, impondo-se aqui realçar que os ilícitos criminais pelos quais o arguido foi condenado foram de natureza idêntica, todos relacionados com a falsificação de documentos e com a prática de crimes de burla. Contudo, a conduta ilícita do arguido desenrolou-se num espaço de tempo de apenas cerca de um ano, não evidenciando condutas ilegais anteriores relevantes. Apreciou-se ainda a integração familiar e social do aqui arguido. A pena única há-de ser, assim, fixada tendo como máximo o cúmulo material de 25 anos e o limite mínimo de 3 anos de prisão. Tudo visto e ponderado considera-se adequada a fixação da pena única de 10 (dez) anos de prisão»; o acórdão recorrido enferma de nulidade resultante de insuficiente fundamentação – al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
         Proc. n.º 537/03.0PBVRL -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -A suspensão da execução de pena de prisão é uma pena de substituição que se assume como pena autónoma. Como refere Jescheck, a suspensão da pena constitui um meio autónomo de reacção jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis resultados.
II - Para efeitos do disposto no art. 400.º, n.º 1. al. e), do CPP, uma pena de prisão cuja execução foi suspensa é uma pena não privativa da liberdade, pelo que, do acórdão da Relação, proferido em recurso, que aquela aplicou, não é admissível recurso para o STJ.
III - Resultando provado, entre o mais, que: -«desde pelo menos o ano de 2002, era costume a I ir passar alguns fins-de-semana, bem como alguns períodos de férias, à (…) casa habitada pelos arguidos»; -«em data não concretamente apurada do ano de 2002 ou 2003, e possuindo a I 10 ou 11 anos de idade, numa das alturas em que esta foi passar ou o período de fim de semana ou de férias a casa dos arguidos, pelo menos o arguido C deslocou-se ao quarto onde a mesma dormia», «tendo começado a beijá-la na boca e a apalpar-lhe as mamas e a vagina»; -«seguidamente, e após despir a I, ficando o arguido C nu da cintura para baixo, este introduziu o seu pénis erecto na vagina da I, e teve com ela relações de sexo completo»; -«as relações sexuais descritas (…) entre o arguido C e a menor I, repetiram-se, pelo menos, por mais duas vezes, em idênticas circunstâncias, e com semelhante comportamento», ocorrendo a última delas em data não concretamente apurada da primeira metade do ano de 2006; -«no fim de pelo menos uma das relações mencionadas o arguido C avisou a I de que não deveria contar nada a ninguém, por que senão ele seria preso», «sendo que após a primeira relação sexual, o arguido prometeu à I que lhe daria um telemóvel e uma bicicleta, caso voltasse a praticar tais factos com o mesmo», vindo posteriormente a oferecer-lhe tais bens; é de concluir estarmos perante uma pluralidade de infracções (3 crimes de abuso sexual de crianças), pois inexiste qualquer circunstância que imprima a ideia de diminuição do patamar da culpa.
IV - O grau de confiança existente entre a ofendida e os arguidos (C e companheira, irmã de I) deveria reforçar o seu respeito pela situação de alguém que, para além da idade, é familiar próxima da sua mulher.
         Proc. n.º 274/07.6TAACB.C1.S1 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes
 
I -O mandado de detenção europeu, executado com base no princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena ou medida de segurança, e regulamentado na Lei 65/2003, de 23-08, em obediência à Decisão-Quadro 2002/584/JAI, de 13-06, do Conselho da União Europeia, veio substituir o processo de extradição, que se mostrou incapaz de, por forma agilizada, mercê da abertura de fronteiras e da livre circulação de pessoas, responder aos problemas de cooperação judiciária entre Estados.
II - Tendo como antecedente o programa de execução do reconhecimento mútuo de decisões penais do Conselho Europeu, reunido em Tampere, aprovado em 30-11-2000, o MDE constituiu a primeira concretização no âmbito do direito penal do princípio do reconhecimento mútuo, havido como pedra angular da cooperação judiciária: tem subjacente uma ideia de mútua confiança, sem embargo do respeito pelos direitos fundamentais e princípios de direito de validade perene e afirmação universal.
III - Assim, desde que uma decisão seja tomada por uma autoridade judiciária competente à luz do direito interno do Estado membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, o que significa que as autoridades do Estado onde a decisão deve ser executada devem causar-lhe o mínimo de embaraço.
IV - A sindicância judicial a exercer no Estado receptor é muito limitada, sem abandono, contudo, do respeito por direitos fundamentais, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional (cf. Ricardo Jorge Bragança de Matos, in RPCC, Ano XIV, n.º 3, págs. 327-328, e Anabela Miranda Rodrigues, in O Mandado de Detenção Europeu, RPCC, ano 13.º, n.º 1, págs. 32-33).
V - O MDE rege-se, para além do respeito pelos princípios da confiança, cooperação mútua e celeridade, por um critério de suficiência, ou seja, o Estado da execução não deve precisar de mais informações do que aquelas que figuram no formulário pré-estabelecido, e também por uma eficiência de teor quase automático, na medida em que só em casos taxativamente limitados se possam erguer barreiras de inexecução.
VI - Do mandado de detenção devem constar as informações enumeradas no art. 3.º da Lei 65/2003, de 23-08, além da identidade e nacionalidade da pessoa procurada, os factos penalmente relevantes, entre os quais a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada, devendo ser traduzido numa das línguas oficiais do Estado membro da execução.
VII - A enunciação dos factos é fundamental ao exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa – arts. 11.º e 12.º da referida Lei –, relevando, essencialmente, para fins de verificação de amnistia, do princípio ne bis in idem, do decurso dos prazos de prescrição, da renúncia ao princípio da especialidade, do princípio da territorialidade, etc..
VIII - A descrição dos factos no formulário deve ser tão sucinta quanto possível e consignar apenas dados indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade judiciária de execução, sendo de evitar a transcrição completa de peças processuais, neste sentido se pronunciando a Procuradoria Geral da República, GDDC, in Manual de Procedimentos Relativos à Emissão de Mandado de Detenção Europeu.
IX - Em ordem a uma maior celeridade processual, pela simplificação burocrática que importa ao esquema interestadual de cooperação, a inserção da indicação no Serviço de Informação Schengen produz os mesmos efeitos de um MDE, garantindo a supressão dos controles de fronteiras comuns (art. 95.º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen, de 19-061990), não dispensando, todavia, a ulterior emissão de mandado.
X - O princípio ne bis in idem, que o recorrente aparenta invocar, só funciona com relação a casos julgados: nessa medida, o Estado membro de execução, desde logo por razões de justiça material e respeito pela pessoa humana, sindica o direito fundamental de prestar contas uma só vez, em nome de uma culpa só uma vez afirmada, intrometendo-se nas condições da entrega, obrigatoriamente, nos termos do disposto no art. 11.º, al. b), da Lei 65/2003, de 23-08 e, de modo facultativo, do art. 12.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, por força de uma absoluta ou mitigada reserva de soberania que nesses preceitos é reconhecida.
XI - Da conjugação dos arts. 12.º, n.º 1, al. d), e 11.º, al. b), da Lei 65/2003, de 23-08, resulta que o princípio ne bis in idem, numa particular exigência de rigor, só funciona como causa de recusa de entrega quando puder concluir-se, com segurança, que o procurado foi definitivamente julgado pelos mesmos factos e em condições que impeçam o posterior exercício da acção penal, só assim se violando o caso julgado penal.
XII - A expressão «Por facto que motiva a emissão» e o termo «infracção» em uso nos arts. 11.º, al. a), e 12.º, n.º 1, al. a), da mencionada lei significam, segundo Figueiredo Dias (Direito Penal – Parte Geral, 2004, I, pág. 248), o facto complexo, formado pelo tipo de ilícito e de culpa, enquanto pressupostos categoriais sistemáticos mínimos, expressões de dignidade penal tipicizada, o que reforça a ideia de que condutas parcelares integrantes do conjunto não constituem óbice à entrega e nem traduzem uma violência à condição pessoal do recorrente.
XIII - Fora disso, um desvio a essa teleologia seria transformar o tribunal da execução do mandado em tribunal de julgamento, sobrepondo-se a este, dissociando-se da função do MDE enquanto instrumento simplificado de entrega de pessoas, de combate célere e eficaz na luta contra a criminalidade internacional, cada vez mais sofisticada e com ramificações de controle mais complexo.
XIV - O princípio ne bis in idem assenta, ainda, na necessidade de segurança jurídica, como limitação ao poder punitivo, assim como na ideia de que a cada indivíduo será aplicada a correspondente e suficiente pena (princípio da proporcionalidade), e é respeitado tanto pelo TPI, como pelos tribunais ad hoc, para os crimes cometidos no Ruanda e na ex-Jugoslávia, inscrevendo-se no conceito de respeito e protecção das liberdades individuais.
XV - E é um princípio vigente não só a nível nacional (verticalmente) mas também a nível transnacional, ou seja, horizontalmente, com tradução nos arts. 54.º a 57.º, cap. 3, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
XVI - No âmbito da EU a regulação do princípio ne bis in idem tem como antecedente, mais recuadamente, a Convenção Europeia n.º 70, de 28-05, e, recentemente, a Convenção entre os Estados, aberta à assinatura dos Estados membros, e que, por Resolução da Assembleia da República n.º 22/95, de 12-01-1995, Portugal ratificou.
XVII - Estando em causa pedidos de cumprimento concorrentes de MDE há lugar ao cumprimento do art. 23.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003, de 23-08, que dirime o conflito, podendo solicitar-se parecer ao Eurojust para a decisão a proferir.
XVIII - A circunstância de penderem dois processos em diferentes Estados membros (Espanha e Itália) não é razão para Portugal se recusar a cooperar com a justiça do Estado membro emitente, por não se tratar de res judicata o seu objecto, pela simples e evidente razão de que nos dois processos ainda não foi proferida decisão.
         Proc. n.º 1087/09.6YRLSB.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -Havendo confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em pena de prisão não superior a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre a admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08, não o permitem.
II - O STJ, através do Acórdão n.º 4/09, de 18-02-2009, fixou jurisprudência segundo a qual, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância.
III - No regime anterior poderia considerar-se que, no caso, dado que a recorribilidade se aferia pela natureza da pena aplicável a crimes e não pela pena concretamente aplicada (art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP), não seria admissível recurso porquanto não era aplicável a qualquer dos crimes por que o recorrente foi condenado a pena superior a 8 anos de prisão.
IV - A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”, inserta na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, significava, numa perspectiva jurisprudencial, que para determinar a recorribilidade seria atendível somente a pena máxima aplicável a cada crime, não relevando a pena abstractamente aplicável ao concurso, por a expressão, no referido contexto, significar que deve ser tomada em conta a pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes (Acs. do STJ de 08-01-03, Proc. n.º 4221/03; de 16-01-03, Procs. n.ºs 4198/03 e 4508/03, de 30-01-03, Proc. n.º 4639/03, de 13-02-03, Proc. n.º 4667/03, de 13-03-2003, Proc. n.º 755/03, de 03-04-03, Proc. n.º 394/03, de 09-04-03, Proc. n.º 517/03, de 22-052003, Proc. n.º 1096/30, de 12-06-03, Proc. n.º 1873/03, de 18-06-03, Proc. n.º 1218/03, de 01-10-03, Proc. n.º 2133/03, de 15-10-03, Proc. n.º 1870/03, de 29-10-03, Proc. n.º 2605/33, de 31-10-03, Proc. n.º 3297/03, de 12.11.03, Proc. n.º 2303/03, de 26-11-03, Proc. n.º 3205/03 e de 03-12-03, Proc. n.º 3862/03).
V - Em outra perspectiva, a referida expressão e a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP deveria ser entendida como significando que o recurso seria admissível no caso de prática de várias infracções, ainda que a cada uma delas não seja aplicável pena abstracta que exceda 8 anos de prisão, se a pena aplicável ao cumulo jurídico correspondente, excedesse também a pena de 8 anos (Acs. do STJ de 02-05-02, Proc. n.º 220/03, de 25-09-02, Proc. n.º 1682/02 e de 30-04-03, Proc. n.º 752/03).
VI - Nesta perspectiva, a aceitação da admissibilidade do recurso em casos de dupla conforme em concurso de crimes puníveis com pena não superior a 8 anos, limitava-se apenas ao que respeitasse à pena única do concurso, se a pena aplicável ao concurso fosse superior a 8 anos e restrito às questões relacionadas com a pena única, abstraindo de todas as restantes questões processuais relativas aos concretos crimes e à determinação das respectivas penas parcelares.
VI - Se o recorrente não refere, nas conclusões da motivação, qualquer questão relativa à pena única, mas apenas questões processuais que apenas seriam susceptíveis de afectar, se procedentes, a matéria relativa à prova e, consequentemente, à definição dos crimes parcelares que, enquanto tais, não admitiriam recurso, o recurso interposto tem, por isso que ser rejeitado, por não ser admissível, nem anterior nem posteriormente às alterações do processo penal introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08.
         Proc. n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro
 
I -O que releva para efeito da contagem dos prazos fixados no art. 30.º da Lei 65/2003, de 2308 [A detenção da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu (n.º 1); 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação (n.º 2); 150 dias se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional (n.º 3)], são as datas da prolação dos acórdãos, designadamente na Relação e no STJ, e não a do respectivo trânsito em julgado.
II - Assim, numa situação em que: -o arguido foi detido no dia 18-03-2009, na sequência de MDE emitido pelas autoridades espanholas; -o MP requereu a execução desse mandado e, apesar de o arguido ter deduzido oposição, o Tribunal da Relação, por acórdão de 21-04-2009 – logo, dentro do prazo de 60 dias referido no n.º 1 do art. 30.º da Lei 65/2003, de 23-08 –, deferiu a execução do MDE; -o arguido interpôs recurso para o STJ, que, por acórdão de 28-05-2009 – ou seja, ao 71.º dia após a detenção, por isso, também dentro do prazo (de 90 dias) a que alude o n.º 2 do mencionado preceito –, negou provimento e manteve a decisão recorrida; -o arguido pediu a aclaração do acórdão do STJ, pedido esse que foi indeferido por decisão de 18-06-2009; é de indeferir a petição de habeas corpus apresentada com o fundamento de que o arguido/requerente se encontra em prisão ilegal desde o dia 16-06-2009, por se mostrar ultrapassado o prazo de 90 dias prescrito pelo art. 30.º, n.º 2, da Lei 65/2003, de 23-08.
III - Não pode sustentar-se, pois não decorre da lei, que a decisão do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação tem de estar transitada no prazo de 90 dias contados desde a data da detenção da pessoa procurada.
IV - Por isso, o pedido de aclaração formulado pelo arguido é irrelevante para efeitos de contagem dos prazos previstos no referido art. 30.º.
         Proc. n.º 440/09.0YFLSB -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar Pereira Madeira
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