Numa situação em que: -à indiciação inicial da arguida pela prática de um crime de furto qualificado se juntou a prática de um crime de falsificação intelectual (falsidade em documento) p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. d), e 3, do CP, por ter actuado de forma que ficasse a constar do auto de detenção uma identidade falsa, além de outro crime, o de falsidade de declaração p. e p. pelo art. 359.º, n.º 1, do CP, por ter declarado, perante o juiz de instrução, um nome e uma data de nascimento falsas; -ao contrário do que sucede com o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359.º do CP, o crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. d), e 3, do mesmo diploma, é insusceptível de retractação (cf. art. 362.º); -é aplicável ao caso a al. d) do n.º 2 do art. 215.º do CPP, que prevê um prazo de prisão preventiva (até à acusação) de 6 meses, prazo que só se esgotará em 12-08-2009; -com a declaração de excepcional complexidade do processo, aquele prazo foi prorrogado para 1 ano, por força do n.º 3 do referido art. 215.º do CPP; não há fundamento para concessão de habeas corpus.
Proc. n.º 1324/08.4PPPRT-B.S1 -3.ª Secção
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
Pereira Madeira
É manifestamente infundado o pedido de revisão em que o fundamento do recurso reside na utilização, durante a investigação, de um “agente provocador”, se esse fundamento foi precisamente invocado em anterior recurso de revisão já apreciado pelo STJ, que a negou, por manifestamente infundada.
Proc. n.º 97/01.6JELSB-I.S1 -3.ª Secção
Maia Costa (relator)
Fernando Fróis
Pereira Madeira
I -Não se verifica o concurso de infracções quando a condenação por um dos crimes transitou antes de se ter praticado outro crime, importando ter em conta como ponto de partida, no caso de vários crimes e de várias condenações, qual a primeira que transitou em julgado. II - O nosso Código enveredou claramente por um sistema de pena única conjunta, recusando não só a soma aritmética das penas, como a absorção absoluta, na pena mais grave, de todas as outras, ou ainda a exasperação da pena concreta mais grave, por influência das outras, dentro da moldura abstracta do crime a que respeita essa pena mais grave – cf. art. 77.º, n.º 2, do CP. III - A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40.º do CP, em matéria de fins das penas. Ora, essa orientação base, que estabelece como fins da pena só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta. IV - Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida. V - Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível. VI - E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspectiva do ilícito global, e só na perspectiva de uma personalidade, que se revela agora pólo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto manifestada em cada um deles. VII - Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. VIII - A preocupação de proporcionalidade a que nos queremos referir resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP: é aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
Proc. n.º 334/04.5PFOER.L1.S1 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
I -O chamado cúmulo por arrastamento tem vindo a ser uniformemente rejeitado pelo STJ – cf. Acs. de 09-04-2008, Proc. n.º 1011/08 -5.ª, de 17-04-2008, Proc. n.º 681/08 -5.ª, de 1206-2008, Proc. n.º 1518/08, de 10-07-2008, Proc. n.º 2034/08, e de 10-09-2008, Proc. n.º 2500/08, estes últimos da 3.ª Secção. II - Segundo o art. 57.º, n.º 1, do CP, a pena é declarada extinta pelo decurso do prazo da suspensão, se durante o período dessa suspensão não houver motivos que levem à sua revogação. Mas, decorre do n.º 2 do preceito que a revogação não tem que acontecer necessariamente durante o período da suspensão. III - Se, depois do período de suspensão, houver processo pendente por crime que possa determinar a revogação da suspensão, a pena só é declarada extinta quando o processo findar e não houver lugar à revogação. IV - «Se a anterior condenação transitada em julgado incluir uma pena de substituição, o tribunal pode revogar a pena de substituição no concurso de crimes realizado após o conhecimento superveniente de novo crime. (…) Não se coloca pois, qualquer violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com a execução suspensa, que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na execução» – cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 246.
Proc. n.º 482/09 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
I -Na questão da concorrência de culpas entre o condutor da viatura automóvel e os peões, se se aceita que o condutor do veículo, ao divisar os peões no eixo da via, tendo um deles uma criança ao colo, “não se devia ter limitado a não acelerar, devia ter reduzido substancialmente a velocidade, travando, o que seria, só por si, suficiente para evitar o embate na ofendida …”, aqui se afirmando a culpa do condutor, também não pode deixar de se constatar, na linha do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal da Relação, que a conduta dos recorrentes, interrompendo a travessia no eixo da via, podia ter suscitado confiança no condutor de que os peões assim se manteriam até que ele passasse. II - Essa seria de facto a conduta mais prudente, como o atesta o comportamento do 1.º recorrente, face à aproximação do veículo, cuja distância, em relação ao tempo necessário para concluir a travessia, mesmo em passo acelerado, foi mal calculado pela 2.ª recorrente. III - Com efeito, esta atravessou a faixa de rodagem da esquerda para a direita, considerando o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido; no entanto, havia parado com o marido no eixo da via, depois de se terem apercebido da circulação dessa viatura, mas prosseguiu aceleradamente, depois daquela interrupção, o resto da travessia para o outro lado, com a filha ao colo, enquanto o marido permanecia no eixo da via. IV - Acabou por ser colhida, enquanto o marido, mais prudente, não sofreu nada e contribuiu, com a sua hesitação, precipitação e imprevidência, para a produção do acidente, sendo certo que, para agravar o seu comportamento, levava a filha ao colo, e que veio a falecer. V - Deste modo a repartição de culpas em 50% para cada um não peca por defeito em relação ao condutor e por maximalização em relação à 2.ª recorrente. VI - Tendo a indemnização sido fixada em € 25 000 (50% de € 50 000) para a morte de uma criança de 15 meses que, embora tivesse, pela experiência normal das coisas, muito tempo à sua frente para viver, ainda não tinha a consciência da plenitude existencial, nem a da finitude da vida e, por isso, a conexa angústia da morte e o sentimento de perda que ela ocasiona, tal quantitativo está dentro dos parâmetros considerados pela doutrina e jurisprudência.
Proc. n.º 3545/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
I -Pela República da Moldávia foi solicitado ao Estado Português, ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, a extradição do cidadão ucraniano x, para cumprimento da pena de 14 anos de prisão, pretensão a que este se opôs. II - Ordenado pelo Juiz Desembargador relator o cumprimento do disposto no art. 56.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31-08, apenas o MP alegou, após o que foi proferido acórdão a decretar a extradição. III - Uma vez que nem o extraditando, nem a sua mandatária foram notificados para apresentar alegações, veio aquele mesmo arguir a nulidade da falta de notificação na motivação de recurso para o STJ – art. 410.º, n.º 3, do CPP, aplicável subsidiariamente ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99. IV - A notificação a que se iria proceder através de fax não chegou a ser levada a efeito por erro do oficial de justiça, por o número telefónico utilizado não corresponder ao fax do escritório da advogada, mas sim a uma linha de voz do mesmo escritório. IV - Não prevê a Lei 144/99 sanção para a falta de cumprimento do art. 56.º, n.º 2; estabelecendo, porém, o art. 3.º, n.º 2, que é subsidiariamente aplicável o CPP, será neste compêndio que teremos de encontrar o regime aplicável a tal omissão, o qual, segundo o recorrente, corresponde à nulidade do art. 120.º, n.º 2, al. d), parte final, do CPP. V - Encontrando-se as nulidades taxativamente enumeradas, o que impede a aplicação analógica do preceito, pode afirmar-se que o regime da 1.ª parte do art. 120.º, n.º 2, al. d), que respeita às fases processuais de inquérito e de instrução, jamais pode ser aplicado ao procedimento de extradição, subsistindo, todavia, a questão de saber se a notificação para apresentação de alegações poderá constituir uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, prevista na 2.ª parte do preceito. VI - Atentando na teleologia do preceito, verifica-se que a apresentação das alegações escritas a que o art. 56.º, n.º 2, faz referência é o momento em que a lei atribui ao MP e ao extraditando a possibilidade de fazer a análise da prova produzida bem como de interpretar a lei aplicável. Trata-se duma fase processual essencialmente contraditória, em que primeiramente o MP e depois o extraditando apresentam uma súmula das razões de facto e de direito que subjazem às respectivas posições, concorrendo desse modo para uma melhor decisão por parte do tribunal. VII - Os princípios do contraditório e da igualdade de armas (além de outros) integram a cláusula geral do n.º 1 do art. 32.º da Constituição, segundo a qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa. VIII - “A norma do n.º 1 do artigo 32.º enquanto «cláusula geral» que permita identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no preceito, não pode deixar de configurar o processo criminal como um «due process of law» que considere ilegítimas quer normas processuais quer procedimentos decorrentes das mesmas que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido” (Ac. do TC n.º 429/95). IX - No exercício desse direito de defesa em processo de extradição, deve entender-se que assiste ao extraditando o direito de se pronunciar sobre o pedido formulado, discorrendo sobre se se verificam os fundamentos da admissibilidade da extradição ou se ocorre alguma causa de recusa, especialmente quando se opôs ao pedido e indicou prova que foi produzida, sendo momento propício para essa apreciação as alegações a que o art. 56.º, n.º 2, faz referência. X - Se não for concedida ao extraditando a oportunidade de se pronunciar – tenha sido dada, ou não, ao MP tal possibilidade – haverá uma clara e profunda transgressão ao princípio do contraditório, sendo omitida a realização duma diligência essencial para a boa decisão da causa, mesmo não sendo uma diligência probatória stricto sensu. XI - Tendo o princípio do contraditório matriz constitucional, deve fazer-se uma interpretação do art. 118.º, n.º 2, al. d), do CPP mais conforme à Constituição, de forma a incluir nas nulidades dependente de arguição a omissão de diligências de cariz contraditório que se revelem essenciais para a boa decisão da causa. XII - Por tudo isto, a omissão da notificação do advogado ou defensor do extraditando para apresentar as suas alegações, conforme impõe o art. 56.º, n.º 2, da Lei 144/99 constitui a nulidade do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, dela resultando a invalidade dos actos posteriores, ou seja da sentença que decretou a extradição e de que o extraditando recorre.
Proc. n.º 393/09.4YFLSB -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura
I -Tendo a moldura do concurso de crimes como limite mínimo a mais grave das penas parcelares aplicadas e como limite máximo o somatório de todas as penas concorrentes, na determinação da medida da pena concreta devem ser tidas em conta essas diversas realidades, sob pena de se lesar gravemente o princípio da proporcionalidade das sanções penais. II - No desenvolvimento deste conceito, e dada a grande latitude existente entre os limites mínimo e máximo da pena única, torna-se necessário começar por encontrar um ponto que fixe o encontro destas duas variáveis, ao redor do qual há-de ser determinada a pena única a aplicar. III - Em recente colóquio efectuado neste Supremo Tribunal, sob o tema Direito Penal e Processo, Penal, o Conselheiro Carmona da Mota defendeu que a pena conjunta, no quadro das penas singulares, é uma pena pré-definida pelo jogo de forças das próprias penas singulares, que, esgotantemente, representam (numericamente) todos os factores legalmente atendíveis, sendo possível, através de um critério ainda jurídico, mas que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática, encontrar, através dum algoritmo, o terceiro termo de referência, o qual mesmo que possa não constituir um «ponto de chegada», será certamente um importante «passo» na difícil operação jurídica de fixação da pena conjunta. IV - Na busca desse ponto de referência, o Conselheiro Carmona da Mota indica como principais parâmetros: -I) A representação das penas singulares na pena conjunta é, em regra, parcial, só se justificando que esta se aproxime ou atinja a sua soma material nos casos em que todas as penas singulares co-envolvidas correspondam a crimes de gravidade similar (puníveis, por exemplo, com penas de 1 a 5 anos de prisão) e a sua soma material se contenha dentro da moldura penal abstracta dos crimes concorrentes (no exemplo, 5 anos de prisão); -II) A pena conjunta só deverá conter-se no seu limite mínimo ou na sua vizinhança em casos de grande disparidade entre a gravidade do crime mais grave (representada por uma pena, por exemplo, de 15 anos de prisão) e a gravidade dos demais (representadas por penas que, somadas, não excedam, por exemplo, um ano); -III) Nos demais casos (em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» – na procura desse terceiro termo de referência – em somar à «maior» ¼ ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa – com o mesmo objectivo – adicionar metade ou mais das outras); -IV) O tratamento, no quadro da pena conjunta, da pequena criminalidade deve divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta do imposto pelo tratamento da criminalidade muito grave, de tal modo que a pena conjunta de um concurso (ainda que numeroso) de crimes de menor gravidade não se confunda com a atribuída a um concurso (ainda que menos numeroso) de crimes de maior gravidade: E daí, por exemplo, que um somatório de penas até 2 anos de prisão – ainda que materialmente o ultrapasse em muito – não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas até 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.; -V) A medida da pena conjunta só deverá atingir o seu limite máximo absoluto em casos extremos (quatro penas de 20 anos de prisão, por exemplo), devendo por isso o efeito repulsivo/compressor desse limite máximo ser, proporcionalmente, tanto maior quanto maior o limite mínimo imposto pela pena parcelar mais grave e maior o somatório das demais penas parcelares.
Proc. n.º 660/07.1TDLSB.S1 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura (“voto a decisão”)
I -A punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham em comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma – o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. II - Todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais. III - Segundo a corrente que considera possível o “cúmulo por arrastamento” – hoje abandonada pelo STJ – mesmo que alguns dos crimes não sejam anteriores às condenações de cada um dos processos em concurso, os que o são e constituem cúmulo com as condenações anteriores fazem cúmulo com os restantes, efectuando-se um cúmulo jurídico, por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar a todos esses crimes.
Proc. n.º 678/03.3PBGMR -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura
I -Tendo a conferência decidido que havia oposição de julgados entre dois acórdãos da Relação de Lisboa sobre a questão de saber se, nos termos do n.º 1 do art. 391.º-D, do CPP, na vigência da versão introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, é recorrível o despacho do juiz que, em processo abreviado, conhece das questões a que se refere o art. 311.°, n.º 1, do CPP, designadamente quando esse despacho declara nula a acusação, por força do disposto no art. 119.°, als. d) e f), do CPP, põe-se agora ao Pleno das Secções Criminais do STJ o problema de saber se, neste momento, apesar dessa evidente oposição, a fixação de jurisprudência tem algum interesse prático, quer para o caso ponderado no acórdão recorrido, quer para processos pendentes, quer para futuras situações similares que venham a ocorrer, ou se o interesse em jogo já só é meramente académico e, portanto, estranho aos objectivos da actividade judicial. II - O art. 391.º-D do CPP foi alterado pela nova redacção do CPP conferida através da Lei 48/2007, de 29-08, que entrou em vigor no dia 15-09-2007. Tem hoje um único número e diz respeito ao prazo de marcação da audiência em processo especial abreviado que “tem início no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação”. III - Por outro lado, o regime dos recursos em processo especial abreviado também já é outro – ou, pelo menos, apresenta uma outra formulação – pois o art. 391.º-F veio determinar que “é correspondentemente aplicável ao processo abreviado o disposto no artigo 391.º” e este último, inserido nas normas que respeitam ao processo sumário, indica que “só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”. Quer isso dizer que, face à lei ora vigente, é perfeitamente claro que não é recorrível o despacho que, em processo abreviado, ao conhecer das questões a que se refere o art. 311.º, n.º 1, declara nula a acusação, pois não se trata de despacho que ponha termo ao processo. IV - A norma a interpretar pelo Pleno não se aplica aos processos iniciados após a entrada em vigor do novo regime processual. E, conforme decorre do citado art. 5.º do CPP, só se aplicará aos processos pendentes à data da entrada em vigor do novo regime, caso este viesse a provocar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo. V - Ora, a nova lei, ao inviabilizar o recurso do despacho preliminar do juiz que, em processo especial abreviado, anula a acusação e devolve os autos ao MP, não só favorece a defesa do arguido, que, assim, vê o seu caso prosseguir em processo comum, onde terá outros meios de defesa que não os do processo abreviado (v. g. a possibilidade de requerer instrução), como não quebra a harmonia e unidade dos vários actos de processo, pois fá-lo prosseguir sem a intervenção (anómala) de outra instância. VI - Quer isto dizer que a todos os processos abreviados que estavam pendentes em 15-09-2007, data da entrada em vigor do novo regime processual, deve ser aplicado o disposto nos arts. 391.º-F e 391.º do CPP, na versão de Lei 48/2007, de 29-08, pois é uma decorrência da aplicação imediata da nova lei processual, não diminui as garantias de defesa e mantém a harmonia do processo. VII - Dir-se-á que poderia vir a ser aplicada, ao menos no processo onde foi lavrado o acórdão recorrido, caso o Pleno das Secções Criminais viesse a alterar a decisão recorrida como consequência da jurisprudência fixada [pois se a confirmasse, não haveria nova aplicação da mesma lei]. VIII - Mas, para essa hipótese – a da revogação da decisão recorrida – o processo teria de baixar à Relação de Lisboa para aí se lavrar decisão de acordo com a jurisprudência fixada. Na Relação, contudo, ter-se-ia de ponderar, como questão prévia, se ao caso seria de aplicar a lei «antiga» ou a lei «nova», dada a mudança operada na lei e, nessa ponderação, não poderia deixar de se aplicar a lei hoje vigente, pelas razões já referidas, pelo que a legislação interpretada pelo STJ não viria a ser efectivamente aplicada. IX - Acresce que para a hipótese, altamente improvável, de ainda estar pendente de decisão final algum processo especial abreviado iniciado antes de 15-09-2007, não faria qualquer sentido estar agora, mais de ano e meio depois, a marcar julgamento nessa forma processual, pois estaria vedada agora a marcação de julgamento nessa forma processual, já que estaria entretanto esgotado o prazo máximo de 90 dias entre a acusação e a audiência, determinado no actual art. 391.º-D do CPP. X - De tudo o exposto, resulta que a requerida fixação de jurisprudência não tem já qualquer utilidade prática e deve, portanto, declarar-se a falta de interesse em agir por parte do recorrente e a inutilidade da lide.
Proc. n.º 235/09 -5.ª Secção
Santos Carvalho (relator) *
Henriques Gaspar
Rodrigues da Costa
Armindo Monteiro
Arménio Sottomayor
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Souto Moura
Maia Costa
Pires da Graça
Raul Borges
S
I -O arguido, recorrente no presente recurso de revisão de sentença, foi condenado pelos crimes de falsificação e burla, por sentença transitada em julgado e por se ter apoderado de uma fotocópia do bilhete de identidade do assistente (que este, entretanto, perdera) e, posteriormente, com a colaboração dos co-arguidos, solicitador e segunda ajudante do cartório notarial, ter obtido procurações irrevogáveis a seu favor, com a falsa assinatura do assistente, pelas quais este lhe conferia poderes para vender, 'sem prestação de contas', a quem quisesse e pelo preço que entendesse, dois imóveis que pertenciam a empresas do assistente e de que só este podia dispor, conseguindo o arguido, assim, vendê-los e apoderar-se do respectivo valor. II - Apurou agora o arguido/recorrente que, afinal, muito após Maio de 1999, mês em que, alegadamente o assistente perdeu o BI e em que foi emitido um outro, o próprio assistente – ou outrem por ele e com o seu consentimento – usou fotocópias do BI perdido e não o novo BI já emitido. III - Mas nada se altera em relação ao raciocínio que conduziu à condenação, pois não pode ter-se passado o mesmo aquando das procurações referidas nos factos condenatórios. Com efeito, se é certo que se provou que o assistente, “tinha por hábito usar na sua actividade profissional fotocópias do B.I. para evitar perder o documento original” e que, “apesar de ter recebido um novo documento, conservou algumas fotocópias do B.I. anterior”, não poderia este ter usado tais fotocópias no acto em que alguém (por ele) conferiu as procurações, pois estas são feitas com reconhecimento presencial da assinatura e a lei notarial exige a exibição do original do BI. E se fosse o próprio assistente a intervir no acto teria usado o novo BI de que já era titular, como seria razoável e obrigatório por lei. IV - Não faria sentido, de resto, que o assistente, já desavindo com o arguido e com processos judiciais a correr, lhe tivesse conferido procurações irrevogáveis e sem prestação de contas para venda de património de empresas de que só ele, assistente, podia dispor, para que assim o arguido se apoderasse do respectivo valor em proveito próprio, como aconteceu. V - Por isso, quaisquer dúvidas que os factos novos apresentados pelo recorrente possam gerar, não são de molde a pôr em causa, de forma séria, a justiça da sua condenação, a ponto de se colocar fundadamente o problema de dever ter sido absolvido. Não se suscitando «graves dúvidas» sobre tal justiça, como é requisito legal para se conceder a revisão, esta tem de ser negada.
Proc. n.º 5896/01.6TDLSB-A.S1 -5.ª Secção
Santos Carvalho (relator) *
Simas Santos
I -No presente caso de concurso superveniente de infracções, os limites abstractos da pena conjunta variam entre o mínimo de 6 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 18 anos de prisão. II - Mas, em rigor, o mínimo da pena aplicável não deveria ser inferior a 9 anos de prisão, pois no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, no âmbito do Proc. n.º 317/06.0GALSD, aplicou-se-lhe essa pena única para parte dos crimes ora em concurso e tal pena transitou em julgado. III - Seria incongruente que, agora, num novo cúmulo de penas que abrange todas as penas parcelares aplicadas nesse processo e ainda outras, se viesse a aplicar uma pena única inferior a 9 anos de prisão, pois, de algum modo há uma situação que «acresce» à anterior. Dito de outra forma: se não houvesse que reformular o cúmulo anterior transitado em julgado o arguido cumpriria 9 anos de prisão, pelo que, por razões que se prendem com a lógica, numa reformulação que integra mais crimes, a pena não deve ser inferior a essa medida. IV - Vem o STJ entendendo, numa corrente cada vez mais alargada, que na escolha da pena conjunta não podem ser atendidos todos os factores que já foram considerados na determinação da pena parcelar, pois, se tal fosse feito, haveria uma violação do princípio da proibição de «dupla valoração». V-“Se as penas singulares esgotaram (ou deviam ter esgotado) todos os factores legalmente atendíveis, sobrará para a pena conjunta, simplesmente, a reordenação cronológica dos factos (julgados, nos processos singulares, fora da sua sequência histórica) e a actualização da história pessoal do agente dos crimes.” VI -O tribunal recorrido somou à pena mais grave (6 anos) mais de metade da soma das restantes penas (12 anos). Na realidade, somou 2/3 da soma das restantes penas e obteve um total de 14 anos de prisão. VII - Ora, se é certo que o valor encontrado se contém nos limites definidos legalmente, a menor compressão das penas que foi usada, ao arrepio das regras mais comummente aceites pelo STJ (que, em regra não ultrapassa 1/3 e que muitas se vezes se queda por 1/6 e menos) deveria ter merecido um especial cuidado na fundamentação da medida da pena conjunta. VIII - Verifica-se que num curto espaço temporal, que não chega a dois anos, o arguido cometeu 3 crimes de abuso sexual de crianças e um crime de maus tratos a menor. Por isso, se ainda não podemos falar numa tendência para a prática de crimes de que são vítimas menores, difícil também já se torna entender este caso como de mera pluriocasionalidade. IX - Para mais o arguido tem antecedentes criminais e um outro processo-crime pendente. X - Por isso, entende-se como mais ajustado fixar a pena única ao arguido em 10 anos de prisão.
Proc. n.º 588/06.0TALSD.P1.S1 -5.ª Secção
Santos Carvalho (relator) *
Simas Santos
I -São pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»: -ser o crime agora cometido doloso; -ser este crime, sem a incidência da reincidência, punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; -que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; -que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos [este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança]. II - Além daqueles pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. III - À reincidência – melhor, ao afastamento da eventual prescrição da reincidência – interessam a data da prática do crime anterior (e não a da sentença condenatória) e a data da prática do crime actual. IV - Desconhecendo-se as datas em que os crimes anteriores foram praticados e as da detenção e da colocação do arguido em liberdade não é possível concluir que, descontado o tempo em que esteve preso, não decorreram mais de 5 anos entre a prática dos crimes anteriores e do actual, como erroneamente se fez na decisão recorrida. V - Podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 28-022007, Proc. n.º 9/07 -3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07 -3.ª, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 -3.ª e 4833/07 -3.ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08 -3.ª, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08 -3.ª). VI - Tem sido sufragada, sem dissidências, pelo STJ a doutrina segundo a qual «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel» – cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 268. VII - Em concreto, estando em causa crimes de natureza muito diferente, não bastava alinhar o percurso criminoso do arguido. Impunha-se um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciassem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade – cf. Ac. do STJ de 04-12-2008. VIII - Ora, o crime anterior indicado na acusação (roubo) e o agora reiterado (tráfico de estupefacientes) são de natureza diferente, quer em função dos bens jurídicos violados, quer porventura em função da forma de execução. A acusação, porém, é completamente omissa quanto à forma de execução do primeiro, bem como quanto aos fins e motivos que presidiram à respectiva prática. Por isso que aquela “íntima conexão”, não podendo retirar-se automaticamente da condenação anterior, teria de assentar num conjunto de factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o recorrente, ao traficar haxixe, não se sentiu suficientemente advertido ou intimado com aquela pesadíssima condenação para se manter fiel ao direito ou que, pelo contrário, o conjunto das circunstâncias que rodearam a vivência do arguido depois de colocado em liberdade condicional, não autorizando aquele juízo de culpa agravada, apenas indicia mera pluriocasionalidade. IX - Padece de insuficiência de factos, sendo, por isso, manifestamente infundada (art. 311.º, n.º 3, al. d), do CPP), a acusação que fundamenta a reincidência apenas na prática do crime anterior, fazendo-a derivar da anterior condenação como sua consequência automática, sem arrolar nenhum facto específico capaz de indiciar o pressuposto material – qualquer relação, radicada na personalidade do arguido, entre o crime de roubo e o de tráfico de estupefacientes, uma vez que a gravidade objectiva de um e de outro não basta. X - Em caso de insuficiência factual da acusação, se o tribunal a quo alargar a investigação para além dos limites de facto traçados por aquela estará a violar, além da garantia constitucional consagrada no art. 32.º, n.º 5, da CRP, o art. 339.º, n.º 4, do CPP e a tornar nula a decisão de procedência que vier a firmar, nos termos dos arts. 359.º e 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo Código. XI - Assim, nestes autos, é, pois, na acusação que radica de forma processualmente relevante a insuficiência factual, quer para completo e inequívoco preenchimento dos pressupostos formais da reincidência, quer para a integração do respectivo pressuposto material. E a consequência dessa insuficiência é a de ter de ser julgada manifestamente infundada, com a consequente e correspondente revogação do acórdão recorrido, por a ter julgado procedente.
Proc. n.º 159/08.9PQLSB.S1 -3.ª Secção
Sousa Fonte (relator)
Santos Cabral
I -Numa situação em que: -encerrado o inquérito, o MP deduziu acusação contra o arguido pelos factos que descreveu no libelo acusatório e imputou-lhe a prática «na forma continuada [de] um (1) crime de Falsificação de Documento, p.p. no art. 256-1. al. a) e 3 e [de] um (1) crime de Burla Qualificada, p.p. nos arts. 217-218-2. al. a) e ainda nos termos dos arts. 30-2 e 79, todos do C.P.»; -notificada da acusação, a assistente veio dizer que, ao abrigo do disposto no n.º 2, al. a), do art. 284.º do CPP, aderia à acusação do MP, cujo teor deu «por integralmente reproduzido», aceitando, pois, de forma expressa e inequívoca, os exactos termos da acusação pública e, portanto, também a qualificação dos factos como constituindo o arguido autor de um crime continuado de burla e de um crime continuado de falsificação de documento; -prosseguindo o processo, não está documentado que a assistente, depois disso, designadamente no decurso da audiência de julgamento, tenha tomado qualquer iniciativa no sentido da alteração dessa qualificação, como lho permitia o art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, ou que o próprio arguido – que, em sede de contestação, ofereceu o merecimento dos autos – tenha alegado factos susceptíveis de a ela conduzir; -a assistente vem agora, numa fase tardia do processo, pugnar por uma qualificação jurídico-penal dos factos substancialmente diferente daquela que até ali sobraçou – comportamento que redunda, ao fim e ao cabo, em instigar o STJ a que ele próprio cometa a nulidade prevista no art. 425.º, n.º 4, com referência aos arts. 379.º e 358.º, n.º 3, ambos do CPP (estando sem hipótese a aplicação do n.º 4 do art. 424.º, por a assistente não ter requerido a realização de audiência), admitindo que o pedido, no caso concreto, envolve apenas a alteração da qualificação e não também uma alteração dos próprios factos da acusação (que ficaram integralmente provados) que teria de ser qualificada como uma alteração substancial, em conformidade com o disposto na al. f) do art. 1.º do CPP; tal questão não pode proceder, por formalmente não poder ser atendida. II - Para além disso, a concreta pretensão que a assistente formulou na acusação contra o arguido foi a de que devia ser condenado pela prática, na forma continuada, dos crimes de falsificação de documento e de burla. O objecto do processo, mais concretamente o objecto do julgamento, no que ao MP e à assistente dizia respeito, ficou aí fixado: os factos levados à acusação (cf. art. 339.º, n.º 4, do CPP). Esses factos não sofreram alteração; a recorrente nada requereu, em tempo útil, na fase processual própria, para tornar viável e atendível essa alteração da qualificação (cf. art. 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPP); o tribunal da 1.ª instância não viu motivos para a modificar e julgou integralmente procedente aquela pretensão (quanto aos factos e quanto ao direito). III - Deste modo, não se pode afirmar que a assistente, tendo visto satisfeita integralmente a pretensão penal que deduziu, tem agora necessidade deste recurso, isto é, interesse em agir, para ver tutelada essa mesma pretensão. A que agora apresenta é uma pretensão nova e substancialmente diferente e foi formulada manifestamente fora de tempo, razão por que não pode ser atendida, levando à rejeição do recurso, nos termos dos arts. 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2 (falta de condições para recorrer), ambos do CPP. IV - Relativamente à questão do crime continuado, segundo Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, pág. 1030 e ss.), a exigência de uma proximidade ou afinidade espáciotemporal entre as violações plúrimas não tem, pelo menos em via de princípio, relevo especial. O mesmo, de resto, já ensinava Eduardo Correia, o autor moral da figura do crime continuado, tal como positivada entre nós, quando, em Direito Criminal, II, pág. 211, escrevia: «Restará acentuar que a exigência – … – de uma qualquer conexão no espaço e no tempo das actividades continuadas mal pode, …, assumir qualquer relevo especial … a conexão de espaço e tempo só poderá ter relevância na medida em que afaste aquela conexão interior». V - Figueiredo Dias refere ainda (ob. cit., pág. 1031) que compatível com a figura do crime continuado, tal como se encontra plasmada no art. 30.º, n.º 2, do CP, parece tanto a hipótese de à série de comportamentos presidir um dolo conjunto – as diversas realizações típicas devem, no essencial, ter sido planeadas previamente pelo agente – ou um dolo continuado – o agente planeou que repetiria a realização típica caso a ocasião se proporcionasse –, como a de se estar perante uma pluralidade de resoluções. O requisito decisivo é o de que o crime seja dominado por uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente – requisito substantivo este que se há-de estender à «inteira relação de continuação». Ou, como diz Eduardo Correia, (ob. cit., pág. 209), essencial à continuação criminosa será, «verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com a norma». VI - Configura-se um crime continuado se, perante o quadro factual apurado, há que reconhecer que foi a persistente situação de domínio sobre a contabilidade e a tesouraria da assistente, de que o arguido se serviu, com total êxito, para praticar a primeira infracção, que o arrastou para a reiteração criminosa, com apreciável diminuição da sua culpa, na medida em que, com a passagem incólume sobre as primeiras contravenções «se amoleceram e relaxaram as reacções morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam». VII - «Quando um delinquente se encontra de novo ante uma determinada situação que, convidando à realização de um certo crime, já uma vez foi por ele aproveitada com êxito, há-de sem dúvida sentir-se fortemente solicitado a reiterar a sua conduta criminosa, e só muito dificilmente se manterá no caminho do direito». E «(…) se, de facto, não conseguir furtar-se à tentação, deverá conceder-se que a medida da sua culpa é sensivelmente menor do que a daquele outro que, em condições diferentes e porventura difíceis de vencer, renova a sua actividade» (cf. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, pág. 247). VIII - Esta ideia da culpa – «o ter de responder pelas qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade que fundamentaram um facto ilícito-típico e nele se exprimem» (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 525) – sensivelmente diminuída, em função da persistência de uma situação exógena motivadora da reiteração criminosa não repudia nem contradiz a possibilidade de o arguido ter agido com dolo intenso, que tem a ver com a «atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Direito». IX - Não há dúvida de que o arguido para, de início, desprezar, violando-o, o dever de se conformar de acordo com o direito, isto é, de agir de modo a não lesar ou pôr em perigo os bens jurídicos radicados na esfera da sua entidade patronal, agiu com elevado grau de culpa e com dolo intenso, precisamente porque, através e com o processo que concebeu, evidenciou total desrespeito pela confiança que aquela nele depositou. Mas, depois, tendo violado uma primeira vez essa confiança e, depois, uma outra, e tendo verificado que, afinal, os poderes/deveres de fiscalização da sua actividade não funcionavam ou não eram suficientemente rigorosos de molde a dar pela falcatrua engendrada, a conclusão adequada é a de que a repetição dessa situação foi tornando cada vez menos exigível a sua actuação de acordo com o direito. Tal conclusão assenta na ideia de inexigibilidade, ínsita no conceito de crime continuado, no ponto em que se pode dizer que o homem médio, «normalmente fiel ao direito», teria, como o arguido, sucessivamente claudicado.
Proc. n.º 4145/03.7TDLSB.L1 -3.ª Secção
Sousa Fonte (relator)
Santos Cabral
I -O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo fundamental a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. II - É necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas. III - Estando subjacente em ambos os processos a aplicação e observância das indicações de ofício da DGV, constituindo no fulcro o objecto dos recursos a avaliação da bondade do recurso a tal informação administrativa, é de concluir que não estamos perante aplicação de normas jurídicas, não se colocando verdadeiramente uma questão de direito controvertida, sendo que o acórdão recorrido sobre a questão específica da valia do ofício nada disse, o que conduz a uma não oposição de julgados.
Proc. n.º 118/08.1GTTVD-A.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
I -Continua em vigor o Acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-091995 (DR I-A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito. II - A determinação da intenção do agente, por respeitar à matéria de facto, não cabe no âmbito do recurso para o STJ. III - O juízo técnico-científico que, nos termos do art. 163.º do CPP, é subtraído à apreciação do julgador é o que foi recolhido segundo as regras do art. 151.º e ss. do mesmo diploma legal. O tribunal não se encontra vinculado aos exames/pareceres médicos emitidos fora do âmbito daqueles normativos, pois os relatórios médicos assim emitidos não consubstanciam uma verdadeira prova pericial, mas antes e apenas prova documental, podendo, por isso, ser livremente apreciados e valorados pelo tribunal. IV - Efectuados exames médicos às faculdades mentais da arguida fora do âmbito do art. 151.º e ss. do CPP e não sendo os resultados dos mesmos coincidentes, porque o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses não estabelece qualquer prioridade para qualquer deles, o tribunal tem legitimidade para solicitar esclarecimentos aos peritos médicos, ficando legitimado a fundar a sua convicção no relatório que se lhe apresentar mais sólido. V - De todo o modo, estando-se perante discordância atinente à matéria de facto, não pode a mesma ser objecto de sindicância pelo STJ. VI - O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP. VII - A consagração legal da legítima defesa no CP mais não é do que a explicitação do princípio constitucional fixado no art. 21.º da CRP, que estabelece que «Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública». VIII - A legítima defesa apresenta-se como uma causa de exclusão da antijuridicidade do facto, tendo por base uma prevalência que à ordem jurídica cumpre dar ao justo sobre o injusto, à defesa do direito contra a sua agressão, ao princípio de que o direito não deve nunca recuar ou ceder perante a ilicitude. IX - Independentemente das dúvidas que possam existir sobre a questão de saber que bens ou interesses estritamente individuais é que se devem considerar incluídos no direito de legítima defesa, todos concordam que ali se incluem a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, o domicílio e o património (neste sentido, cf. Taipa de Carvalho, A legítima defesa, 1995, pág. 318). X - Constitui legítima defesa, nos termos do art. 32.º do CP, o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores, não pré-ordenada – ou seja, com o fito de, sob o manto da tutela do direito, obter a exclusão da ilicitude de facto integrante de crime –, actual, no sentido de, tendo-se iniciado a execução, não se ter verificado ainda a consumação, e necessária, isto é, quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa adequado – menos gravoso, por a todo o direito corresponderem «limites imanentes» – a sustar o resultado iminente – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 45 e 59. XI - São, pois, pressupostos da legítima defesa: a actuação em defesa de uma agressão e o elemento subjectivo a que a doutrina dá o nome de animus defendendi (a intenção de, pelo contra-ataque a uma agressão, se suspender uma agressão ilegítima). São requisitos da agressão: a ilegalidade (no sentido de o seu autor não ter o direito de a praticar, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou de se tratar de um inimputável), a actualidade (no sentido de se estar a realizar, em desenvolvimento ou iminente; a agressão inicia-se – já é actual – quando, colocando-nos numa perspectiva jurídico-penal, a pudermos considerar como acto de execução de uma determinada tentativa) e a falta de provocação; e requisitos da defesa: a impossibilidade de recurso à força pública, a necessidade e a racionalidade do meio. XII - A necessidade de defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Deve ajuizar-se objectivamente e ex ante, na perspectiva de um terceiro prudente colocado na situação do arguido – cf. Ac. do STJ de 18-12-1996, Proc. n.º 115/96 -3.ª. XIII - Sendo a circunstância de o agente ter praticado o facto para repelir a agressão actual e ilícita de que está a ser sujeito passivo um dos elementos constitutivos da legítima defesa, ou seja, que tenha agido com o intuito de defesa, não se verifica aquela causa de exclusão da ilicitude quando o tribunal dá como provado que o arguido agiu com o intuito de ofender corporalmente o visado – cf. Ac. do STJ de 16-04-1997, Proc. n.º 1255/96 -3.ª, SASTJ, n.º 10, Abril de 1997, pág. 97. XIV - Destinando-se a legítima defesa apenas a impedir ou repelir a agressão, compreende-se e exige-se que o defendente só utilize o meio considerado, no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente para suster a agressão. Como refere Maia Gonçalves (in CP anotado, pág. 167), «Não pode porém, ser imposto ao agredido defendente o uso de meios desonrosos, v. g. a fuga, quando sejam meio adequado para evitar a agressão, tanto mais que isso precludiria também a função de prevenção geral da legítima defesa. Assim entende a doutrina autorizada – cfr. Direito Penal do Prof. Figueiredo Dias, Tomo I, pág. 396-397, havendo também jurisprudência neste sentido». XV - Por meio utilizado deve entender-se não só o instrumento, objecto ou arma, mas também o próprio tipo de defesa. Por isso, para se averiguar da adequação do meio de defesa, deve ter-se em consideração as circunstâncias concretas de cada caso (designadamente o bem ou interesse agredido, o tipo e intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de actuar, a capacidade física do agressor e do agredido e os meios de defesa disponíveis). Trata-se de um juízo objectivo, segundo o exame das circunstâncias concretas de cada caso, feito por um homem médio colocado na situação do agredido. XVI - Como se refere no Ac. deste Supremo Tribunal de 19-07-2006, Proc. n.º 1932/06 -3.ª, «O juízo sobre a adequação da defesa e dos meios de defesa, é um juízo objectivo e ex ante, no sentido de que o juiz se terá de colocar na posição que assumiria uma pessoa prudente perante as circunstâncias concretas ocorrentes». XVII - Meios adequados para impedir a agressão, mas mais danosos (para o agressor) do que aqueles que, sem deixarem de ser adequados (suficientes e eficazes), causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor serão considerados desnecessários e, assim, excluirão a justificação do facto praticado pelo agredido. XVIII - Relativamente ao elemento subjectivo (o animus defendendi), entende-se – com grande parte da doutrina e da jurisprudência – ser exigível o intuito ou a vontade de defesa por parte do defendente (embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, p. ex. indignação, vingança e ódio – v. g. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 46; Leal Henriques-Simas Santos, CP anotado, pág. 335; e Acs. do STJ proferidos nos Procs. n.ºs 41982, 42682 e 42837 in www.dgsi.pt). Porém, parte da doutrina considera que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da situação de legítima defesa, ou seja, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação. Assim, face a uma agressão actual e ilícita, deve ter-se por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa – cf., neste sentido, Taipa de Carvalho, A legítima defesa, 1995, pág. 318; Cavaleiro de Ferreira e Fernanda Palma, A justificação por legítima defesa como problema de delimitação de direitos, 1990, pág. 611. XIX - A intenção de defesa, correspondendo a um estado de espírito, inapreensível sensorialmente, há-de ser resultante de factos objectivos que a indiciem, tal como a intenção de matar, integrando matéria de facto, há-de derivar de factos dos quais se infira. XX - Por outro lado, não haverá causa de exclusão da ilicitude, segundo o disposto no art. 32.º do CP, no caso do agente fraudulentamente se ter colocado na situação objectiva de legítima defesa mediante provocação deliberada e tendo desencadeado o ataque neste sentido. XXI - O excesso de legítima defesa consiste na verificação de uma acção que, pressuposta uma situação de legítima defesa, se materializa na utilização de um meio desnecessário para repelir a agressão. Assim, desde logo, para que haja excesso de legítima defesa têm de se verificar os requisitos da legítima defesa.
Proc. n.º 1248/07.2PAALM.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
I -No caso de arguido que possui como habilitações literárias a 3.ª classe, é feirante, e em liberdade, vivia com a esposa e dois filhos menores de idade, encontrando-se preso em cumprimento de uma pena de 7 anos e 4 meses de prisão, é manifesta a sua situação de insuficiência económica, pelo que deve ser isento do pagamento da multa devida pela apresentação de requerimento de recurso no 2.º dia útil após o termo do prazo. II - Não estamos perante um caso de correcção de sentença, nos termos do art. 380.º do CPP, quando o requerente pretende que o tribunal se pronuncie sobre uma questão que não foi suscitada de forma directa e frontal nas conclusões da respectiva motivação de recurso, sendo que as conclusões delimitam o objecto do mesmo, pelo que não tinha o tribunal que se pronunciar expressamente sobre aquela questão. III - O arguido que interpõe recurso directamente para o STJ aceita a matéria de facto provada, não podendo questioná-la a coberto da invocação de uma pretensa nulidade, que põe em causa a matéria de facto fixada. IV - A mera circunstância de o arguido não aceitar a decisão contra si proferida não constitui ambiguidade ou obscuridade que deva remover-se através de pedido de aclaração.
Proc. n.º 303/06.0GEVFX -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
I-A vexata quaestio da alteração do enquadramento jurídico da conduta imputada ao arguido em figura criminal mais grave e da consequente necessidade ou não de lhe dar conhecimento de tal modificação culminou, em termos jurisprudenciais, com a prolação do “Assento” n.º 3/2000, de 15-12-1999 (Proc. n.º 43073, DR I-A, n.º 35, de 11-02-2000), que reformulou o “Assento” n.º 2/93, de 27-01-92, fixando a seguinte doutrina: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do respectivo enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para o que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa». II - É nesta linha que se situa a alteração introduzida ao processo penal pela Lei 48/2007, de 29-08, estabelecendo o n.º 3 do art. 424.º do CPP que «Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias». III - Este normativo tem aplicação no caso de o tribunal verificar, por iniciativa própria, que, face aos factos provados, o enquadramento jurídico-criminal se deve fazer por modo diverso, integrando a conduta em outro preceito incriminador e face a essa alteração, não prevista, desconhecida do arguido, a fim de se evitar uma decisão surpresa – a exemplo do que ocorre no processo civil com o art. 3.º do CPC, mas aqui com raízes e razões mais ponderosas e visando a salvaguarda de interesses mais profundos e de garantias de defesa constitucionalmente acauteladas –, haverá a necessidade de dar a conhecer a possível alteração de qualificação. IV - Da necessidade de conciliar a possibilidade de procurar o correcto enquadramento jurídico-criminal dos factos com o respeito pelas garantias de defesa emerge um dever de prevenção, de comunicação ao arguido da possível nova qualificação, de modo a propiciar o exercício do contraditório. V - Mas, como esclarece Paulo Pinto de Albuquerque (em anotação ao art. 424.º, n.º 3, do CPP, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1164), o dever adicional de notificação é limitado aos casos de alteração “não conhecida do arguido”, tendo a limitação o propósito de subtrair do âmbito do dever de notificação no tribunal de recurso as situações em que a alteração já é conhecida do arguido. VI - Assim, se, no despacho que marcou dia para julgamento, for corrigida deficiência de que enfermava a acusação e, consequentemente, alterada a qualificação dos factos – possibilidade de ao arguido ser também aplicada determinada pena acessória –, notificando-se o arguido e o seu mandatário desse despacho, e concedendo-se, por isso, a possibilidade de aquele, em 20 dias, contestar não só a acusação mas ainda a referência ao acréscimo de punição, mostra-se cumprido o dever de comunicação, não ocorrendo qualquer violação da doutrina consagrada no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2008.
Proc. n.º 106/09.0YFLSB -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Pereira Madeira
I -Havendo redução da base factual a operar, na sequência de decisão do Tribunal da Relação, que não tem por efeito a integração em outro tipo legal ou a necessidade de requalificação jurídico-criminal da “nova” matéria de facto, mas donde resulta uma menor quantidade de ilícito, desaparece o óbice da dupla conforme da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP e a decisão do Tribunal da Relação passa a ser recorrível. II - Tendo o arguido sido condenado numa pena de 3 anos de prisão pela prática de crime de detenção de arma proibida, atenta a pena aplicada, há que considerar como se estivesse face a um recurso directo de decisão final do tribunal do júri ou de tribunal colectivo, face ao que dispõe o art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, não sendo recorrível a decisão quanto a esse crime, mas é admissível o recurso relativamente à pena parcelar de 7 anos de prisão aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes. III - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento do tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”. IV - No caso de compra e venda de haxixe, em que o recorrente destinava a totalidade do produto à venda a terceiros, com um montante global de 20 414,210 g apreendidos, destinados a considerável número de consumidores, sendo grande o risco de disseminação do mesmo, com dolo directo e intenso, uma actividade de tráfico com a duração de cerca de 3 anos, não tendo antecedentes criminais, é adequada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão. V - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) para se apurar a pena única, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Proc. n.º 8523/06.1TDLSB -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
I -Nos casos em que uma situação de incapacidade parcial permanente tem reflexos na capacidade aquisitiva do lesado, em que resulta prejudicada a sua produtividade, em que ocorre uma perda ou diminuição de capacidade laboral e consequente ganho do lesado, com perda de rendimentos do trabalho, está em causa a indemnização por dano patrimonial, pressupondo-se que o lesado esteja no activo, e daí que se tenha em conta o limite da vida activa e a perda anual do rendimento que se procura reparar através do recurso a tabelas financeiras ou outros instrumentos de cálculo. II - Pretende-se em tais situações encontrar o capital que permita realizar a pensão anual correspondente à perda de vencimento sofrida pelo lesado, a atribuição de uma quantia que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que aquele sofreu, mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada. III - Se, à data do acidente, a lesada tinha 75 anos de idade e se encontrava reformada, da incapacidade permanente parcial por ela contraída não resultaram consequências sobre os seus proventos profissionais. IV - Mas os danos futuros não se restringem aos correspondentes à perda da capacidade aquisitiva de ganho, ou seja, ao plano da actividade estritamente profissional e à frustração de ganhos por afectação da capacidade para o trabalho. V - Da incapacidade permanente podem resultar duas formas de afectação funcional: por um lado, a susceptibilidade de diminuição definitiva ou temporária da potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou, ainda neste aspecto, por implicar para o lesado um grau de esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho; e uma outra vertente, não relacionada directamente com proventos profissionais, mas antes com dificuldades acrescidas para o exercício das várias tarefas e actividades gerais do dia-a-dia, fora do contexto profissional e da perda de rendimento de trabalho, relevando aqui a incapacidade funcional do corpo humano ou de um seu órgão como dano corporal em si, despido da sua ligação à vertente patrimonial. VI - O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cf. Acs. do STJ de 06-07-2000, Revista n.º 1861/00, CJSTJ, 2000, tomo 2, pág. 144, e de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04 -6.ª. VII - O rebate da incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer a recorrente na sua pessoa, afectando-lhe direitos de personalidade, como a sua saúde geral, na sequência das lesões emergentes do acidente, não sendo de configurar como dano futuro na perspectiva patrimonial, é de ter em consideração como uma das expressões de dano não patrimonial. VIII - É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª ed., vol. I, pág. 600, Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115, e Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, pág. 268. IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos». X - Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. XI - Ponderando: -todo o conjunto das dores sofridas pela recorrente, a sobrevinda embolia pulmonar, a necessidade de tomar medicamentos até ao fim da vida, tendo durante meses tido a necessidade de uma pessoa a ajudar a locomover-se, passando a fazer a lide doméstica com limitações, não podendo estar de pé muito tempo, tendo padecido das várias incapacidades ao longo de seis meses, quer geral temporária absoluta e parcial, quer temporária, absoluta e parcial para a actividade habitual, e sendo portadora de sequelas anátomo-funcionais que conferem uma incapacidade geral parcial permanente de 5%, sendo que tais sequelas com o aumentar da idade – a recorrente actualmente conta 84 anos – terão tendência para se agravar e afectar a recorrente de forma mais sensível, havendo que ter em conta angústias futuras; -a incapacidade parcial permanente, não tendo no futuro reflexos económicos, demanda compensação pela situação de debilidade física resultante do acidente, do qual resultaram para a recorrente as sequelas descritas nos factos provados, tratando-se de quadro duradouro, que perdura, que se projecta no futuro da vida da lesada; -o acidente ocorreu há mais de 8 anos; mostra-se equitativo fixar a reparação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante em € 20 000.
Proc. n.º 1632/01.5SILSB.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
I -«A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar» – cf. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e ss.. II - O critério e as circunstâncias do art. 71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente. III - As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. IV - Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais. V - Estando em causa a prática, em concurso real, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo art. 211.º, com referência aos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, al. e), todos do CP, e de um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352.º, n.º 1, do mesmo Código, e tendo em consideração: -o grau de ilicitude do facto – bastante elevado em ambos os crimes, atenta a violação do domicílio alheio e as características da acção agressora a um dos seus habitantes quanto ao crime de violência depois da subtracção e o ostensivo desprezo por decisão judicial proferida e comunicada em tribunal directamente pelo juiz, quanto ao crime de evasão; -o modo de execução – através de uma janela do 1.º andar, o arguido introduziu-se na vivenda, agarrou num bibelot de madeira e com ele agrediu, na cabeça, ER, bem como lhe desferiu diversos socos na face, que também lhe atingiram o olho esquerdo, e ainda uma dentada na mão direita; quanto ao crime de evasão, o arguido encetou fuga, a correr, pelas instalações do edifício do tribunal, escapando para a via pública através da janela de um gabinete adstrito a um magistrado do MP, e correndo em direcção à estação dos comboios da P…, em cujas imediações veio a ser interceptado por elementos da PSP; -a gravidade das consequências – das agressões sofridas resultaram para o ER escoriações na face, cicatriz ao nível da face dorsal do segundo dedo da mão direita, humor depressivo (choro fácil), cefaleias, sindroma fóbico face à permanência no lar, reverberação do facto, o que consubstancia síndroma de stress pós-traumático, lesões que também lhe determinaram doença por um período de 30 dias, com igual tempo de afectação da capacidade de trabalho; -o grau de violação dos deveres impostos ao arguido – intenso, tendo em conta, por um lado, o desprezo por um direito fundamental de consagração constitucional (a inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 34.º da CRP), ao entrar ilicitamente e de forma furtiva em casa alheia habitada na altura pelos seus moradores; e, por outro, o desrespeito pelo ordenamento jurídico ao não acatar decisão de autoridade judiciária que directamente lhe foi comunicada e que poderia impugnar no modo legalmente permitido; -a intensidade do dolo – específico em ambas as ilicitudes, pois que agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que praticou eram proibidas e penalmente puníveis (sabia que o monitor de que se quis apoderar não lhe pertencia e que actuava contra a vontade dos respectivos donos; contava também que estes estivessem no imóvel e, quando foi surpreendido, quis agredir o ER; e fugiu do tribunal sabendo que estava detido e que iria ser conduzido a estabelecimento prisional); -os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos determinantes – ao agredir visava, designadamente, manter consigo o monitor, eliminar a previsível oposição do dono da casa e encetar a fuga para a rua; fugiu do tribunal com o objectivo de se eximir à detenção; -as condições pessoais do arguido e a sua situação económica – à data da sua detenção e desde há pelo menos cerca de 4 meses o arguido não exercia qualquer actividade profissional; tinha 24 anos na data dos factos, vivia com uma companheira e 2 filhos de ambos, com as idades de 1 e 4 anos, numa casa pertencente aos pais da companheira, trabalhando esta como empregada doméstica; -a conduta anterior ao facto e a posterior a este – pela prática de um crime de roubo, em 03-09-2002, por acórdão de 29-05-2003 foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; pela prática de 3 crimes de sequestro e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, em 04-10-2005, por acórdão de 03-11-2006 foi condenado na pena única de 2 anos de prisão, cujo cumprimento teve o seu termo em 04-10-2007; -a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto – o arguido, apesar de ter estado preso, continuou a desrespeitar os bens jurídico-criminais, persistindo na senda do crime; as penas aplicadas, de 6 anos e 1 ano de prisão, respectivamente, pela prática dos referidos ilícitos, não se revelam excessivas, injustas ou desproporcionais, sendo, pois, de manter. VI - E, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos concretizados na natureza e intensa gravidade dos crimes e a personalidade neles manifestada e por eles projectada, donde resulta que a prática dos factos ilícitos advém de tendência criminosa do arguido, que persistiu em não manter conduta lícita, e atento o efeito previsível da pena no seu comportamento futuro, conclui-se que a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, resultante do cúmulo, não se revela excessiva, sendo adequada e, por isso, de confirmar.
Proc. n.º 1246/08.9PASNT.L1.S1 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
I -O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última. II - No que se refere às als. a) e b), não só a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada a garantia, sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes. III - Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução. IV - Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida, sendo certo que tal condição não é obrigatória, mas eventual [a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição]. Neste caso, só a limitação do corpo do artigo [a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida] é aplicável. V - A garantia a que alude a al. c) do art. 13.º da Lei 65/2003, de 23-08, é a de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida. VI - A garantia a que alude a referida al. c), se prestada, ajusta-se à emissão de MDE para fins de procedimento penal contra um nacional ou residente no Estado de emissão, independentemente de os crimes indiciados serem ou não passíveis de pena de prisão perpétua, não sendo necessário ser prestada a garantia prevista na al. b) do art. 13.º da Lei 65/2003, de 23-08, contrariamente ao que se decidiu na decisão recorrida. VII - Assim, deve ser deferida a execução do MDE emitido para efeitos de procedimento penal e determinada a entrega do requerido ao Estado membro de emissão sujeita à condição de o mesmo (Estado membro) prestar garantia de que a pessoa procurada, após ser ouvida, será devolvida a Portugal (Estado membro de execução), para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade a que venha eventualmente a ser condenada no Estado membro de emissão.
Proc. n.º 428/09.0YFLSB -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
Tem-se por adequada a aplicação de uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão (tal como decidiu a 1.ª instância) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, se o arguido, de nacionalidade portuguesa e sem antecedentes criminais conhecidos, no âmbito de um transporte como correio de droga, perante a promessa de recebimento da quantia de € 7000, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Dakar, trazendo consigo, dissimuladas junto ao corpo, duas embalagens contendo cocaína, com o peso líquido total de 2931,285 g.
Proc. n.º 368/08.0JELSB.S1 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
I -Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão-só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. II - Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados mas também e especialmente, pelo respectivo conjunto, não como um mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. III - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do seu conjunto, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. IV - Tendo em consideração que: -estão em causa 15 crimes de burla e 1 de roubo, variando a moldura abstracta do concurso entre o mínimo de 3 anos e o máximo de 35 anos e 1 mês de prisão; -os crimes em concurso encontram-se intimamente relacionados, visto que cometidos sequencialmente, no período compreendido entre 24-11-2005 e 11-07-2007; -o anterior trajecto criminoso do arguido, com início em 1987, caracteriza-se por diversas condenações, essencialmente por crimes de burla, que originaram a sua clausura entre 0707-2002 e 11-07-2004; -conforme consta do relatório social junto aos autos, o arguido revela reduzida reflexão e ausência de sentido crítico perante os crimes que tem perpetrado; -a facilidade e frequência com que assume condutas criminosas evidenciam uma personalidade com propensão para o crime, a implicar a formulação de um juízo de prognose negativo, deixando antever um futuro problemático; -no Proc. n.º .., do Tribunal de …, o arguido foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, resultante do concurso de sete penas de 3 anos de prisão, uma pena de 2 anos e 10 meses de prisão, outra de 1 ano e 10 meses de prisão e a última de 9 meses de prisão, condenação esta confirmada por este Supremo Tribunal; é de reduzir a pena conjunta aplicada [de 11] para 9 anos de prisão.
Proc. n.º 577/06.7PCMTS.S1 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
I -A aclaração ou esclarecimento da sentença pressupõe que a mesma é obscura ou ambígua, sendo que a obscuridade é a imperfeição da sentença que se traduz em ininteligibilidade e a ambiguidade se verifica quando à decisão podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos. II - Não constitui fundamento de aclaração de sentença a colocação de uma questão nova de eventual inconstitucionalidade de interpretação normativa assumida na decisão aclaranda, nem a discordância da arguida relativamente ao decidido, com indicação das razões que a motivam, pretendendo que o STJ se pronuncie sobre essas mesmas razões.
Proc. n.º 3938/03.0TDLSB.S1 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
I -O disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões absolutórias está dependente do facto de as mesmas se reportarem a crimes julgados pelo tribunal colectivo, ou do júri, ou seja, que se inscrevam no catálogo do n.º 1 da al. c) do art. 432.º do mesmo diploma (serem punidas com pena superior a 5 anos). II - O recurso restrito ao pedido cível, quando transitou em julgado a parte penal que julgou definitivamente a responsabilidade criminal, não pode ferir o caso julgado que se formou em relação àquela responsabilidade; consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal. III - Porém, a imposição da força de caso julgado da matéria de facto relevante em termos penais à decisão a proferir autonomamente em relação à matéria cível pressupõe que a mesma matéria de facto surja como consequência lógica e adequada de um processo racional e aquisitivo, ou seja, pressupõe um convencimento resultante de uma lógica augumentativa isenta de qualquer mácula na sua formação e, nomeadamente, alheia à existência de um dos vícios do art. 410.º do CPP. IV - O recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, ou determinando a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. V - Se o Tribunal da Relação, ao apreciar a matéria de facto, faz incidir a sua valoração na forma como se formou a convicção expressa na decisão recorrida, tal valoração tem de incidir sobre a forma concreta como tal decisão avaliou a prova, sendo irrelevante o juízo de valor que discorra sobre uma construção lógica que não é a constante da decisão recorrida – se o tribunal se pronuncia sobre um inexistente juízo de credibilização da decisão recorrida está a subtrair-se do objecto do recurso e a construir uma decisão sem fundamento. VI - Incorre no vício a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, a decisão do Tribunal da Relação que arranca de um pressuposto que não se verifica, ou seja, o de que o juiz de 1.ª instância não atribuiu credibilidade in totum ao depoimento testemunhal essencial para afirmação de culpabilidade, quando é certo que tal interpretação não tem correspondência com a formação da convicção do mesmo juiz que cingiu a atribuição de falta de credibilidade a um segmento muito concreto daquela prova testemunhal.
Proc. n.º 196/00.1GAMGL.C1.S1 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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