Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I -O fundamento de direito da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, funciona quando surjam factos novos que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da sentença condenatória apresentando-se o recurso como meio instrumental de correcção do erro judiciário e o triunfo da justiça material sobre a formal, embora com sacrifício do caso julgado, que surge de valor relativizado.
II - E têm de ser factos ou meios de prova com projecção no quadro pré-definido de forma a, com probabilidade forte, a decisão revidenda ser modificada ou anulada, possuindo força para atentarem frontalmente contra o valor do caso julgado.
         Proc. n.º 378/07.5PTAMD-A.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral Pereira Madeira
 
I -As razões lógicas dos sistemas que admitem o enxerto do pedido cível na acção penal são as mais díspares, mas todas elas se reconduzem, essencialmente, à vantagem da não contradição de julgados, à economia processual e ao interesse do lesado, que, funcionando como auxiliar do juiz, o habilita a melhor avaliar a extensão do dano, se exime a despesas e incómodos, além de que a estrutura do processo penal, se mais simples do que a cível, assegurará justiça mais célere, simples e acessível – cf. Prof. Vaz Serra, in BMJ 91.º/56.
II - No plano substantivo o processo penal recebe por incorporação os pressupostos que fazem nascer, nos moldes do direito substantivo, a obrigação de indemnizar (art. 129.º do CP); no plano da tramitação processual a acção penal rege-se pelos princípios orientadores do processo penal, com especificidades próprias de que são exemplo a ausência da cominação plena ou semiplena para a falta de contestação, a susceptibilidade de as pessoas com responsabilidade civil poderem intervir espontaneamente, a legitimidade do lesado para demandar – entendendo-se como tal todo o que sofreu dano, não tendo que ser necessariamente ofendido, cabendo-lhe, tão-somente, o ónus de sustentar e provar o pedido –, assimilando-o ao assistente, a circunstância de não ser obrigatória a constituição de advogado em certas condições, e o direito que assiste ao julgador de remeter os seus sujeitos processuais para os tribunais civis atenta a complexidade do pedido ou para fixação da parte não liquidada da indemnização, e mesmo de a fixar provisoriamente em certo contexto, indicando, ainda, os casos de excepção à regra da adesão obrigatória – arts. 78.º, 73.º, 74.º, 76.º, 80.º, 82.º, 82.º-A, e 83.º, todos do CPP.
III - Com o CPP87 o enxerto cível adquiriu estatuto de acção cível, sem prejuízo do princípio da adesão.
IV - Nele vigora o princípio do pedido, fazendo-se impender sobre o demandante o ónus de alegação de factos de que o juiz não conhece no exercício das suas funções, pedido esse, em certos casos, despido de especiais formalidades de alegação – cf. n.º 3 do art. 77.º do CPP – mas, no mais, adstrito a uma certa estrutura e oportunidade de apresentação.
V - Por força do princípio da adesão o demandante junta, pois, a sua concreta pretensão à enunciada na acusação, que, com a sua, constitui fundamento do enxerto, fundindo-se em uma só causa de pedir, simples ou complexa; por força da teoria da substanciação, consagrada no nosso direito, o objecto da acção cinge-se ao pedido, definido através de certa causa de pedir, enquanto acto ou facto concreto, idóneo, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer – art. 498.º do CPC e Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 111.
VI - O facto penalmente relevante enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito é o resultante da actividade probatória do tribunal apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção probatória, nos termos do art. 127.º do CPP.
VII - Ao contrário do que sucede no sistema de prova legal, em que a convicção probatória se faz através de provas legalmente pré-fixadas, atribuindo-se a cada uma o significado abstractamente prescrito por lei, ao qual o juiz está vinculado e de que não pode divergir (por isso se apelida de sistema de prova vinculado), no sistema de prova livre o juiz valora objectivamente o facto, de acordo com a sua individualidade histórica, tal como foi adquirido no processo através dos diversos meios de prova, diligências e alegações, sem esquecer aquilo que, comprovados certos factos, pode inferir, porque é normal suceder (id quod plerumque accidit), sem grande margem de erro, ou seja, por força das regras da experiência que funcionam como “critérios generalizantes e tipificantes de inferência factual”, “…com validade no contexto atípico em que surgem…”, e que mais não são do que “índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância”, orientadores dos caminhos da investigação, oferecendo probabilidades conclusivas, mas nada mais do que isso, no ensinamento lapidar do Prof. Castanheira Neves, in Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 48.
VIII - Não são, pois, meios de prova, instrumentos de obtenção de prova, antes raciocínios, juízos hipotéticos, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, donde o seu carácter atípico, como se doutrinou no Ac. deste Supremo de 07-01-2004, Proc. n.º 03P3213, permitindo atingir continuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça, por não estar contaminado pela possibilidade física mais ou menos arbitrária, impregnado de impressões vagas, dubitativas e incredíveis.
IX - As regras da experiência são aquelas que, como ensina, por sua vez, o Prof. Vaz Serra, «são ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria» – in Provas (Direito Probatório Material), BMJ 110.º/97, citando Nikisch –, que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil (cf. Ac. do STJ de 09-02-2005, Proc. n.º 04P4721).
X - É pacífico o entendimento por parte do STJ de que ao recorrente é vedado erigir na fundamentação do recurso anomalias ao nível da matéria de facto, embora possa sugeri-las e este Tribunal declará-las oficiosamente, se tal se mostrar imprescindível ao dizer do direito (cf. os recentes Acs. proferidos nos Procs. n.ºs 06P0303, em 22-04-2009, e 145/05, em 27-05-2009), mantendo-se o STJ ainda na reserva de competência fixada nos arts. 434.º e 432.º, n.º 2, al. c), do CPP, reforçando, também, este último a competência para o conhecimento restrito, exclusivamente, da matéria de direito atinente a acórdãos finais condenando em pena superior a 5 anos.
XI - Este Supremo Tribunal não se intromete, por regra, antes acata a matéria de facto fixada, como tribunal de revista que é, estando-lhe vedado sindicar a assente nas instâncias, porque não teve acesso às provas que desfilaram perante o colectivo, concentradas na audiência, imediação com elas, mas em sede de recurso pode exercer a adequada censura sobre a legalidade das provas de que o tribunal se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente se elas envolvem violação da lei, ou sobre o grau de convicção necessário para a decisão (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 347), particularmente a adequação das considerações tecidas pelo colectivo como conformes às regras da experiência para sustentar a sua convicção. A este Tribunal não está vedado reexame sobre se o raciocínio usado pelo julgador incidente sobre certos factos consequencia, segundo a ordem lógica das coisas, um espaço factual sem soluções de descontinuidade, com utilidade à causa, capaz de fundar um facto suficientemente credível.
XII - Tendo em consideração que: -num plano objectivo, a causa da derrocada da varanda do 1.º andar do edifício, consistiu na «má colocação da armadura de ferro no betão» da laje da varanda, um «problema de betão armado», consequência da «colocação da armadura na parte inferior da varanda, quando o devia ser na parte superior», em desrespeito do projectado pelo arguido E, colocação da autoria dos trabalhadores contratados pelo arguido R, sob instruções deste, não portadores dos indispensáveis conhecimentos técnicos, em termos de prevenção de dano e segurança na construção, trabalho esse havido «como violação de uma regra básica»;-num plano subjectivo, o arguido E, técnico portador da exigível licenciatura em engenharia civil, ao projectar a obra a pedido do arguido R e assinar o termo de responsabilidade assumiu o encargo de direcção técnica, impendendo sobre ele o dever jurídico de a acompanhar a par e passo (mesmo que o R não lhe tivesse comunicado o início da obra, não constando que o haja impedido de a fiscalizar); -ao omitir o dever de acompanhamento da obra, sobretudo nas suas fases mais cruciais, designadamente enchimento de fundações e lajes aos vários níveis e locais, o arguido E colocou em risco a segurança da obra, pois que o erro técnico que motivou o arrastamento da varanda para a queda não foi evitado porque aquele não compareceu no momento da colocação das estruturas de betão armado nem fiscalizou essa colocação a posteriori, removendo o risco de lesão de bens jurídicos alheios; -essa conduta omissiva, própria de quem tem sobre si um especial dever de vigilância, de garantia de que o resultado lesivo não ocorre, torna o agente responsável, nos termos do art. 10.º, n.º 2, do CP; -o arguido E não agiu com o dever de cuidado que as circunstâncias do caso impunham, adequado a prevenir o dano, dever esse concretizado pelas normas jurídicas aplicáveis, complementado por normas prudenciais e usuais da profissão, o que significa que actuou com negligência – art. 15.º, n.º 1, do CP; -por seu turno, o arguido R iniciou, prosseguiu, introduziu alterações à obra projectada inicialmente e finalizou-a, à revelia do arguido E, que não contactou e ao qual se substituiu na respectiva direcção, representando a possibilidade de que a edificação, sobretudo as estruturas de betão, em particular as varandas, se processasse à margem das boas e aconselháveis regras de construção, uma vez que os trabalhadores por si contratados não dispunham dos conhecimentos indispensáveis, agindo sem o cuidado imprescindível, não comunicando o início da obra ao arguido E, sequer exigindo a presença de outro técnico qualificado ou o recurso a empreiteiro da construção civil, atenta a dimensão da obra, não curando de indagar, como se impunha e era capaz, se tinham sido cometidos erros que comprometessem a segurança, incorrendo em negligência; -a assunção de responsabilidades para cujo desempenho o agente não tem os conhecimentos e as capacidades necessárias, sendo esta falta conhecida (bastaria a mera cognoscibilidade do agente), implica tipicidade da conduta (cf. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, II, UCP, 2004, pág. 388, e Paula Ribeiro de Faria, anotação 17.ª ao art. 148.º do CP, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999); -do facto material da queda advieram para o demandante L lesões muito graves, das quais resultou a privação da possibilidade de falar, de se locomover, de trabalhar, das suas capacidades intelectuais, ao fim e ao cabo a impossibilidade de usar o corpo, bem como perigo para a própria vida; -por sua vez, a demandante M ficou diminuída de forma grave na sua capacidade de trabalho, pois ficou com uma IPP de 23%; ambos os arguidos cometeram um crime de ofensa à integridade física com negligência grave, p. e p. pelos arts. 143.º, als. b) e c), e 148.º, n.º 3, do CP82, e pelos arts. 144.º, als. b) e d), do CP95, e 148.º, n.º 3, do CP na versão actual, agravando o resultado as lesões corporais advindas ao conjunto dos lesados.
XIII - O apurado facto material, histórico, tornado imutável, sobre ele se formando caso julgado, fundamenta os pressupostos em que se apoia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliniana enunciados no art. 483.º do CC. E a responsabilidade civil do arguido R tem, ainda, a suportá-la a relação de comissão estabelecida com os trabalhadores contratados, nos termos do art. 500.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
XIV - Não temos como certa a limitação, no domínio do direito não patrimonial, do quantum indemnizatório ao fixado para o dano da morte, porque em certos casos, sobretudo naqueles em que o lesado está condenado a permanecer numa situação irreversível enquanto for vivo, em estádio vegetativo, totalmente dependente de terceiros, em sofrimento permanente, tanto para si como para familiares, sem expectativa de recuperação, manda a justa avaliação das coisas, um justo critério de bom senso e de percepção da realidade, que serve de padrão, de guia no recurso à equidade para fixação do dano não patrimonial, que possa exceder-se esse quantitativo, em nome de uma justa e adequada tutela da integridade física e moral.
XV - O resultado morte funciona apenas como um ponto de referência, mas não inultrapassável. Sem se cair no exagero, nada impede que se arbitre uma indemnização por danos não patrimoniais superior ao montante fixado pelo dano da morte, ao nível jurisprudencial, e sem quebra da sua matriz uniformizadora, sublinhou-se no Ac. deste Supremo Tribunal de 03-09-2008, Proc. n.º 2389/08 -3.ª.
XVI - Tendo a qualidade de vida do demandante ficado gravemente afectada, a sua esperança de vida reduzida a um estádio quase ou mesmo vegetativo, temporalmente comprometida, tudo isto acompanhado por um intenso e permanente sofrimento, dor física e psíquica (não exclusivamente a si circunscrita), o quantum doloris é elevadíssimo e o pretium doloris –a fixar em função da extensão e gravidade dos danos, do grau de culpa dos lesantes e da condição económica destes (desafogada) e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494.º do CC) –, sob o modelo de compensação (pois não pode ser avaliado pecuniariamente ou alvo de medida monetária), há-de corresponder-lhe em igual medida.
XVII - Por isso, uma avaliação justa do valor da integridade corpórea, física, enquanto direito de personalidade, com protecção na lei ordinária e fundamental (arts. 70.º do CC e 24.º e 25.º da CRP), rejeita uma compensação miserabilista, mostrando-se sem a mais leve razão para reparo o montante indemnizatório de € 45 000 pelo dano não patrimonial sofrido pelo demandante L, e merecendo também a nossa concordância a condenação ao pagamento de parte da indemnização em forma de renda, aqui com a natureza vitalícia, atenta a duração previsível do dano, assumindo expressão pecuniária coincidente com o salário mínimo nacional a arbitrar a terceiro que dele cuide enquanto for vivo – art. 566.º, n.º 2, do CC.
XVIII - A indemnização pelo dano patrimonial futuro deve corresponder a uma quantificação que, segundo o curso normal das coisas ou de acordo com as circunstâncias do caso concreto, à luz de um juízo prudencial, baseado na lógica e no bom senso, usando juízos de probabilidade e de verosimilhança, ou seja, mitigado pela equidade, a corrigir, em regra por defeito, os diversos critérios de cunho instrumental de que usualmente se lança mão.
XIX - Abrangendo um longo período de tempo, conhecendo-se de antemão as dificuldades de previsão, o apelo a critérios de equidade propicia um aceitável e justo critério, consagrado no art. 566.º, n.º 3, do CC, o que se mostra inconciliável com fórmulas matemáticas ou com o recurso a tabelas financeiras ou aos critérios usados para cálculo das pensões laborais ou de usufruto.
XX - Pode considerar-se um dado assente ao nível da jurisprudência e doutrina que o facto de se não exercer, à data do acidente, uma profissão não obsta ao cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens; o dano pode resultar tanto da privação do que o homem tem como do impedimento de aquisição daquilo que estava a caminho de ter (Prof. Castro Mendes, Do Conceito Jurídico de Prejuízo, pág. 45).
XXI - Vem este Supremo Tribunal entendendo que a indemnização por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa, que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade, capital este que, sendo entregue imediatamente, deve ser objecto de uma dedução, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, dedução que é usual situar-se em ¼ – cf. Ac. do STJ de 29-10-2008, Proc. n.º 3373/08 -3.ª. XXII -A natureza da responsabilidade civil entre os responsáveis demandados é solidária, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do CC, mas o direito de regresso entre eles existe na precisa medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis – n.º 2. XXIII -No caso concreto, é desigual o grau de culpa que os arguidos manifestaram, e em maior grau a do R, ilidindo os factos a presunção de culpa por igual, sendo de fixar em 30% a do demandado R e em70% ado E.
         Proc. n.º 81/04.8PBBGC.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -O regime de obrigação de permanência na habitação, sendo embora menos gravoso que o da prisão preventiva, é-lhe afim, por limitar fortemente a liberdade individual, comprimindo-a no segmento em que ela se apresenta crucial ao desenvolvimento do homem como ser de relação, ou seja, no seu jus ambulandi, só em condições excepcionais se estabelecendo restrições mitigando a sua rigidez.
II - A Lei 48/2007, de 29-08, inovando em relação ao direito anterior, agravando, no contexto próprio, a condição pessoal do arguido, veio consignar que sendo o acórdão da Relação confirmativo da decisão condenatória da 1.ª instância, a duração máxima da prisão preventiva pode atingir metade da duração da pena cominada – n.º 6 do art. 215.º do CPP –, seja ela uma só ou a resultante de cúmulo.
III - Não se define a latitude do conceito de confirmação, mas numa visão unitária do sistema onde se não concebem contradições, quais corpúsculos estranhos ao sistema, tem de entender-se, ultrapassando o próprio elemento literal do preceito do art. 215.º, n.º 6, do CPP, que é confirmativa a decisão da Relação que mantém a condenação penal de 1.ª instância como aquela que aplique pena em medida inferior, porque até aos limites da coincidência com a mais ampla subsiste inteira confirmação, desinteressando a parte eliminada por excesso.
IV - Para efeitos de duração de prisão preventiva o conceito de confirmação há-de valer com o mesmo sentido e alcance.
V - O processo de habeas corpus traduz uma providência célere contra a prisão e vale, em primeira linha, contra o abuso de poder por parte das autoridades policiais, mas é compatível conceber a sua utilização como remédio contra o abuso de poder do próprio juiz, apresentando-se tal medida como privilegiada contra o atentado do direito à liberdade.
VI - A medida tem como pressuposto de facto a prisão efectiva e actual; como fundamento de direito, a sua ilegalidade.
VII - Prisão efectiva e actual compreende toda a privação de liberdade, quer se trate de prisão sem culpa formada, com culpa formada ou em execução de condenação penal, ou seja, aquela que se mantém na data da instauração da medida e não a que perdeu tal requisito.
VIII - Está fora do âmbito da providência sindicar procedimentos processuais ou discutir a bondade das decisões, particularmente quando a coberto do caso julgado ou quando em tempo útil os interessados tiveram oportunidade de recorrer aos meios ordinários, normais, de impugnação do decidido, subvertendo as regras do recurso, criando mais um grau de impugnação.
IX - A afirmação da inexistência de relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso sobre medidas de coacção e a providência de habeas corpus, independentemente dos seus fundamentos, em face ao estipulado no art. 219.º, n.º 2, do CPP, na alteração trazida pela Lei 48/2007, de 29-08, reforça aquela proibição de sindicância, reservando-a às instâncias a quem cabe o normal processo de impugnação das decisões judiciais.
X - As normas sobre a prisão preventiva incorporam, a um tempo, natureza processual e substantiva; são normas mistas, normas processuais penais formais e normas processuais penais materiais, devendo aplicar-se aquelas que se mostrem mais favoráveis, o regime de maior favor que delas dimane no caso concreto – arts. 2.º, n.º 4, do CP, e 5.º do CPP.
XI - No caso em que o prazo de duração da prisão preventiva pode atingir 5 anos e 9 meses em função da lei nova (correspondente a metade da pena de 11 anos e 6 meses que o Tribunal da Relação confirmou), mas apenas poderia elevar-se a 30 meses à luz da lei antiga (por virtude de a decisão de 1.ª instância ainda não ter transitado em julgado, referindo-se a condenação à prática de crimes elencados no art. 215.º, n.º 2, do CPP), resulta maior benefício para o requerente o regime da lex temporis acti, que deve ser o considerado.
         Proc. n.º 424/09.8YFLSB -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral Pereira Madeira
 
I -O despacho que ordena a repetição da notificação da admissão do agravo ao réu recorrente autónomo e distinto do despacho que admitiu o recurso e fixou a sua espécie e efeito -, cai na regra geral de impugnação dos despachos judiciais pela via dos recursos ou, nas hipóteses figuradas na lei, da reclamação (arts. 676.º, n.º 1 e 677.º do CPC).
II - Face a essa distinção e autonomia, não cobra aplicação ao caso o disposto no n.º 4 do art. 687.º do CPC, segundo o qual “[a] decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações”.
III - Não sendo impugnado pela forma própria, mas apenas nas contra-alegações do agravo, mantém-se subsistente e eficaz o despacho que mandou repetir a notificação da admissão do agravo ao réu e a respectiva alegação mostra-se tempestiva.
IV - O valor da causa a atender para efeitos gerais, incluindo os de admissibilidade de recurso, é o fixado definitivamente pela primeira instância, mesmo que tacitamente (artigo 315.º do CPC).
V - Formulando-se na petição inicial da acção de impugnação de despedimento um pedido de condenação em quantia certa que inclui juros legais e retribuições intercalares, o valor daqueles juros e destas retribuições não tem qualquer influência na determinação do valor da causa (esta acção não se reconduz à figura prevista no artigos 308, n.º 3.º do CPC, do processo de liquidação ou outro em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção).
VI - Fixado o valor da causa, este mantém-se, ainda que o valor da condenação seja superior, uma vez que a lei não prevê qualquer mecanismo de correcção automática daquele valor com base no montante da condenação.
VII - Esta interpretação não envolve violação dos princípios constitucionais da igualdade, designadamente na sua vertente de não discriminação, e da tutela jurisdicional efectiva, este no que respeita ao acesso ao recurso.
         Recurso n.º 3621/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator) Sousa Peixoto Sousa Grandão
 
I -Não pode imputar-se a violação do disposto no artigo 712.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), ao acórdão da Relação que altera a resposta a um quesito da base instrutória, de não provado para provado, se dele resulta que foram examinados todos os depoimentos gravados e bem assim a prova documental constante dos autos e que foi com base em tal exame que formulou o seu juízo relativamente àquela alteração.
II - Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal, em face das limitações que decorrem do consignado nos artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2 e 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), censurar a decisão da Relação de alterar a resposta ao quesito que, reportando-se ao estabelecimento do nexo de causalidade, estritamente no plano naturalístico, entre um concreto acidente de trabalho e as lesões determinantes da morte do sinistrado, se insere no âmbito da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova.
         Recurso n.º 3921/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I -No regime definido pela Lei n.º 9/79, de 19 de Março (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo), pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) e pelas Portarias de Regulamentação do Trabalho, relativas às condições de trabalho nas IPSS, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego I Série, n.º 31, de 22 de Agosto de 1985, e n.º 15, de 26 de Abril de 1996, o exercício das funções de educador de infância, bem como de coordenação pedagógica, em estabelecimento de ensino pré-escolar pertencente a instituição particular de solidariedade social, depende de habilitação específica.
II - As funções de direcção do estabelecimento e de coordenação pedagógica, não previstas no descritivo de qualquer das categorias profissionais, consignadas nas referidas PRT's, são de exercício temporário, podendo cessar em qualquer momento, por iniciativa do trabalhador ou do empregador, com a única consequência de aquele voltar à sua situação na carreira profissional.
III - O contrato de trabalho celebrado para o exercício de funções de educador de infância, sem a necessária habilitação, é nulo, à luz do disposto no artigo 4.º da LCT (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969) e do artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.
IV - Se ambas as partes sabiam da exigência de habilitação própria ou específica para o desempenho daquelas funções e, não obstante, celebraram e mantiveram entre elas um contrato de trabalho com tal objecto, sem aquela habilitação, não pode considerar-se que o trabalhador agiu de boa fé, para efeito do disposto nos n.º 5 do artigo 15.º da LCT.
         Recurso n.º 3841/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I -O despedimento com justa causa, pressupõe, nos termos do artigo artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, de tal gravidade objectiva, que -apreciado no quadro da gestão da empresa, tendo em conta, entre outras circunstâncias relevantes, o grau de lesão de interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhador e os seus companheiros -torne, prática e imediatamente, impossível a subsistência da relação laboral, ou seja, torne inexigível ao empregador a manutenção do vínculo, o que supõe um juízo de prognose sobre a viabilidade daquela relação, que só não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta.
II - Incorre em violação grave do dever de executar o trabalho com zelo e diligência, consignado no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), daquele Código, preenchendo a previsão da alínea d) do n.º 3 do artigo 396.º do mesmo diploma, o trabalhador que, exercendo funções de Controlador de Tráfego de transporte público colectivo de passageiros, incumprindo instruções da empregadora, segundo as quais deveria entregar o dinheiro das multas cobradas e, bem assim, os respectivos autos de notícia e os documentos anexos aos recibos de multa, devidamente preenchidos, no prazo de três dias após a autuação ao passageiro encontrado sem título de transporte, excede, largamente, por três vezes, esse prazo, retendo as importâncias cobradas, e, por duas vezes, omite o preenchimento dos documentos anexos aos recibos de multa, para recolha de informação necessária à elaboração dos autos de notícia, e onde são mencionados, designadamente, os dados relativos à carreira, autocarro, e hora a que são passadas as multas, o que impossibilitou que tais elementos constassem dos respectivos autos de notícia.
III - Tais comportamentos, tidos por um trabalhador a quem, anteriormente, havia sido aplicada a pena disciplinar de três dias de suspensão sem vencimento por não ter prestado contas nem feito a conferência dos valores que tinha em seu poder, geram irremediável quebra de confiança na idoneidade futura do seu comportamento, tornando imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, não obstando à aplicação da sanção expulsiva o facto de o procedimento disciplinar ter sido instaurado depois de aquele haver feito, espontaneamente, a entrega dos montantes que tinha em seu poder.
         Recurso n.º 3698/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I -Fora dos casos de instauração de inquérito prévio, só a comunicação da nota de culpa ao trabalhador tem virtualidade para interromper o prazo de caducidade, marcando, para o efeito consignado no artigo 372.º, n.º 1, do Código de 2003, o momento em que o empregador exerce o procedimento disciplinar.
II - A data a considerar para se saber se o procedimento disciplinar foi exercido nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção é, ressalvando os casos atendíveis de inquérito prévio, aquela em que a comunicação da nota de culpa é recebida pelo trabalhador (ou aquela em que devia ter sido recebida e não o foi só por culpa do mesmo).
III - Imputada ao trabalhador motorista de transportes públicos uma infracção disciplinar que se traduziu na retenção indevida de receitas que cobrava a bordo da viatura que conduzia, o não pagamento da dívida respectiva integra esta infracção, não tendo autonomia para efeitos disciplinares.
IV - O não cumprimento de um acordo entretanto celebrado no sentido do pagamento daquela mesma dívida dentro de um determinado prazo, não constitui, em si mesmo, uma nova infracção disciplinar, pois a obrigação de pagar as quantias indevidamente retidas já existia, antes do acordo de pagamento, e manteve a sua natureza, por não ter sido objecto de novação, traduzindo-se o efeito útil do acordo, apenas, no reconhecimento, por parte do autor, do montante e proveniência da dívida, e, por parte da ré, na concessão de uma moratória para pagamento da mesma.
V - Tendo decorrido 63 dias desde a data em que o empregador teve conhecimento da indevida retenção, por parte do trabalhador, de valores que estava obrigado a entregar-lhe, até à entrega da nota de culpa, o direito de exercer o procedimento disciplinar já se encontrava extinto por caducidade, visto que o respectivo prazo não se interrompeu com o despacho de 16 de Dezembro de 2005 do Conselho de Administração que mandou instaurar o processo disciplinar.
         Recurso n.º 157/09 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
 
I -Com a proibição contemplada na alínea d), do artigo 122.º do Código do Trabalho, o que a lei salvaguarda é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, nada impedindo que sendo esta constituída por diversas parcelas ou elementos, o empregador altere o quantitativo de algumas delas ou até os suprima, desde que o quantitativo da retribuição global resultante da alteração não se mostre inferior a idêntico somatório reportado ao pretérito, ou seja, ao momento anterior à alteração produzida.
II - Assume natureza retributiva do subsídio de prevenção (posteriormente denominado de subsídio de disponibilidade) que a ré pagou a cada um dos autores, mensalmente, desde 1986 e 1996, respectivamente, até 2005, por, além do trabalho desenvolvido no horário normal de trabalho, integrarem “escalas de prevenção” estando disponíveis para, em caso de necessidade, e mediante solicitação de hospitais clientes da ré, acorrerem às instalações destes a fim de procederem à reparação de avarias em equipamentos hospitalares. III – Não obstante esse carácter retributivo, tais subsídios só são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento. IV – Não constitui elemento intrínseco dos contratos de trabalho celebrados entre a ré e os autores, nem se pode concluir pela existência de um acordo prévio entre as partes no sentido de alterar os mesmos, antes devendo considerar-se inserida no poder organizativo do empregador, a integração dos autores nas sobreditas escalas de prevenção/disponibilidade que, embora tenha sido aceite por estes, resultou de acto unilateral da ré ocorrido na vigência dos contratos de trabalho.
V - Perante contratos de trabalho como os dos autores, a ré tinha o pleno direito de reorganizar a efectivação de trabalho suplementar das escalas como melhor entendesse que isso correspondia aos sues intentos.
VI - Com a integração nas escalas por iniciativa do empregador, os autores passaram a ter a mera possibilidade de realizar trabalho suplementar, nada obstando a que, no âmbito do poder organizativo, o empregador deixasse de remunerar através de um valor fixo a disponibilidade dos autores para integrar as escalas e o serviço concreto aí prestado, optando antes por retribuir parcialmente essa disponibilidade -aumentando o valor da retribuição base -e pagar como trabalho suplementar a prestação efectivamente realizada ao abrigo das escalas. VII – Não tendo os autores, a partir de Dezembro de 2005, inclusive, aceite as alterações nas escalas introduzidas pela ré, de modo a que estas passassem a ser um elemento intrínseco do contrato de trabalho – não aceitação essa traduzida na recusa em assinarem a adenda ao respectivo contrato de trabalho –, àquela era lícito fazer cessar a integração dos autores nas escalas e, consequentemente, o pagamento do correspondente subsídio.
         Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -O regime de arguição de nulidades decisórias da sentença prescrito no art. 77.º do CPT/99 também deve ser aplicado aos recursos que recaiam sobre os acórdãos da Relação (art. 716.º, n.º 1 do CPC, subsidiariamente aplicável aos recursos em processo laboral).
II - As razões de celeridade e economia processuais que justificam aquele regime -permitir ao tribunal a quo aperceber-se de forma mais rápida e clara da censura produzida, facultando-lhe o eventual suprimento -mostram-se mais prementes quando está em causa uma decisão da 2.ª instância, pois que a lei autonomiza neste caso a fase da interposição de recurso, da fase alegatória.
III - Se o recorrente guarda absoluto silêncio sobre a nulidade no requerimento de interposição da revista, reservando o seu anúncio e motivação para as subsequentes alegações, é intempestiva a correspondente arguição.
IV - Não incorre em omissão de pronúncia o acórdão da Relação que não se debruça sobre a questão de saber se é ilícita a declaração de “demissão” do trabalhador proferida com base numa informação do empregador de que lhe iria ser instaurado um procedimento disciplinar com vista ao despedimento (por a referida informação não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados, gravidade da conduta, culpabilidade do infractor e impossibilidade da manutenção da relação de trabalho), se o apelante, nas suas alegações, não coloca tal questão à apreciação da Relação, partindo aí do pressuposto de que a sua declaração foi emitida e entregue em erro e sob “coacção moral” para, só depois, falar naquilo que considera ter sido um verdadeiro despedimento ilícito promovido pelo seu empregador.
V - Por virtude do n.º 6 do art. 712.º do CPC, torna-se claro que não cabe ao STJ censurar se a Relação fez um bom ou mau uso dos poderes de apreciação da matéria de facto, a menos que essa censura decorra dos poderes próprios que o Supremo também possui nesse domínio.
VI - Porque as presunções judiciais se integram no julgamento da matéria de facto e constituem um meio probatório de livre apreciação do julgador, está vedado ao STJ proceder à sua avocação, visto que a sua competência funcional, afora as situações de controlo da prova tabelada, se restringem à aplicação definitiva do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias.
VII - Apenas o poderá fazer, por ser uma questão de direito, para aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os arts. 349.º e 351.º do CC, ou seja, se foram extraídas de factos desconhecidos não provados -, ou irrelevantes para o efeito -designadamente porque o facto presumido exige um grau superior de segurança na prova -, e, bem assim, se a ilação extraída conflitua com factualidade provada ou contraria outra que, submetida expressamente ao crivo probatório, tenha sido dada como não provada.
VIII - O Supremo jamais pode sindicar o juízo das instâncias quando estas entendem que nenhuma presunção é lícito extrair da factualidade provada.
IX - Não pode, através de presunção judicial, evidenciar-se o vício da vontade que alegadamente inquinou a declaração de “demissão” produzida pelo autor, se ficou expressamente “não provado” que os representantes do empregador tenham, por qualquer forma, ameaçado ou pressionado o autor no sentido de este apresentar a sua “demissão”, ou que lho tenham sugerido, ou que o texto da declaração do autor lhe tenha sido ditado por aqueles.
         Recurso n.º 3845/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I – Em processo a que é aplicável o CPT de 1999 e o CPC na versão anterior ao DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, se a recorrente interpôs recurso através de requerimento e, sem que tivesse aguardado por despacho liminar de admissão ou rejeição, apresentou desde logo a sua alegação, esta antecipação adjectiva traduz-se numa irregularidade da qual não resultam frustradas quaisquer das finalidades prosseguidas pelas regras atendíveis e que não teve a menor influência na tramitação do recurso. II – Sendo o empregador uma sociedade comercial é necessário que o despedimento do trabalhador – negócio jurídico unilateral receptício através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho – seja praticado por quem tenha poderes para a representar. III – A emissão de uma declaração negocial gera uma obrigação vinculante para a sociedade sempre que a mesma seja produzida por um seu representante “de iure” -art. 258.º do CC, subsidiariamente aplicável. IV – Mas pode ainda vinculá-la, sempre que a sociedade aceite tacitamente a actuação de quem, não sendo embora seu representante em sentido jurídico, se comporte na prática como tal: basta, para isso, que se evidencie uma reiterada aceitação tácita dessa representação, necessariamente correspondente à sua ratificação, cujo acto não exige a observância de forma especial (arts. 268.º e 262.º, n.º 2 do CC). V – Não configura um despedimento, a comunicação feita pelo Encarregado da ré empregadora a uma filha da trabalhadora, no âmbito de um telefonema feito por esta, de que o contrato com a sua mãe não seria renovado e que esta estava despedida. VI – À autora cabia demonstrar (art. 342.º, n.º 1 do CC), o que não fez, que o dito Encarregado tinha poderes para emitir em nome da ré a declaração de despedimento que produziu ou, ao menos, que esses poderes eram tacitamente aceites por ela.
         Recurso n.º 3617/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -Face à literalidade do art.º 467.º, n.º 1, do CPC e ao formalismo que caracteriza toda a actividade processual, afigura-se-nos que a petição inicial deve ser constituída por uma só peça, não só por ser de presumir que o legislador soube exprimir cabalmente o seu pensamento (art.º 9.º do C.C.), mas também por essa ser a interpretação que se mostra mais razoável em termos de inteligibilidade da petição e de salvaguarda do direito de defesa do réu.
II - Admite-se, porém, que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, desde que essa remissão se destine a completar a exposição já feita na petição.
III - A resposta à nota de culpa não pode ser considerada parte integrante da petição inicial, apesar de, neste articulado, o autor a ter dado como reproduzida e integrada, se as questões nela suscitadas (prescrição das infracções disciplinares e caducidade do procedimento disciplinar) não tiverem sido invocadas na petição inicial.
IV - A impugnação da matéria de facto é de rejeitar, se o recorrente não especificar os factos que considera incorrectamente julgados e se não indicar, relativamente a cada um desses factos, quais os meios de prova que, na sua opinião, impunham uma decisão diferente.
V - Não constitui impugnação da matéria de facto aquela em que o recorrente, sem atacar as respostas dadas aos quesitos, se limita a alegar que os factos articulados na resposta à nota de culpa, para que havia remetido, também deviam ter sido levados em consideração pelo tribunal.
VI - A não consideração de tais factos, que não foram levados à base instrutória, não determina a nulidade da sentença.
         Recurso n.º 3967/08 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
 
I -O direito de aplicar a sanção de despedimento caduca decorrido que seja o prazo previsto na lei ou no instrumento de regulamentação colectiva, para o empregador proferir a decisão final, mas tal prazo só começa a correr depois de ter terminado o prazo para a comissão de trabalhadores emitir o seu parecer.
II - Por sua vez, o prazo para a comissão de trabalhadores emitir parecer só se inicia depois dela ter sido notificada para esse efeito, devendo essa notificação ser acompanhada de cópia integral do processo disciplinar.
III - Se a referida cópia não for remetida, o prazo para emitir parecer não começa a correr.
IV - E o mesmo acontece, quando a comissão de trabalhadores, tendo fundadas dúvidas acerca da integridade da cópia que lhe foi enviada, solicite ao empregador o esclarecimento das mesmas.
V - Neste caso, o prazo para emitir parecer só começa a correr depois daquelas dúvidas terem sido devidamente esclarecidas.
VI - Não constando o relatório final do instrutor da cópia enviada à comissão de trabalhadores, a dúvida acerca da integridade da mesma é absolutamente pertinente, por ser, pelo menos, discutível se aquele relatório, a existir, deve acompanhar, ou não, a dita cópia.
VII - A não especificação das normas violadas na decisão recorrida não conduz à deserção do recurso.
VIII - Só a falta absoluta da alegação implica a deserção do recurso.
         Recurso n.º 154/09 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
 
É de manter a qualificação por crime de homicídio e afastar a de crime preterintencional, p. e p. pelo art. 147.º do CP, uma vez que se deu como provado que o recorrente desferiu um golpe com a faca que empunhava no pescoço da vítima, seccionando vasos, tecidos moles e musculares da face lateral direita do pescoço, a traqueia, a transição da glote para a epiglote e o esófago, fazendo-o de modo a “atingir a vítima em órgãos vitais que provocassem a sua morte”.
         Proc. n.º 2088/07.4GCALM.S1 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos
 
I -O facto de, em virtude de uma irregularidade relacionada com a notificação ao co-arguido AC, o despacho de declaração de excepcional complexidade ter sido ineficaz em relação a este (por privação do exercício do contraditório) – o que levou à respectiva libertação –, não implica que esse despacho não seja válido e plenamente eficaz em relação aos demais arguidos.
II - Só em relação a esse arguido se justifica um tratamento diferente, não podendo pois a sua libertação, decorrente da ultrapassagem do prazo máximo de prisão preventiva em relação a ele, ser invocada para restituir à liberdade outros arguidos, apelando-se apenas para o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
         Proc. n.º 2741/07.2TDLSB-J.S1 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos Carmona da Mota
 
I -A providência de habeas corpus constitui um procedimento extraordinário constitucionalmente consagrado – arts. 27.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, da CRP, com natureza de acção autónoma com fim cautelar destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade, reconduzindo-se todos os seus fundamentos à ilegalidade da prisão, designadamente, por via da sua efectuação ou determinação por entidade incompetente, por motivada por facto que a lei não permite ou por se manter para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.
II - É manifestamente infundada a petição de habeas corpus em que o peticionante se encontra em cumprimento de pena de prisão, imposta por execução de sentença judicial condenatória transitada em julgado.
         Proc. n.º 357/09.8YFLSB -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Raul Borges Pereira Madeira
 
I -A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do nº 1 do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, exige, cumulativamente, os requisitos de (i) existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade empregadora, (ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições, (iii) voluntariedade na assunção dessa conduta, mesmo que não intencional, sem que, para tanto haja causa justificativa, e (iv) a existência de um nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente. II – Ao se exigir que a violação careça de “causa justificativa” pretende-se atender à violação das condições de segurança específicas da empresa, bastando que o trabalhador conscientemente viole essas regras. III – As condições de segurança emitidas pela entidade empregadora são, apenas, as estabelecidas por esta em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão. IV – Estando em causa um acidente de trabalho e sendo suscitada a questão da não reparabilidade do mesmo, o ónus da prova dos factos que conduzam a essa não reparabilidade impende sobre quem dessa circunstância retirar proveito, ou seja, as entidades às quais o nosso sistema jurídico-laboral infortunístico comete o encargo de reparar as consequências do sinistro. V – As prescrições constantes dos artigos 272º a 274º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto – que correspondem, na sua essência, àquilo que se encontra normatizado, nomeadamente, nos artigos 4º, 8º, 9º e 12º do Decreto-Lei nº 441/91, de 14 de Novembro –, são aplicáveis às situações ocorridas após a vigência daquele Código, devendo, por isso, terem-se por revogados tacitamente os indicados normativos do Decreto-Lei nº 441/91. VI – Violou as regras de segurança contidas nos artigos 272º a 274º do Código do Trabalho e no Decreto-Lei nº 5072005, de 25 de Fevereiro, a entidade empregadora que dispunha de um equipamento (tapete rolante) em que laborava o sinistrado, dotado das seguintes características: -ao longo do tapete rolante e nas zonas da «cabeça» e alimentação com diversos elementos móveis – motor, roletes, tambores e correias, o primeiro e a última a trabalharem no mesmo sentido para darem movimento ao tambor e aos roletes intermédios -, não existiam elementos ou peças protectoras, como uma rede, que, relativamente aqueles vários elementos, impedissem o acesso aos elementos móveis ou o contacto com partes do corpo dos trabalhadores que manuseiam a máquina; -na máquina não existiam cabos de emergência e o respectivo manual explicitava que se não devia proceder a qualquer trabalho de manutenção nela quando a mesma se encontrasse em funcionamento e que, caso ocorresse uma deficiente aderência do tapete aos roletes que o movem, dever-se-ia imobilizar o tapete, proceder à remoção de parte da carga transportadora, afinar o esticador do «tambor/rolete», esticar as correias do motor do tapete e, só após, reiniciar a marcha do tapete; -era procedimento habitual colocar «cola» no tapete, nos dias húmidos e chuvosos, com o equipamento a funcionar, junto dos roletes intermédios, logo a seguir ao primário, situados a cerca de dois ou três metros do início daquele tapete, mas do lado de fora dos roletes e sem que o trabalhador introduzisse o braço na máquina; -a empregadora tinha informado os seus trabalhadores, incluindo o autor, do perigo de trabalharem na zona da «cabeça» do tapete e para ali não trabalharem com a máquina em funcionamento; -os superiores hierárquicos do sinistrado forneceram indicações no sentido de ser aplicada «cola» quando se verificasse que o tapete não aderia aos roletes, podendo a «cola» ser aplicada em qualquer ponto do tapete, sendo desnecessária a colocação junto do tambor. VII – Não configura a existência de ordens ou instruções proibitivas do acesso dos trabalhadores à zona da «cabeça» da máquina quando esta se encontrava em funcionamento, e a que o sinistrado desobedeceu ao ir apor a «cola» junto dos roletes da zona da cabeça, mas tão só informação dos perigos desse acesso, se apenas ficou apurado que não era habitual os trabalhadores da empregadora colocarem «cola» ou efectuarem qualquer trabalho de manutenção da máquina na zona da «cabeça» do tapete com o equipamento a funcionar, tendo já a empregadora informado os seus trabalhadores, incluindo o autor, do perigo de trabalharem naquela zona e para ali não trabalharem com a máquina em funcionamento, e que os trabalhadores são informados das tarefas que têm de desempenhar, como devem desempenhá-las e dos cuidados que devem ter no desempenho. VIII – Não se tendo provado a existência de ordens ou instruções expressas da empregadora a que o sinistrado desobedeceu, não cobra aplicação o que se consagra na alínea a) do nº 1 do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e no nº1 do artº 8º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, que aquela regulamentou. IX – No circunstancialismo descrito verifica-se nexo de causalidade entre o resultado da actuação da ré empregadora – ao não dotar o equipamento em causa de elementos protectores de acesso às suas partes móveis, ao não ter sinalizado o perigo decorrente da aproximação a elas, ao não ter procedido no sentido de aquele equipamento conter mecanismos apropriados que imobilizassem aquelas partes, designadamente ás zonas de maior perigo, aquando do acesso a elas, e ao ter dado indicações aos seus trabalhadores, aqui se incluindo o autor, de colocarem «cola» entre o tapete e os roletes, quando este «patinasse» – e o acidente, que ocorreu quando o autor, ao verificar que a tela do tapete rolante estava a «patinar», foi colocar «cola» ao longo do tapete, nos roletes, com a finalidade de se obter maior tracção entre estes e a tela e, ao se aproximar da zona da «cabeça», introduziu o braço na máquina junto do rolete dessa «cabeça», sendo agarrado pelo tambor na manga do «macaco» que envergava.. X – O âmbito de aplicação do disposto no nº 1 do artº 684º-A do Código de Processo Civil é diverso do constante do nº 2 do artº 715º do mesmo diploma legal, pois enquanto este último pressupõe que o tribunal a quo nem sequer se chegou a pronunciar sobre a precisa questão de mérito, por a considerar prejudicada pela solução que conferiu ao pleito, naquele artº 684º-A, parece estar subjacente a apreciação, por aquele tribunal, das várias questões co-envolvidas. XI – Tendo-se o acidente de trabalho ficado a dever a falta de observância, por parte da entidade empregadora, das regras de segurança, e resultando para o sinistrado uma incapacidade permanente, as prestações a conferir regem-se nos termos da alínea a) do artº 18º da Lei nº 100/97, devendo tais prestações ser iguais à retribuição. XII – A entidade seguradora é responsável apenas subsidiariamente pelas prestações normais, nos termos do nº 2 do artº 37, pautando-se a obrigação (subsidiária) de pagamento das prestações de harmonia com o artº 17º, ambos daquela Lei nº 100/97.
         Processo n.º 1321/05.1 TBAGH.S1 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
 
I -A norma do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil tem subjacente a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, que se reflecte no julgamento separado — quer do ponto de vista do momento lógico quer no tocante aos poderes de cognição do julgador — das questões de facto e de direito.
II - Para efeitos processuais, é questão de facto tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
III - O juízo sobre a existência de subordinação jurídica, pressupondo a verificação de que o trabalhador executa o contrato sob a autoridade e direcção do empregador, só é possível de alcançar mediante o apuramento de factos concretos — que revelem a interacção das partes na execução do contrato — e a respectiva subsunção nos referidos conceitos legais, o que implica a interpretação destes.
IV - Sendo tal juízo o ponto essencial da discussão entre as partes, a questão da subordinação jurídica apresenta-se como o thema decidendum, situando-se no domínio das realidades cujo conhecimento só pode ser adquirido através da interpretação e aplicação da lei, apresentando-se, pois, como questão de direito, que não pode ser resolvida no âmbito da decisão proferida sobre a matéria de facto.
V - As afirmações de que alguém, no âmbito de um contrato, frequentou um estágio com vista a exercer a sua actividade subordinada para o outro contraente; de que alguém, desde sempre exerceu, em concreto, sob as ordens, direcção, fiscalização e responsabilidade de outrem; de que executou o contrato, assumindo e exercendo as funções enquadráveis na categoria profissional de 'Director Comercial'; e de que resolveu o contrato de trabalho (...), tendo o contrato findado para todos os efeitos legais em determinada data, por força da rescisão operada desse modo, contêm, todas elas, valorações jurídico normativas, não podendo ser aceite a sua inclusão na decisão sobre a matéria de facto.
VI - O sentido alcançado com esta interpretação do art. 646.º do CPC, nada tem de arbitrário, inserindo-se num quadro razões de ordem lógico-processual que não distingue ou discrimina cidadãos colocados em idênticas situações contenciosas a que deva aplicar-se aquele preceito, pelo que não afecta o princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da Constituição da República.
VII - Não constando das conclusões da revista qualquer reparo ao modo como o Tribunal da Relação operou a qualificação do contrato com base na factualidade expurgada das expressões que eliminou, fundando-se a pretensão do autor recorrente, exclusivamente, em deverem considerar-se escritas as mesmas expressões, não vindo este fundamento a ser atendido pelo Supremo, não pode este apreciar o decidido pela Relação no sentido de não poder concluir-se pela existência de um contrato de trabalho.
         Recurso n.º 3619/08 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira
 
I – Para que o STJ possa ordenar a ampliação da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art. 729.º, do Código de Processo Civil, é imperioso constatar-se que, aquando da elaboração da base instrutória ou, na sua ausência, da própria fixação dessa matéria, tenha havido preterição da “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, nos precisos termos do art. 511.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. II – Essa faculdade de ampliação, relativamente ao tribunal de recurso, só pode ser exercida relativamente a factos que tenham sido articulados pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, de harmonia com o estatuído no art. 264.º do mesmo Código. III – No domínio do despedimento promovido pelo empregador, a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca”, admitindo-se os “despedimentos de facto”, corporizados numa atitude inequívoca daquele, de onde decorre necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar a relação laboral. IV – Cabe ao trabalhador, na acção de impugnação de despedimento, alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através do despedimento promovido pelo seu empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). V – Não configura “despedimento de facto”, a circunstância da ré, no dia 30 de Maio de 2005, ter impedido a autora de trabalhar no seu antigo horário de trabalho, quando se constata que no dia 22, desse mesmo mês e ano, havia comunicado à autora a alteração do horário de trabalho, com efeitos a partir daquele dia 30 -advertindo-a que o não cumprimento do novo horário a fazia incorrer em desobediência -, alteração de horário com a qual a autora não concordou. VI – Relativamente à cessação do vínculo laboral por iniciativa do trabalhador, a lei distingue entre a sua resolução e a sua denúncia (artigos 441.º a 450.º do Código do Trabalho de 2003): no 1.º caso exige-se que a desvinculação seja operada através de documento escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam e nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos; no 2.º caso exige-se, também, uma comunicação ao empregador, que, aqui como ali, constitui uma declaração negocial receptícia. VII – Diferentemente, o “abandono do trabalho” – artigo 450.º –, constituindo uma modalidade de denúncia tácita, pressupõe, ao invés, a omissão daquele acto. VIII – A figura jurídica do abandono do trabalho integra dois elementos: (i) um objectivo, que consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração, (ii) um elemento subjectivo, traduzido num “animus” extintivo, que se capta através de algo que o revele ou que exteriorize factos que, de acordo com a lei, “com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho”. IX – Para que o facto seja considerado “concludente” da vontade de não retomar o serviço, não se torna necessário que o sentido dele extraível haja sido representado pelo respectivo agente: a concludência de um comportamento determina-se “de fora”, “objectivamente”. X – Não tendo a autora feito qualquer comunicação à ré de tipo resolutivo ou denunciativo – enviou, pelo contrário, uma carta a considerar-se despedida –, o pedido indemnizatório formulado pela ré contra a autora só pode basear-se no abandono do posto de trabalho. XI – Porém, nesta situação, para que pudesse haver lugar a indemnização à ré era necessário que esta tivesse produzido a comunicação enunciada no n.º 5, do artigo 450.º do CT, dando-lhe conta do abandono do trabalho por parte da mesma, comunicação essa através de carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida da autora.
         Recurso n.º 3696/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
 
I -A autorização provisória de docência prevista nos art.ºs 58.º e 59.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo D.L. n.º 553/80, de 21 de Novembro, só é válida para o ano lectivo para que foi concedida.
II - No final do ano, a autorização caduca e o mesmo acontece ao respectivo contrato de trabalho.
III - O contrato de trabalho celebrado sem a referida autorização é nulo (artigos 280.º do CC, 4.º, n.º 1, da LCT e 113.º, n.º 1, do CT/2003.
IV - O indeferimento da autorização provisória para leccionar não acarreta a caducidade do contrato que estava em execução, uma vez que a impossibilidade de leccionar já existia à data da celebração do contrato.
V - Apesar de nulo, o contrato produz efeitos como se válido fosse, enquanto a nulidade não for declarada, em relação ao tempo em que esteve em execução.
VI - E é precisamente por isso (por produzir efeitos como se válido fosse) que o contrato também é tido como válido, no que toca aos factos extintivos do mesmo, ocorridos antes da declaração da sua nulidade ou anulação (art.º 116.º, n.º 1, do CT/2003).
VII - O despedimento, independentemente do motivo que lhe esteja subjacente, caracteriza-se por ser uma decisão unilateral do empregador, que assenta numa resolução, também unilateral, que, sendo embora vinculada, aquele é livre de tomar ou de deixar de tomar, por depender exclusivamente da sua iniciativa.
VIII - Não configura uma situação de despedimento a comunicação enviada pelo empregador ao trabalhador, comunicando-lhe que não podia continuar a receber o seu trabalho, em virtude do pedido de autorização provisória para o ano em curso ter sido indeferido pela Direcção Regional de Educação.
         Recurso n.º 622/09 -4.ª Secção Sousa Peixoto (Relator)* Sousa Grandão Pinto Hespanhol
 
I – A noção de justa causa de despedimento, constante do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, à semelhança do que se entendia no âmbito do n.º 1, do artigo 9.º da LCCT (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (a) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. II – Existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. III – No âmbito do Código do Trabalho, à semelhança do que se verificava na LCCT (art. 12.º, n.º 4), deve entender-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele, empregador. IV – O dever de obediência abrange não apenas as directrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da actividade laboral, mas também as directrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, do comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho, ou outras. V – Assim, o facto de a justificação das despesas feitas e a prestação das respectivas contas e regularização de eventual saldo do trabalhador para com o empregador, referentes aos adiantamentos por este feitos àquele, não respeitarem às funções pelo trabalhador exercidas ao serviço do empregador, no quadro do contrato de trabalho que os ligava e da categoria profissional que lhe era própria, mas sim à actividade de dirigente sindical (como representante dos trabalhadores junto do Comité Europeu de trabalhadores da ré), não impede que a conduta do trabalhador, traduzida na não apresentação dessa justificação, prestação e regularização, no prazo marcado pelo empregador, traduza uma violação do apontado dever de obediência. VI – A conclusão pela gravidade da infracção disciplinar não depende, necessariamente, da comprovação de elevados prejuízos materiais para o empregador, nem, sequer, da existência de prejuízos. VII – Verifica-se a violação dos deveres de probidade e de obediência, previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, por parte do trabalhador/autor, no seguinte circunstancialismo: -a empregadora/ré fez-lhe dois adiantamentos, cada um deles de € 600,00, referentes à sua participação, como representante no referido Comité Europeu de Trabalhadores da ré (em Março de 2004 em Paris e em Abril de 2005 em Cracóvia); -o autor não veio, por sua iniciativa, a prestar contas dessas verbas nem a entregar os documentos de suporte das despesas feitas, bem como a devolver o dinheiro de saldo que houvesse a favor da empregadora; -posteriormente, tendo esta, na sequência da reconciliação financeira das contas de empregados com o objectivo de fecho do exercício de 2005, constatado que o autor tinha saldo devedor ou negativo, em que se incluía verba respeitante aos aludidos adiantamentos, instou-o, sucessivamente, no período de Dezembro de 2005 a Março de 2006, para regularizar as contas, o que este não fez sem dar justificação para o facto; -apenas em 29 de Março de 2006, o autor entregou alguns documentos justificativos das despesas, ficando por pagar à ré a quantia de € 977,21. VIII – O referido comportamento configura justa causa de despedimento, uma vez que reveste a natureza de infracção disciplinar laboral e prolongou-se durante cerca de três meses, a tal não obstando o facto de apenas em Dezembro de 2005 a ré ter instado o autor a justificar as despesas, a prestar contas e a regularizar o saldo – sendo que não vem apurada a data em que os responsáveis da ré com competência disciplinar tiveram conhecimento da não justificação das despesas e que a iniciativa para levar a efeito tais procedimentos cabia ao autor –, deste ter cerca de 24 anos de antiguidade na empresa, nunca anteriormente ter manifestado faltas de respeito no seu posto de trabalho e não ter antecedentes disciplinares registados.
         Recurso n.º 3085/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
 
I -O crime de difamação, tendo como objecto o mesmo bem jurídico do crime de injúria – a honra e consideração –, distingue-se desta por a imputação de factos ou utilização de expressões ser feita por intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica porqualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, ao passo que, na injúria, a imputação ou juízo ofensivos da honra são dirigidos directamente ao titular desse bem jurídico (arts. 180.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, do CP).
II - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.
III - Se as expressões utilizadas pelo demandado no seu escrito constituem um ataque directo à pessoa do demandante, nada têm a ver com uma crítica da sua actuação, pois esta, por muito contundente que seja, exige sempre uma relação com o objecto criticado, e uma relação lógica, racionalmente fundada, o que não exclui a ironia, o humor, mesmo corrosivo, e o tom sarcástico.
IV - Criticar é tomar o objecto da crítica e julgá-lo, pois a crítica tem uma vertente judicativa. Não se exigindo que a actividade judicatória seja necessariamente sisuda e circunspecta, sendo compatível com uma multiplicidade de registos, desde o sério ao cómico, o que é certo é que ela tem de manter uma relação lógica com o objecto criticado e não descambar para o ataque pessoal, sobretudo quando tal ataque entre no domínio da ofensa à honra e consideração das pessoas. Se é verdade que o exercício da liberdade de expressão e de comunicação exigem, muitas vezes, um recuo da tutela da honra, esse recuo há-de ser justificado como meio necessário, adequado e proporcional para o exercício eficaz daquele direito.
V - O mesmo se diga em relação ao direito de emitir opinião num artigo opinativo. Sendo a opinião de tónica subjectiva, a verdade é que ela tem de partir de um substrato objectivo e manter com ele uma ligação lógica. Podendo expender-se uma opinião, tanto sobre um facto, um acontecimento, como sobre uma pessoa, esta última é sempre mais difícil de aceitar, sobretudo quando se traduz numa opinião desfavorável, porque aí é mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito.
VI - Uma tradição longamente firmada no seio das democracias admite com largueza a crítica e a opinião em certos domínios sociais e sobretudo políticos, aqui envolvendo mesmo os protagonistas. Todavia, a crítica e a opinião não podem ter como único sustentáculo, mesmo aí, o ataque pessoal, sobretudo quando esse ataque é imotivado, cego, ditado pela paixão ideológica ou por um espírito de vindicta ou de ajuste de contas.
         Proc. n.º 617/09 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
 
I -Na medida em que não seja ultrapassado o âmbito da crítica objectiva, caem fora da tipicidade de incriminações como a difamação, os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, e bem assim sobre os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do MP, as decisões e o desempenho político dos órgão de soberania (Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, págs. 232 e ss.).
II - Por “crítica objectiva” deve entender-se a valoração e censura crítica, enquanto se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, que não serão atingidos na sua honra pessoal [enquanto cientistas, artistas, desportistas, etc.] ou cuja honra e consideração não é atingida com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica, sendo certo que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da verdade das apreciações subscritas, e o direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas (Costa Andrade, op. cit.).
III - São ainda de levar à conta da atipicidade, os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do autor da obra ou da prestação em exame [o crítico que estigmatizar uma acusação como «persecutória» ou «iníqua» pode igualmente assumir que o seu agente, normalmente um magistrado do MP teve, naquele processo, uma conduta «persecutória» e «iníqua» ou que ele foi, em concreto «persecutório» ou «iníquo»] (Costa Andrade, op. cit.).
IV - Atingem, porém, a honra e consideração pessoal, os juízos que percam todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que legitimaria a crítica objectiva (Costa Andrade, op. cit.).
V - Tal como na liberdade de imprensa, assim também no discurso jurídico se encontram, com frequência, situações de colisão entre a liberdade de expressão e os direitos individuais, a exigir uma ponderação dos bens jurídicos conflituantes.
VI - Numa clara opção em prol da liberdade de expressão nos tribunais, estabelece o art. 154.º, n.º 2, do CPC que “não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
VII - A interpretação deste preceito sai enriquecida se for iluminada pela perspectiva da “crítica objectiva”, por ser fácil de surpreender uma clara similitude entre o critério da “crítica objectiva” e o “uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
VIII - O autor do discurso judiciário não pode olvidar os interesses em causa, aproveitando a oportunidade de apresentação duma peça jurídica para, desviando-se do seu fim próprio, produzir ataques à honra e consideração devidas à contra-parte, numa clara descontinuidade do plano lógico-conceitual em que actua; neste caso, estaremos perante uma típica conduta do crime de difamação.
IX - Poderemos, todavia, falar de atipicidade se, ainda que de forma contundente, o autor do escrito se refere aos factos praticados pela contra-parte que tenha por ilícitos, conforme o princípio consagrado no n.º 1 do art. 31.º do CP: “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”.
X - As ofensas à honra e consideração são atípicas quando se contenham nos limites do exercício da crítica a factos; fora desse âmbito serão típicas, mas hão-de ter-se por justificadas, quando resultem do cumprimento dum dever ou do exercício dum direito se não violarem os princípios da proporcionalidade e da necessidade.
XI - Age no cumprimento dum dever imposto por lei, o que determina a exclusão da ilicitude da conduta, nos termos do art. 31.º, n.º 2, al. c), do CP, o inspector do MP nomeado para proceder à instrução do processo de averiguações que descreve a factualidade disciplinarmente censurável que apurou, ainda que tais factos, cuja autoria foi atribuída ao inquirido, sejam passíveis de ofender a honra e consideração do assistente.
XII - Num processo de averiguações, é de exigir ao instrutor que aja com imparcialidade, na medida em que lhe compete sopesar os factos e qualificá-los à luz das infracções disciplinares, mas tem de se admitir que, tendo o relatório como finalidade habilitar a entidade com poder disciplinar a decidir, o seu autor possa utilizar uma argumentação e uma linguagem mais incisiva, mais enérgica, na formulação do juízo crítico, com vista a pôr em relevo a incidência disciplinar dos factos.
         Proc. n.º 828/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura
 
I -A decisão recorrida rejeitou o requerimento para julgamento em processo sumaríssimo, por considerar que a detenção de produto estupefaciente para consumo, em quantidade superior a 10 doses individuais médias diárias, constitui apenas uma contra-ordenação e não o crime do art. 40.º do DL 15/93, de 22-01.
II - Com esta posição, a decisão recorrida assume explicitamente que não segue a jurisprudência fixada, no acórdão deste STJ para fixação de jurisprudência n.º 8/2008, de 25-06, publicado no DR 146, Série I, de 05-08-2008, segundo a qual: «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só «quanto ao cultivo» como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
III - Dizem os n.ºs 1 e 3 do art. 446.º do CPP que, no caso de “qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele [STJ] fixada”, este Supremo Tribunal “pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada”. Assim, a lei indica que a regra é a de que a jurisprudência fixada deverá ser seguida, se necessário ordenando-se a sua observância. Surgindo como excepção, a eventualidade do seu desrespeito, no caso de a jurisprudência em apreço ser de considerar ultrapassada.
IV - Só um condicionalismo superveniente, em relação à altura da prolação do acórdão para fixação de jurisprudência, poderá atingir a jurisprudência fixada. Para que a jurisprudência fixada possa ser considerada ultrapassada, importa que “os juízes na conferência constatem que a questão jurídica é de novo controvertida, porque há argumentos novos e ponderosos que justificam o reexame da jurisprudência fixada” (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1193).
V - Tendo passado em revista a argumentação aduzida, na decisão recorrida, para se desrespeitar o acórdão deste STJ n.° 8/2008, não se vê que algo de novo e especialmente relevante possa levar a rever a posição adoptada no acórdão referido.
VI - O DL 15/93, de 22-01, relativo ao “Tráfico e consumo de estupefacientes” criou um tipo de crime matricial, o do art. 21.º, com referência ao qual se previram os tipos derivados dos arts. 24.º, 25.º e 26.º. Estes, distinguem-se sobretudo pela adição de circunstâncias qualificativas agravantes, pela diminuição sensível da ilicitude e pela circunstância de o agente traficar para consumir, respectivamente. No art. 40.º do diploma previu-se o crime de consumo de estupefacientes, num capítulo, o IV, reportado a “Consumo e tratamento”, e por isso é que, no art. 21.º citado, a propósito da descrição dos comportamentos que integram o tipo, se acrescentou, “fora dos casos previstos no art. 40.º”. Portanto, a problemática do consumo era tratada de modo privilegiado à parte, mantendo-se embora numa área de criminalização.
VII - A Lei 30/2000, de 29-11, no seu art. 28.º, revogou o art. 40.º do DL 15/93, de 22-01, “excepto quanto ao cultivo”. Ao mesmo tempo, previu o consumo como actividade ilícita, mas em termos contra-ordenacionais, no seu art. 2.º. Só que, segundo o n.º 2 do dito art. 2.º, “Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”.
VIII - Assim, por um lado pretendeu-se deslocar a reacção ao fenómeno do consumo para a área das contra-ordenações, mas, por outro, circunscreveu-se bastante o círculo de comportamentos considerados relevantes, para efeito de se beneficiar de uma reacção sancionatória diferente.
IX - A partir daqui, suscitaram-se fundadas dúvidas sobre o regime a aplicar, aos casos em que houvesse detenção só para consumo, e de quantidades de estupefaciente superiores ao necessário para o período de 10 dias, à luz do Mapa Anexo à Portaria 94/96, de 26-03. As opiniões divergiram tanto na jurisprudência como na doutrina, desde quantos entenderam ter-se operado não só uma descriminalização, como uma total despenalização do consumo ou detenção para consumo (sempre excluído o caso do cultivo), a quantos consideraram que estaria em causa uma contra-ordenação, mas sempre, e independentemente da quantidade de droga detida. Finalmente, já se considerou que o art. 21.º e, eventualmente, até com mais probabilidade, os arts. 25.º ou 26.º, se aplicariam também a casos de consumo, estando em causa quantidades superiores a 10 doses diárias.
X - De todo o exposto decorre que a opção do acórdão para fixação de jurisprudência foi no sentido de o art. 40.º do DL 15/93, de 22-01, ter ficado só parcialmente revogado, mantendo-se em vigor na parte não prevista no art. 2.º da Lei 30/2000, de 29-11. Ou seja, mantendo-se a punição como crime, do cultivo, aquisição ou detenção da droga só para consumo, em quantidades superiores ao correspondente, segundo a Portaria citada, a 10 doses diárias médias.
XI - Nove meses depois da prolação do “assento”, o legislador entendeu por bem proceder a mais uma alteração, concretamente a 16.ª, do DL 15/93, de 22-01. Fê-lo através da Lei 18/2009, de 11-05, cujo art. 3.º diz: “É republicado em anexo, que é parte integrante da presente lei, o Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a redacção actual”.
XII - O Anexo citado no art. 3.º é efectivamente republicado, mas não se limita a traduzir as modificações que a Lei 18/2009 introduziu, e que tiveram lugar só nos arts. 15.º e 16.º e nas tabelas I-A e II-A, anexas ao DL 15/93, de 22-01. Republica o art. 40.º do DL 15/93, de 22-01, com uma redacção que não é a que está em vigor, e que a Lei 18/2009 não modificou.
XIII - Dispensando qualquer comentário a esta disciplina, tendo em conta o que pudesse representar em termos de técnica legislativa, ou as consequências que daí pudessem advir, interessa apurar se, para efeitos do presente recurso, a aludida modificação do art. 40.º do DL 15/93, de 22-01, na republicação do diploma efectuada pela Lei 18/2009, de 11-05, pode ter alguma repercussão. Parece claro que não.
XIV - O art. 165.º, n.º 1, al. c), da CRP atribui competência legislativa à Assembleia da República em matéria penal. A Lei 18/2009, de 11-05, que não versa exactamente matéria penal, republica um diploma que inclui matéria penal. Terá resultado da iniciativa de Deputados, traduzindo-se num projecto de lei, ou do Governo, traduzindo-se numa proposta de lei, de acordo com o art. 167.º da CRP. Os projectos ou propostas de lei são agendados, discutidos e votados, na generalidade ou na especialidade, à luz do art. 168.º da CRP.
XV - Se não houve iniciativa legislativa, discussão e votação, da alteração da redacção do art. 40.º do DL 15/93, de 22-01, a republicação de uma redacção diferente do preceito, sem mais, é um acto inexistente, como acto legislativo. Só pode ser pois ignorada, por se tratar de uma alteração de um diploma legislativo operada por quem não tem nenhuns poderes para tal.
XVI - Mas se houve projecto ou proposta de lei, discussão e votação quanto à matéria da alteração do art. 40.º focado, e tal alteração não foi incluída no art. 1.º da Lei 18/2009, de 11-05, é porque houve rejeição da iniciativa de alteração. Daí que a publicação de uma redacção do art. 40.º, tida por actual, mas que se afasta da redacção que o Parlamento não quis modificar, e portanto devia ser mantida na republicação, será na mesma um acto inexistente enquanto acto legislativo. Só pode ser pois ignorada, por se tratar de uma alteração de um diploma legislativo que terá sido operada por quem não tem nenhuns poderes para tal.
XVII - O art. 3.º da Lei 18/2009, de 11-05, não tem ele mesmo qualquer conteúdo normativo. A republicação do DL 15/93, de 22-01, que esse art. 3.º anuncia, é um acto organizativo que se não propõe obviamente redefinir o direito, e simplesmente tornar mais acessível o texto da lei.
         Proc. n.º 21/08.5GAGDL.S1 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos
 
É de negar a revisão de acórdão cujo pedido é limitado à pena acessória de expulsão, com fundamento na declaração de inconstitucionalidade do art. 101.º, n.ºs 1 e 2, do DL 244/98, de 08-08, no caso de o recorrente não provar que tem os filhos a seu cargo.
         Proc. n.º 44/01.5GCSNT-C.S1 -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça Pereira Madeira
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