Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I -Nos recursos para o Supremo só podem ser suscitadas questões respeitantes à matéria de direito e não (também) quanto à matéria de facto, ainda que a coberto dos vícios do art. 410.º do CPP, o que não é contraditório com a possibilidade de conhecimento oficioso pelo Supremo dos mesmos vícios, o que mais não constitui senão uma válvula de escape do sistema, através da qual se assegura que o Supremo não tenha que decidir o direito quando os actos são manifestamente insuficientes, contraditórios ou errados.
II - Resultando dos factos provados, entre outros, que: -“o acidente deu-se porque o arguido não regulou a velocidade a que conduzia (70 Km/h) de modo a, atentas as características da via (…), em condições de segurança, fazer parar o veículo automóvel por si conduzido no espaço livre e visível à sua frente e, em especial, sem embater em outros condutores que ali circulassem; -como consequência de tal conduta, o arguido não se apercebeu da presença do ofendido e que iria embater no mesmo, como podia, se tivesse regulado a velocidade do seu veículo de modo adequado às características do local, e devia; -a vítima procedeu à manobra (…) circulando pela linha de intersecção das duas faixas que constituem o acesso ao vazadouro, passando pela via destinada ao trânsito de sentido contrário, na diagonal, e sem imobilizar o motociclo por si conduzido na linha de paragem e junto ao sinal de STOP ali existente; -o local de embate situou-se na hemifaixa destinada à circulação do veículo automóvel conduzido pelo arguido; -na berma direita da mesma existe uma elevação de terreno e árvores, acima da linha de visão dos condutores, o que faz com que não se aviste a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros”, conclui-se haver responsabilidade da vítima na eclosão do acidente, já que sobre a mesma impendia a obrigação de parar antes de entrar na estrada florestal, conforme sinalização vertical ali colocada e, uma vez que voltava para a esquerda, deveria avançar a direito,transpondo na perpendicular a hemifaixa por onde se fazia o trânsito ascendente – que era o sentido por onde se deslocava o arguido –, de forma a atingir, o mais rapidamente possível, a hemifaixa em que deveria prosseguir a marcha.
III - No entanto, para a produção do acidente também contribuiu grandemente a conduta do arguido que tinha o dever de conduzir a uma velocidade que lhe permitisse parar no espaço livre e visível à sua frente e não observou o dever de reduzir especialmente a velocidade numa curva que se lhe apresentava sem visibilidade.
IV - Deste modo considera-se que, com as referidas condutas, o arguido contribuiu para o acidente numa percentagem de 45% e a vítima numa percentagem de 55% [assim se alterando o decidido pelas instâncias que haviam fixado a repartição de culpas em 1/3 e 2/3, respectivamente].
         Proc. n.º 426/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura
 
I -O despacho que declara a excepcional complexidade do processo não tem que ser pessoalmente notificado ao arguido – aqui, requerente do habeas corpus –, bastando que o seja na pessoa do seu defensor, atento o teor do art. 113.º, n.º 9, do CPP.
II - Não tendo sido impugnado, transitou em julgado, sanando qualquer vício que o pudesse afectar, v.g., ter sido proferido sem prévia audição do arguido – cf. art. 215.º, n.º 4, do CPP.
III - Ainda que assim não fosse, a presente providência não é a sede própria para o efeito, já que o caminho a seguir seria arguir tal vício perante o tribunal que proferiu a decisão e, não tendo êxito, interpor recurso da decisão de indeferimento da arguição.
         Proc. n.º 553/09.8YFLSB -5.ª Secção Manuel Braz (relator) Santos Carvalho Carmona da Mota
 
I -O princípio da aplicação imediata da lei processual penal, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – art. 5.º, n.º 1, do CPP –, sofre, designadamente, a excepção prevista na al. a) do n.º 2 desse artigo: a lei processual não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
II - Quando ocorre sucessão de normas processuais materiais a questão da aplicação da lei no tempo a um processo ou a uma determinada fase do processo deverá ser resolvida por aplicação do regime que se mostre mais favorável ao arguido, analogamente ao disposto no art. 2.º, n.º 4, 1.º segmento, do CP: concretamente, em matéria de alteração dos prazos da prisão preventiva, o problema da sucessão de leis penais deve ser resolvido por aplicação do regime que, nessa fase, se mostre mais favorável ao arguido.
III - Só assim se salvaguarda a validade dos actos produzidos pela lei anterior, quanto aos prazos já decorridos antes da entrada em vigor da lei nova, e se evita que, por aplicação imediata da lei nova, possa resultar um agravamento da situação processual do arguido – o que sucederá nos casos em que, por aplicação da lei nova, ocorra um alargamento dos prazos da prisão preventiva.
IV - O legislador de 2007, entendendo embora, em geral, reduzir os prazos de duração máxima da prisão preventiva, decidiu, no caso de o arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, elevar o prazo máximo para metade da pena que lhe tiver sido fixada – art. 215.º, n.º 6, do CPP.
V - A comparação de regimes processuais diferentes deve ser feita em termos unitários e globais, ou seja, em face do conjunto das normas aplicáveis segundo cada um dos regimes, o que significa que não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, as normas mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes.
VI - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na habitação – o que agora decorre de norma expressa (art. 215.º, n.º 8, do CPP), mas que já antes se devia entender do mesmo modo.
         Proc. n.º 463/06.0GAEPS-E.S1 -5.ª Secção Isabel Pais Martins (relatora) Manuel Braz Carmona da Mota
 
I -O fundamento da suspeição a que se refere o art. 43.º do CPP deve ser avaliado segundo dois parâmetros: um de natureza subjectiva, outro de ordem objectiva.
II - O primeiro indagará se o juiz manifestou, ou tem motivo para ter, algum interesse pessoal no processo, ficando assim inevitavelmente afectada a sua imparcialidade enquanto julgador.
III - O segundo averiguará se, do ponto de vista de um cidadão comum, de um homem médio conhecedor das circunstâncias do caso, a confiança na imparcialidade e isenção do juiz estaria seriamente lesada.
IV - Em todo o caso, os motivos da suspeita terão que ser, como a lei refere, sérios e graves para servirem de fundamento à recusa ou à escusa, pois o afastamento do juiz (natural) do processo só pode ser determinado por razões mais fortes do que aquelas que o princípio do juiz natural visa salvaguardar, que se relacionam com a independência, mas também com a imparcialidade do tribunal.
V - O facto de o arguido em recurso na Relação, em cujo julgamento o Juiz-Desembargador peticionante da escusa participa como adjunto, ser irmão de um amigo seu, desacompanhado de outros factores (não existe qualquer ligação directa entre o peticionante e o arguido, nem sequer é afirmado que se conheçam pessoalmente; a relação de amizade é com o irmão do arguido, que aliás não teve intervenção no processo), não se mostra suficiente para pôr objectivamente em crise a confiança no peticionante, ou seja, não constitui um motivo sério e grave para o afastar do julgamento da causa, enquanto juiz natural do processo, na condição de adjunto do colectivo de juízes, não sendo, em resumo, para um observador comum e desinteressado, um motivo de desconfiança na capacidade do juiz em se manter fiel à imparcialidade que o seu estatuto lhe impõe.
         Proc. n.º 532/09.5YFLSB -3.ª Secção Maia Costa (relator) ** Pires da Graça
 
I -A Lei 48/2007, de 29-08, ao aditar um número – o 3 – ao art. 400.º do CPP, instituiu um regime recursório da decisão cível, segundo o qual mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
II - O tribunal de recurso só pode conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou devessem tê-lo sido na decisão recorrida, razão pela qual lhe está vedado pronunciar-se sobre questões que, muito embora hajam sido decididas no processo, não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que ao fazê-lo incorre em nulidade por excesso de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
III - O julgamento em recurso não é o da causa, mas sim o do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa (excepcionando, obviamente, as questões de conhecimento oficioso, questões estas que o tribunal de recurso tem o dever de conhecer independentemente da alegação e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida, quer digam respeito à relação processual, quer à relação material objecto do processo), pelo que o STJ, em recurso de decisão da Relação, não pode conhecer de questões que, embora resolvidas ou surgidas na sequência da decisão do tribunal de 1.ª instância, não hajam sido submetidas à apreciação e julgamento do tribunal de 2.ª instância.
         Proc. n.º 5953/03.4TDLSB.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -De acordo com o n.º 2 do art. 379.º do CPP, as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las.
II - Não sendo admissível recurso da sentença (recurso ordinário) as eventuais nulidades de que a sentença enferme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o próprio tribunal que proferiu a sentença – n.º 1 do art. 120.º do CPP, sendo o prazo de arguição o prazo-regra para a prática de qualquer acto processual (art. 105.º, n.º 1), qual seja o de 10 dias.
III - O prazo para arguição de nulidade da sentença, caso esta não admita recurso ordinário, conta-se a partir da data da sua notificação.
IV - Tendo a arguida apresentado o seu requerimento para arguição de nulidades do acórdão depois de decorrido aquele prazo de 10 dias subsequente à sua notificação, é de indeferir, por intempestivo, o referido requerimento.
         Proc. n.º 3938/03.0TDLSB.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -O art. 472.º, n.º 2, do CPP considera dispensável a presença do arguido na audiência para cúmulo jurídico de penas, deixando ao prudente juízo do tribunal a possibilidade de determinar a sua comparência, pelo que não é nulo o acórdão proferido na sequência de audiência na qual o arguido não esteve presente, por ter sido dispensada a sua presença, sendo que nenhum dos sujeitos processuais, MP ou arguido, pôs em causa o despacho judicial que declarou dispensável a presença daquele na audiência, nem nenhum daqueles sujeitos do processo requereu a presença do arguido no contraditório.
II - Estando-se perante uma reformulação de um cúmulo jurídico integrante de oito penas aplicadas em seis processos, ao qual foi adicionada pena por que o arguido foi condenado num sétimo processo, constando deste certidões de todos os acórdãos proferidos nos referidos seis processos, com indicação das datas do trânsito em julgado, a necessidade de expressa indicação no texto do acórdão recorrido das datas do trânsito em julgado das sete condenações englobadas no cúmulo objecto de reformulação mostra-se esbatida.
III - Por outro lado, constam do acórdão impugnado as datas de todas aquelas condenações e as datas da prática dos crimes que lhes subjazem, sendo certo que estas são anteriores à data da condenação na pena singular/parcelar aplicada ao arguido no último processo, o que tanto basta para aferir da ocorrência de concurso de crimes com superveniente conhecimento.
IV - O facto de o relatório social na base do qual o tribunal recorrido se sustentou para motivar a determinação daquela pena já se encontrar junto aos autos aquando da condenação do arguido na pena singular/parcelar, em nada afecta a sua utilização pelo tribunal, tanto mais que o mesmo foi elaborado cerca de 9/10 meses antes da prolação do acórdão impugnado, mantendo, pois, actualidade.
V - Quanto à medida da pena conjunta aplicada, ponderando que: -se está perante uma série de 9 crimes de furto qualificado, alguns agravados pela reincidência; -os crimes foram cometidos sequencialmente no período compreendido entre Janeiro de 2005 e Março de 2006, período em que o arguido se encontrava em liberdade condicional; -o arguido tem mantido um percurso de vida sinuoso, iniciado na adolescência, onde avultam várias condenações pela prática de crimes de furto e de tráfico de estupefacientes, com destaque para a condenação imposta em 05-02-03, na pena conjunta de 9 anos e 4 meses de prisão, há que considerar estarmos perante um delinquente com propensão para o crime, razão pela qual é adequada a pena conjunta de 12 anos e 3 meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido.
         Proc. n.º 483/09.3YFLSB -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -Nos termos do art. 669.º, n.º 2, do CPC, introduzido pelo DL 392-A/95, de 12-12, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando tiver ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
II - O recurso às regras do CPC que permitem em caso de lapso manifesto na aplicação da lei reformular o decidido é injustificado, porque o CPP prevê de forma autónoma a correcção do erro com as características que se apontam, inquinando a decisão, erro que tem de ser evidente e ostensivo, facilmente detectável no art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP.
III - A rejeição do recurso apresentado pelo arguido para o STJ, por inadmissibilidade legal – ainda que considerando a circunstância de o Tribunal da Relação não ter acolhido a matéria de facto fixada em 1.ª instância, alterando a decisão desta –, pese embora a pena de 7 anos de prisão, aplicada nas instâncias, ser sempre mantida, não constitui um erro para os pretendidos efeitos, uma vez que o acórdão recorrido, mesmo alterando beneficamente para o arguido a facticidade provada em 1.ª instância, manteve-se, ainda, no âmbito do tipo legal por que o arguido foi condenado, de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, confirmando a pena antes imposta, inferior a 8 anos de prisão.
IV - A confirmação, que funciona como condição de recorribilidade, abstrai de qualquer alteração factual da Relação, pois como resulta da lei a confirmação respeita ao decidido em termos de pena aplicada; aliás, essa mesma interpretação, de indiferença pela factualidade, é de seguir na al. d) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, referente à absolvição confirmada nas duas instâncias, obstando ao recurso.
V - E não pode deixar de ser referência de recorribilidade ou irrecorribilidade a pena concretamente imposta e não os factos, porque o STJ, enquanto tribunal de revista, conhece, por princípio-regra, nos termos do art. 433.º do CPP, exclusivamente de direito, em que se inclui a problemática da medida concreta da pena.
VI - Também não se pode falar de aplicação errónea da lei, dado que a letra desta, particularmente o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, não sustenta a interpretação defendida pelo arguido, que mais do que a reforma visa uma modificação essencial do decidido, a que obsta, proibindo-o, a al. b) do n.º 1 do art. 380.º mencionado.
         Proc. n.º 168/06.2JAFUN.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -A oposição entre um sumário de um acórdão publicado numa revista, havido como fundamento, e o acórdão recorrido, não satisfaz o pressuposto legal de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, uma vez que não há oposição entre um sumário de um acórdão e uma decisão de um tribunal.
II - O que importa é indagar se os tribunais, nos dois acórdãos, transitados em julgado, proferiram julgados expressos, não implícitos, porém divergentes, em termos de direito, sobre uma base factual pontualmente idêntica, no domínio da mesma legislação, sendo irrelevante a oposição entre os fundamentos e a decisão.
III - No caso em que no acórdão fundamento está em causa a violação de regras procedimentais na realização de escutas telefónicas e no uso que delas foi feito, direccionando ilegalmente as escutas à conversação entre a arguida e defensor, enquanto que no acórdão recorrido está em causa uma questão de requalificação jurídico-penal dos factos a partir da valia reduzida enquanto meio de obtenção de prova das escutas, os acórdãos não versam sobre a mesma questão de direito.
         Proc. n.º 109/07.0PJAMD-L1-A.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -As conclusões que o recorrente formula na motivação de recurso, porque resumem as razões do pedido, definem o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
II - A apreciação de questão nova suscitada na resposta ao abrigo do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não cabe em sede de revista.
III - Não é qualquer omissão na gravação de declarações prestadas em sede de audiência de julgamento que importa a repetição do depoimento, omitido na gravação ou em relação ao qual haja deficiência de gravação, sendo necessário que a omissão afecte a possibilidade de aferir do sentido do depoimento, que impossibilite a sua reapreciação.
IV - Sabendo que a gravação se destina à documentação da prova em audiência de discussão e julgamento, se houver deficiências de gravação que comprometam a sua audição ou perceptibilidade, as mesmas configuram não a existência de nulidade – por não se encontrarem elencadas no disposto nos arts. 119.º e 120.º do CPP, nem em outra disposição legal sobre a matéria (art. 118.º, n.º 1) – mas sim a existência de irregularidade, nos termos do n.º 2 do art. 118.º, sujeita ao regime do art. 123.º.
V - Deveria, na existência de tal situação irregular, ser reclamada a irregularidade durante a audiência, uma vez que atento o princípio do contraditório, a legitimidade e o interesse em agir do recorrente, sujeito processual, sempre poderia averiguar da fiabilidade e perceptibilidade da gravação ao registar a prova oralmente produzida.
VI - Não incumbe ao STJ averiguar da deficiência ou não de perceptibilidade das gravações, ou, se as mesmas estão incompletas, se falta algum suporte de registo das declarações, uma vez que se trata de questão de facto, relativa a objecto de recurso em matéria de facto.
VII - Se o tribunal de recurso competente para conhecer dessa questão se pronuncia sobre ela como fundamento de recurso, e conclui pela improcedência da mesma, não há qualquer violação legal que possa ser invocada perante o tribunal superior, nomeadamente que o recorrente ficasse afectado no direito fundamental ao recurso e ao acesso ao Direito e à Justiça; embora o direito ao recurso seja uma garantia constitucional, a mesma não engloba um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.
VIII - A lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão de 1.ª instância apenas ocorre nos termos apontados no art. 431.º, entre os quais a impugnação de factos nos termos do art. 412.º, n.º 3, e aqui devem ser indicados não os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa.
IX - De harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127.º do CPP, uma coisa é valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto.
X - Quando no recurso interposto para a Relação o recorrente se limitou a fazer uma exposição do seu entendimento probatório sobre a valoração de determinadas provas, no sentido de que importariam consequências jurídicas diferentes das retiradas da matéria de facto pelo tribunal, e que foram ignoradas por este, insurgindo-se, assim, contra a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal de 1.ª instância, acometendo a omissão da valoração desses outros aspectos probatórios a vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e a Relação conheça da matéria fáctica constante da decisão recorrida, considerando que “não tendo o recorrente dado cumprimento ao ónus de impugnação especificada, imposto pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, está este Tribunal da Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (art. 431.º do CPP), a não ser no âmbito dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP, sendo certo que o recorrente invoca dois deles, que de seguida se apreciarão”, não há rejeição liminar do recurso, não sendo também caso de convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação do recurso, pelo que não se verifica qualquer nulidade.
         Proc. n.º 259/06.0JAIAR.S1 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges
 
I -Tendo o acórdão recorrido confirmado o acórdão da 1.ª instância que aplicou à arguida recorrente uma pena não superior a 8 anos de prisão, não é legalmente admissível o recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08.
II - Se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.
III - Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais da Relação, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão prévigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos.
IV - A prolação da decisão final na 1.ª instância encerra a fase processual do julgamento e inicia, consoante o caso, a dos recursos ou a das execuções; ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
V - A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
VI - É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
VII - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
VIII - Para o conhecimento de recurso de acórdão final do tribunal colectivo em que venha invocado qualquer dos vícios previstos no art. 410.° do CPP, é competente o Tribunal da Relação, sendo que o STJ só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e nunca a pedido do recorrente.
IX - Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior; ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.
X - Assim, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio da livre apreciação da prova.
XI - A aferição de qualquer situação de tráfico de estupefacientes no sentido de se saber se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.
XII - Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo.
XIII - No caso de arguida que desenvolveu uma actividade de tráfico de droga, que perdurou no tempo, que revelou à-vontade e colaboração na disseminação da droga em termos comerciais, de forma intencional e profissional, tendo em vista desenvolver o circuito do tráfico, e tendo em conta tratar-se de heroína e cocaína, a ilicitude do facto não se mostra considerável, ou como diz a lei, consideravelmente diminuída, procedendo o crime matricial por que foi condenada.
XIV - Embora autor e cúmplice sejam figuras jurídicas distintas, na comparticipação criminosa, pois que autor é figura central do acontecimento, detendo sempre o domínio do facto, de forma exclusiva ou compartilhada (neste último caso se engloba a co-autoria) – art. 26.° do CP –, enquanto o cúmplice é mero participante no facto, agente em termos de acessoriedade, ou seja colabora com o autor, “dolosamente e por qualquer forma” prestando “auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso” – art. 27.° do mesmo diploma substantivo.
XV - A actuação de arguida, ainda que se catalogue de intervenção subordinada voluntária a outro arguido, com quem vivia, nem por isso arreda da autoria (mediata), e surge mesmo a abarcar o domínio funcional do facto, pois que ela não se limita a participar de forma acessória, nem se limita a obedecer ao referido arguido, mas integra a decisão conjunta formada entre ambos de traficarem estupefacientes.
XVI - A circunstância de a arguida pertencer a uma etnia determinada não pode conduzir a que seja privilegiada, beneficiada ou prejudicada.
XVII - As sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, a que se refere o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, não podem assumir-se a priori, outrossim devem resultar de factos que tornem viável tal conclusão, havendo que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
XVIII - Há, pois, uma obrigação legal do julgador de, oficiosamente, proceder à averiguação dos pressupostos da aplicação da atenuação especial da pena, que não ocorre de forma automática, mas que se bastará sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado.
XIX - A omissão de equacionar a aplicabilidade a um arguido do regime penal especial para jovens delinquentes, consagrado pelo DL 401/82, de 23-09, integra a nulidade constante do art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, de conhecimento oficioso, uma vez que o tribunal não conheceu de questão que era obrigado a conhecer e decidir.
         Proc. n.º 27/04.3GBTMC.S1 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges
 
I -Com a reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha trilhada pela reforma anterior (Lei 59/98, de 25-08), no âmbito da qual se entendia, de forma unânime, que o STJ só conhecia, em recurso, de acórdãos proferidos pelas Relações, que confirmassem decisão condenatória da 1.ª instância, dos crimes, singularmente considerados, cuja pena aplicável fosse superior a 8 anos.
II - Com a reforma introduzida pela Lei 48/2007, o art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, ao tomar como referência da recorribilidade para o STJ a pena efectivamente aplicada, em vez da pena aplicável, como anteriormente, restringiu substancialmente os casos de recurso para o mais alto tribunal, pois só no caso de ter sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão, que tenha sido confirmada pela Relação, se admite recurso para o STJ.
III - Mesmo nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma, de o recurso visar exclusivamentematéria de direito passar a estender-se também ao recurso do tribunal do júri, o pressuposto relativo à pena deixou de referenciar a pena aplicável para passar a referir a pena aplicada.
IV - Deste modo, só serão passíveis de recurso directo para o STJ as decisões do tribunal colectivo ou do júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos. Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta.
V - Como tem entendido o STJ, em jurisprudência praticamente uniforme, o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada) tem actualmente (isto é, depois da reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08) de ser interposto para a Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ, pelo que se haverão de considerar precludidas todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão esgota os poderes de cognição nessa matéria.
VI - É claro que uma tal interpretação é feita sem prejuízo de o STJ conhecer dos citados vícios oficiosamente. Em tal caso, o STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
VII - Mas se é assim no respeitante aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, muito mais há-de ser num recurso que, sob o manto da invocação daqueles vícios, vise, afinal de contas, a reanálise e reinterpretação da prova produzida, como pretendem os recorrentes, que continuam a fazer deste tribunal uma pura instância de recurso em matéria de facto.
VIII - O mesmo se diga em relação à invocada preterição do princípio in dubio pro reo. O STJ tem entendido que só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou ainda quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro na apreciação da prova, nos termos do art.410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
IX - A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração de prova, pode ser sindicado pelo STJ. Todavia, essa sindicação tem de exercer-se dentro dos limites de cognição desse Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja: quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
X - Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.
XI - Conforme jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do art. 355.º, n.º 1, do CPP prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas em audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes.
XII - Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal.
XIII - O objecto do processo é a acusação, enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer.
XIV - Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos constantes da acusação ou da pronúncia outros se acrescentem ou substituam, ou, pelo contrário, se excluam alguns deles. Não ocorre uma alteração dos factos quando o tribunal qualifique de maneira diversa, sem os modificar, os factos descritos na acusação.
XV - A alteração de qualificação jurídica tem de ser comunicada ao arguido nos termos do n.º 1 do art. 358.º do CPP, uma vez que o n.º 3 desse artigo manda aplicar esse regime. Tal comunicação é oficiosa ou efectuada a requerimento e, se o arguido o requerer, é-lhe concedido prazo para preparação da defesa, pelo tempo estritamente necessário.
XVI - O facto de a alteração implicar uma incriminação por crime de homicídio, que não estava prevista na acusação, em substituição de uma incriminação por roubo qualificado pela morte, que desapareceu, e de resultar dessa operação um agravamento das sanções aplicáveis, não é óbice a que o tribunal possa qualificar de maneira diversa os factos constantes da acusação ou da pronúncia, desde que respeitado o condicionalismo do n.º 1 do art. 358.º do CPP.
XVII - Se ao MP compete fazer a acusação, ao tribunal (e só a ele) compete constitucionalmente aplicar a lei e dizer o direito, decidindo os casos que lhe são apresentados e sendo independente nessa função (art. 203.º da CRP). Estando vinculado à lei e sendo independente, o tribunal tem liberdade para qualificar juridicamente de maneira diversa os factos descritos na acusação, apenas devendo prevenir o arguido de qualquer alteração de qualificação.
XVIII - A lei não estabelece nenhum momento para a alteração da qualificação jurídica ter lugar e não exige que se tenha iniciado a produção de prova. Apenas estabelece que, se tal alteração ocorrer durante a audiência, se tem de aplicar o disposto no n.º 1 do art. 358.º do CPP, ou seja, a comunicação ao arguido nos termos já referidos.
XIX - Não ocorre duplicação de julgamento pelo mesmo facto quando o recorrente foi condenado, em co-autoria, por um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP (trazer no momento do crime arma aparente ou oculta) e em autoria material, por um crime de homicídio simples, do art. 131.º do CP. Com a condenação pelo crime de roubo, puniu-se, por um lado, a violação de bens jurídicos patrimoniais, relacionados com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis, e, por outro lado, a violação de bens jurídicos de carácter pessoal, como a liberdade individual e a integridade física das pessoas. Com a condenação pelo crime de homicídio, puniu-se a violação do bem jurídico vida, inteiramente distinto daqueloutros bens, tanto mais que, no primeiro, existiu comparticipação (ou seja, pluralidade de autores) e no segundo, autoria singular.
XX - Apenas haveria duplicação, que implicasse a violação do princípio de que ninguém deve ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime, caso o recorrente fosse condenado simultaneamente pelo crime de roubo agravado pelo resultado “morte” (n.º 3 do art. 210.º do CP) e pelo crime de homicídio, o que não aconteceu no caso vertente.
XXI - É de afastar a possibilidade do resultado morte estar contido e abrangido pelo art. 210.º, n.º 3, do CP quando não existe nexo de imputação entre o homicídio e a subtracção dos objectos e dinheiro, que já tinham sido conseguidos, usando os arguidos de outro tipo de violência para o efeito. Por isso, é que o processo de determinação do agente é autónomo, em relação ao crime de roubo, verificando-se um concurso efectivo de crimes. XXII -A atenuação especial da pena prevista pelo DL 401/82, de 23-09, é determinada fundamentalmente por razões ligadas à reinserção social do jovem delinquente, nisso se distinguindo este regime daquele (regime geral da atenuação especial da pena) que está previsto nos arts. 72.º e 73.º do CP.XXIII -Certa jurisprudência do STJ, que se tem seguido, entende que o que está verdadeiramente em causa no regime penal especial para jovens são razões de prevenção especial, ligadas à reinserção social do menor, e não razões de culpa ou mesmo de ilicitude.
         Proc. n.º 169/07.3GCBNV.S1 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
 
I -A revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, apresentando-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos-índice, taxativamente enumerados no art. 449.º do CPP, seriamente, a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.
II - A invocação, pelo requerente, de circunstâncias que, a provarem-se, são susceptíveis de abalar a credibilidade de um depoimento (a testemunha teria feito um depoimento propositadamente falso, em resultado de ameaças, chantagem e coacção sobre a mesma exercidas), dado que diminuem a fé que a testemunha possa merecer, não integra o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, por não respeitar a factos probandos, mas sim aos meios de prova e respectiva força probatória.
III - Também a junção de uma carta que configura um meio de prova da alegada manipulação daquele meio de prova, não constitui, por si própria, um meio de prova da factualidade integradora do ilícito em causa, pelo que igualmente não integra o fundamento de revisão de sentença em análise.
IV - Pelos mesmos motivos, também a análise da personalidade e do comportamento da ofendida, com vista a pôr em causa o depoimento da mesma prestado em audiência de julgamento, lançando dúvidas sobre a sua credibilidade, de forma a questionar o respectivo valor probatório, não integra o fundamento de revisão de sentença invocado pelo recorrente.
V - Ao pôr em causa estes depoimentos prestados em julgamento, o recorrente fundamenta o recurso como se de um recurso ordinário se tratasse, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e não invocando quaisquer novos factos ou novos meios de prova, reportados aos factos constitutivos dos crimes ou dos quais possa inferir-se a existência ou inexistência dos elementos integradores dos ilícitos pelos quais foi condenado.
VI - Quanto ao fundamento da revisão previsto na al. a) do n.º 1 do art. 449.º, impõe-se que os meios de prova tenham sido considerados falsos por sentença passada em julgado, sendo indispensável a verificação da falsidade por sentença transitada em julgado – e no caso não há nenhuma sentença que tenha tido por objecto ajuizar da veracidade ou falsidade do depoimento em causa, concluindo pela falsidade, sendo antes uma carta, contendo uma declaração manuscrita pela testemunha e por ela assinada – não se mostra reconhecida a falsidade do depoimento que contribuiu para a formação da convicção do colectivo.
VII - A invocação da utilização de um depoimento manipulado, na decisão da matéria de facto que baseou a condenação do recorrente, poderá integrar a nova causa de revisão de sentença introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, e constante da al. e) do n.º 1 do art. 449.º, mas apesar de aí não se exigir que as provas tenham sido consideradas proibidas por uma outra sentença transitada em julgado, a garantia constitucional do respeito pela segurança e a certeza do caso julgado, e a confiança que devem merecer as decisões judiciais, impõem que este fundamento de revisão não possa considerar-se verificado com a mera invocação de que a decisão de facto incluída na sentença que se pretende rever se baseou em provas proibidas, mostrando-se necessário que tal afirmação seja densificada com elementos que a demonstrem com segurança, aquando da interposição do recurso de revisão, dado que, nos casos em que o fundamento de revisão for o previsto na al. e), não há lugar à fase de produção de prova prevista no art. 453.º do CPP para os casos da al. d).
VIII - Uma vez que o recorrente não indica que factos terão sido considerados provados com base no depoimento da testemunha, nem sequer que algum dos factos integradores dos crimes pelos quais foi condenado tenha sido considerado provado unicamente com base naquele meio de prova, pode concluir-se que não resulta da fundamentação constante da decisão da 1.ª instância, nem da motivação do recurso extraordinário de revisão, que o depoimento que o recorrente sustenta ter sido manipulado tenha sido determinante para a respectiva condenação, e, como tal, igualmente se não verifica o fundamento de revisão de sentença previsto na al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
         Proc. n.º 1566/03.9PALCS-A.S1 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis Pereira Madeira
 
I -Há que ter como abrangida na expressão legal “confirmem decisão de primeira instância”, constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância.
II - A dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, que não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.
III - Não é, pois, admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
IV - Se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.
V - Importa distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação.
VI - É, portanto, recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça um grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir.
VII - Sendo que já é aplicável a nova lei processual à recorribilidade da decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
         Proc. n.º 47/08.9PBPTM-E1 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges
 
I -Não é da competência do STJ conhecer dos vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, como fundamento de recurso, quando invocados pelos recorrentes, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação (arts. 427.º e 428.º do CPP).
II - O STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP).
III - Assim, para conhecer de um recurso interposto de um acórdão do tribunal colectivo em que se invoca qualquer dos vícios previstos no art. 410.º é competente o Tribunal da Relação.
IV - O entendimento expresso não foi alterado pela Lei 48/2007, de 29-08, que procedendo a alterações ao CPP, manteve nos precisos termos o conteúdo dos arts. 410.º, 427.º, 428.º, exclusivamente com referência ao seu anterior n.º 1, e 434.º do CPP.
V - A inadmissibilidade de recurso prévio para a Relação, a que alude o n.º 2 do art. 432.º, apenas existe quando o recurso visar “exclusivamente o reexame de matéria de direito”, o que, aliás, a al. c) do n.º 1, explicitou na parte final, apesar de resultar da regra geral constante do art. 434.º do CPP.
         Proc. n.º 421/07.8JACBR.S1 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges
 
I -Nos autos ficou provado o seguinte: -a arguida dedicou-se à venda de heroína entre Dezembro de 2005 e Setembro de 2007, primeiro através de seus filhos, ambos toxicodependentes (entretanto falecidos), depois através do co-arguido, que em compensação dela recebia diariamente uma “quarta” de heroína, abastecendo todos os dias dezenas de consumidores; -na data em que a residência da arguida foi objecto de uma busca, foram ali apreendidos, no seu quarto, 255,868 g de heroína, 74,127 g de cocaína e 10,286 g de haxixe, substâncias que aquela destinava à venda, com excepção do haxixe que se destinava ao consumo de seu filho; -foi ainda apreendida a importância de € 3500 proveniente da venda de produtos estupefacientes;-à data dos factos a arguida vivia exclusivamente do produto das vendas das substâncias estupefacientes; -a arguida começou a trabalhar como empregada fabril por volta dos 12 anos de idade, tendo como habilitações literárias a antiga 4.ª classe; -aos 19 anos de idade teve o primeiro filho e aos 23 anos iniciou uma união de facto, com o seu marido, que se encontra em cumprimento de pena de prisão; -por razões de saúde abandonou a actividade laboral aos 25 anos de idade; -passou a ser beneficiária do rendimento social de inserção; -actualmente vive com um irmão e com o filho, sendo o relacionamento familiar caracterizado pela inter-ajuda e por um forte vínculo afectivo entre a arguida e o filho; -deixou de ser conotada com actividades ilícitas relacionadas com o tráfico de estupefacientes; -sofre de hipertensão arterial e artrose dos joelhos, e é portadora de lesões osteoarticulares a nível da coluna cervical e lombar, com acentuada diminuição da sua actividade.
II - O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera.
III - A situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, reflectida no aumento da criminalidade e na degradação de parte do sector mais jovem da sociedade, o que, obviamente, impõe acrescidas exigências de prevenção.
IV - Tudo ponderado, com realce para o período de tempo durante o qual a arguida se dedicou ao tráfico e para as quantidades de heroína e cocaína que possuía na sua residência, não nos merece qualquer censura a pena de 5 anos e 6 meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido.
         Proc. n.º 601/05.0PAPNI.S2 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa
 
I -A providência de habeas corpus constitui um meio processual destinado a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – arts. 27.º, n.° l, e 31.°, n.° l, da CRP –, que visa pôr termo às situações de prisão ilegal, efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto que pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art. 222.°, n.°s l e 2, als. a) a c), do CPP –, razão pela qual apenas pode ser utilizada para impugnar estes precisos casos de prisão ilegal, pressupondo, obviamente, que a situação de prisão ou detenção (ilegal) se verifica à data da sua instauração.
II - Por isso, perante decisão proferida em processo, que imponha a privação de liberdade, nomeadamente uma pena de prisão, regule o seu cumprimento e execução, o visado ou arguido, caso dela discorde e a pretenda impugnar, deverá lançar mão do recurso ordinário, meio processual de defesa constitucionalmente garantido – n.º 1 do art. 32.º da CRP.
III - Sendo certo que o peticionante se encontra neste momento legalmente preso em cumprimento de pena, como aliás o mesmo reconhece na petição por si subscrita, pretendendo com a providência de habeas corpus que este STJ declare extintas as penas sucessivas de prisão pelas quais foi condenado, bem se vê que o pedido é manifestamente infundado.
         Proc. n.º 546/09.5YFLSB.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa Pereira Madeira
 
I -Dos elementos do processo consta que ao requerente foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, por o juiz de instrução ter verificado a existência de fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.°, n.° l, do DL 15/93, de 22-01), conjugados com o receio de fuga e de perigo de continuação da actividade criminosa.
II - Nos termos do art. 222.º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial – als. a), b), e c) do n.° 2.
III - O fundamento da providência está na discordância do requerente quanto à verificação dos pressupostos da prisão preventiva, que o juiz de instrução considerou existentes e suficientes para a aplicação da medida de coacção; contudo, no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos praticados e sobre as decisões proferidas no processo, mas têm de se aceitar os efeitos que os diversos actos produzam num determinado momento – princípio da actualidade – e retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados.
IV - No objecto da providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se as decisões proferidas no processo, valendo os efeitos que em cada momento aí produzam, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e a decidir segundo o regime normal de organização dos recursos, podem ter alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.°, n.° 2, do CPP destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade.
V - Existindo, processualmente eficaz, e cujos fundamentos não podem ser discutidos na providência de habeas corpus, uma decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, o prazo de duração da medida até à acusação é o fixado no art. 215.°, n.°s l, al. a), e 2 do CPP, que no caso ainda não decorreu, pelo que é de indeferir a providência.
         Proc. n.º 613/09.5SKLSB -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro Pereira Madeira
 
I -O recurso extraordinário de revisão, com previsão constitucional no art. 27.º da CRP, apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, mas mais justificadamente no âmbito do direito processual penal do que no direito privado, por neste a estabilidade e segurança das decisões judiciais ser um valor superior depois de alcançado o trânsito em julgado, ademais o fim da descoberta da verdade material a prosseguir no direito processual penal, pode levar a que uma condenação penal mesmo com trânsito em julgado, não seja nem deva manter-se, a todo o transe, e sobretudo à custa da postergação de direitos fundamentais, ainda que com prejuízo para a certeza e segurança do direito.
II - O núcleo essencial como pressuposto da revisão invocado pelo recorrente é fundado na al. d) do n.° l do art. 449.° do CPP, alicerçado na descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que forem apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mantido intocado na revisão operada pela Lei 48/2007, de 29-08, que alargou o leque das causas taxativas de revisão; e facto novo para o recorrente seria a circunstância de se não ter procedido na audiência à gravação das provas impossibilitando um reexame da causa ao nível de tribunal superior da matéria de facto incorrectamente fixada, em vista da sua modificabilidade.
III - Para o recorrente a falta de documentação dos actos de audiência faz funcionar o fundamento previsto naquela al. d); porém, sendo a gravação da prova um mero acto processual de registo dos depoimentos e declarações produzidas em julgamento – arts. 101.° e 364.° do CPP – tendente a habilitar o tribunal superior a uma reponderação factual, em forma segmentada, ou seja parcelar, enquanto remédio para um erro na sua fixação, bem claro se torna que é impróprio reputá-lo como o facto com a dimensão e alcance que lhe empresta aquela norma – fundamento.
IV - Facto novo é, antes e diversamente, o pedaço da vida real, um acontecimento da vida, que se revele produtor de efeitos relevantes juridicamente, constituindo, modificando ou extinguindo a realidade pré-definida e não um inobservado formalismo da ritologia processual, adjectiva, conducente à figura da irregularidade processual – art. 123.°, n.° l, do CPP – que, numa óptica de oportunidade e até lealdade processuais, deve ser logo arguida e não numa fase posterior, sob pena de sanação.
V - O recorrente acaba por esclarecer o verdadeiro objectivo da revisão: contestar “os meios de prova de que o tribunal ad quem se socorreu”, os quais “não correspondem àquilo que no entender do arguido ocorreu em audiência”, ou seja, discordando da valoração da prova levada a efeito pelo colectivo, mantida pela Relação, e intentar que, pela via deste recurso, se modifique o decidido, ou seja, conseguir, por ele uma nova instância de recurso.
VI - Não é esta a veste a atribuir ao recurso, verdadeiramente extraordinário e não mais um recurso enxertado na sua cadeia ordinária, para fazer vingar e suprir deficiências processuais a montante do julgado, guardado habilmente pelos sujeitos processuais como um “trunfo”, utilizado quando lhes pareça conveniente, em ordem à destruição de um processo.
         Proc. n.º 144/99.0SMLSB-B.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral Pereira Madeira
 
É de desatender a arguição de nulidade invocada se, como sucedeu, se devolveu à Relação, revogando-se-lhe o acórdão recorrido, a apreciação de todo um vasto leque de questões suscitadas pelos advogados arguidos e de que aquele tribunal não conhecera; foi de caso pensado o entendimento que não cabia ao STJ apreciar a questão da prescrição do procedimento criminal e amnistia, até para não suprimir um grau de jurisdição de recurso, incumbindo, após baixa, sem prejuízo evidente para os arguidos, à 2.ª instância, debruçar-se sobre tais matérias.
         Proc. n.º 279/96.0TAALM.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
I -A fixação da medida concreta da pena é, estruturalmente, um derivado dos princípios legais que lhe respeitam, do direito, sem poder ignorar-se que o acto decisório comporta, também, uma “componente individual, que não é plenamente sindicável de um modo racional, pois trata-se de converter a quantidade de culpabilidade em “magnitudes penais”, norteada por regras escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações, preponderando a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é controlável em sede de revista.
II - Nas hipóteses em que o agente se mostra reduzidamente carente de educação para o direito, a pena deve situar-se no limite mínimo ou mesmo com ele coincidir, constituindo a pena concreta mera advertência, casos dos agentes ocasionais ou situacionais, princípio que cede, em maior ou menos escala, ante hipóteses de agentes imputáveis relativamente aos quais se perderam “esperanças fundadas” de ressocialização, carentes de inocuização.
III - O arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, um de condução sem habilitação legal, ressaltando dos factos provados que o arguido desempenhou, no plano traçado com os demais arguidos, por todos querido e desejado, de apropriação ilegítima de bens ou valores de terceiro, inclusive o recurso à força, um papel preponderante, pois foi ele que em 3 deles empunhou uma faca que encostou à barriga e pescoço das vítimas e em mais 6 uma pistola de alarme, transformada e apta ao disparo de munições de calibre 6,35 mm, de que era dono e que apontou às suas vítimas; as vítimas eram, salvo um caso, empregadas de postos abastecedores de combustível o alvo preferencial da acção criminosa conjunta e em co-autoria, postos esses dos quais retiraram dinheiro em caixa, num total de € 3673,09 e, ainda, tabaco.
IV - Tendo a pena única como limite mínimo 3 anos e 3 meses e máximo 25 anos, entende-se adequada a pena única de 10 anos de prisão, dado que, sem menosprezar a gravidade dos factos e a necessidade de, pela pena, fazer interiorizar ao arguido as maléficas consequências do seu proceder, não se crê que os ilícitos em causa dimanem de uma propensão para o crime, mas, essencialmente, do desnorte temporário, por alguma perturbação na condução do estilo de vida a que o consumo de cocaína impeliu, sendo de pouco relevo o seu passado criminal; por outro lado, a pena de concurso tem de levar em apreço que o arguido tem 22 anos, sendo um jovem, e que uma longa pena de prisão, de que a sociedade também não beneficia, por razões várias, compromete a possibilidade de readaptação ao real, uma vez restituído à liberdade (o tempo adquiriu uma dimensão antropológica de tal ordem, uma voragem, que uma longa pena compromete a reinserção vantajosa do agente; um tempo de reclusão de mais de 10 anos ultrapassa em muito mais, qual efeito multiplicador, a perda de liberdade correspondente).
V - A circunstância de se ter dado como provado que o arguido, com os demais, se dedicavam ao roubo para adquirirem cocaína, que consumiam, não afasta a conclusão de que agiu de forma voluntária, consciente e livre.
VI - As situações de inimputabilidade com ligação ao consumo de estupefacientes são muito escassas; a emissão de um juízo de exclusão sobre a capacidade da avaliação da ilicitude e de autodeterminação ou a redução daquela capacidade, configurando uma situação de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída – art. 20.°, n.°s l e 2, do CP – foi afastada pelo colectivo, ante o qual desfilaram as provas e a cuja valoração procedeu, não se sentindo obrigado ao dever de declarar estado; o arguido não desconhecia a ilicitude do consumo e aquisição da cocaína, apesar disso persistiu neles, devendo, se se mostrasse afectado psiquicamente – o que não é o caso –, falar-se numa actio libera in causa, que se verifica exactamente quando uma anomalia psíquica contemporânea do facto é provocada pelo agente com o propósito de causar o evento, sendo nessa altura o agente plenamente responsável, porque o agente instrumentaliza o seu próprio corpo de forma a realizar o facto querido pela sua vontade, e nessas circunstâncias rege o n.° 4 do art. 20.° do CP, excluindo a inimputabilidade.
         Proc. n.º 207/08.2GDGMR.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral (“vencido de acordo com declaração junta”, na qual se conclui “(…) que, estando em causa, para além da pena conjunta, a forma como se produziram as p
 
I -O art. 670.° do CPC refere-se, não a erros materiais da sentença (matéria regulada pelo art. 667.° do CPC, quanto ao processo civil), mas sim ao processamento da arguição de nulidades e de pedidos de aclaração e reforma da sentença.
II - Tendo o assistente requerido a rectificação de erros materiais, vale o art. 380.º do CPP, disposição específica para o processo penal.
III - A lei não obriga que seja o autor da decisão a rectificá-la, estando ao alcance do tribunal de recurso, neste caso o STJ, proceder à correcção.
IV - É de indeferir o requerimento do assistente para correcção de erro de escrita no requerimento de interposição de recurso, pelo qual é responsável, pois a lei processual prevê apenas a rectificação de sentenças e outros actos decisórios (art. 380.º, n.ºs 1 e 3, do CPP).
         Proc. n.º 3466/02.0YRCBR.S1 -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça
 
I -O art. 133.° do CP prevê um tipo privilegiado de homicídio, assente numa acentuada mitigação da culpa (exigibilidade diminuída), provocada por uma “compreensível emoção violenta”, um estado de “compaixão”, de “desespero”, ou por “motivo de relevante valor social ou moral”.
II - Existirá “compreensível emoção violenta” quando o agente actua dominado por um estado emocional provocado por factos a que um homem comum e “fiel ao direito” seria sensível, sendo, portanto, atenuada a exigibilidade de conformação com as normas; ”desespero” refere-se a estados depressivos vividos pelo agente, sendo em qualquer caso necessário que a acção revele uma exigibilidade diminuída.
III - No caso em que ficou provado o seguinte: -a conduta do recorrente seguiu-se a uma discussão entre ele e a vítima, provocada pela manifestação da intenção por parte desta (e não era a primeira vez que o fazia) de se divorciar e deixar de residir com o recorrente;-no desenrolar dessa discussão, e vendo que não conseguia demover a vítima das suas intenções, o recorrente agrediu-a com uma faca, dando-lhe seis golpes; -a discussão inseriu-se no mau relacionamento entre ambos, que vinha de há muito e que se acentuara cerca de duas semanas antes do crime, quando a vítima pela primeira vez anunciara a intenção de se divorciar e sair de casa; tem de se concluir que a acção homicida do recorrente não foi provocada pelo comportamento, absolutamente compreensível, da vítima, ou de terceiros, antes tendo resultado da “incapacidade” do arguido em aceitar a decisão da vítima de pôr termo à relação conjugal, fruto possivelmente, da sua “mentalidade”, da forma como encara as relações interconjugais, revelada no longo martírio a que submeteu a vítima durante os anos de vigência do casamento, e que o impediu de aceitar as tentativas de autonomização da vítima, e sobretudo o seu desejo de se divorciar, de manifestar assim a sua livre determinação como pessoa humana.
IV - A conduta do arguido não revela que tenha agido com “compreensível emoção violenta”, nem em estado de “desespero”, mas, pelo contrário, encerra uma censurabilidade agravada que a integra no homicídio qualificado.
         Proc. n.º 434/09.5YFLSB -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça
 
I -Limitando-se o recorrente a reeditar no recurso para o STJ a argumentação já expendida no recurso para a Relação e a que este tribunal deu resposta necessária, o recurso é de rejeitar apenas quando “se fica sem saber porque é que [o recorrente] discorda da decisão recorrida, e já que a ela não se refere, tudo se passa como se a ignorasse” – cf. Ac. de 2701-2009, Proc. n.º 1962/98.5 -5.ª.
II - A incapacidade parcial permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho, ou por via da perda ou diminuição da remuneração, ou porque vai implicar para o lesado um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas – cf. Ac. de 09-07-1998, Proc. n.º 52/98 -2.ª.
III - A indemnização por danos futuros previsíveis deve corresponder a um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu.
IV - Para o cálculo da indemnização é feito uso de dados fixos, como são o montante periódico dos rendimentos, o grau de incapacidade sofrido e o termo da vida activa, a par de dados variáveis, tais como a depreciação da moeda, a taxa de rendimento do capital e o dispêndio com necessidades próprias.
V - É a existência desse conjunto de variáveis que, ao impedir a fixação do valor exacto dos danos, leva a que a indemnização por danos futuros previsíveis deva resultar dum juízo de equidade, “dentro dos limites que tiver por provados”, conforme determina o n.º 3 do art. 566.º do CC.
VI - O trabalho prestado pela demandante, que se provou “ser efectuado regularmente como empregada doméstica”, confere ao trabalhador, segundo o regime legal constante do DL 253/92, de 24-10, o direito a receber da entidade patronal um subsídio de Natal, de montante igual a um mês de vencimento, desde que o trabalhador tenha a antiguidade de 5 anos, ou de metade desse valor até então (art. 12.º) e um subsídio de férias equivalente a um mês de vencimento (art. 18.º); deste modo, no cálculo da retribuição anual da demandante deve a retribuição mensal ser multiplicada por 14 meses.
         Proc. n.º 4129/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura
 
I -O art. 437.º do CPP reclama, para fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos, tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada pois uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas.
II - Os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas. A oposição deve ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta que a oposição se deduza de posições implícitas, que estão para além da decisão final, ou que esta tenha, em cada um dos acórdãos, só por pressuposto, teses diferentes. A oposição deve respeitar à decisão e não aos seus fundamentos (cf. v.g. Ac. do STJ de 11-10-2001, Proc. n.º 2236/01, desta 5.ª Secção).
III - Importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito: isso só ocorre quando se recorra às mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente. Interessa pois que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas.
IV - Se as divergências se passam apenas ao nível da interpretação de elementos de prova – v.g., na informação fornecida pelo aparelho medidor do teor de álcool no sangue –, não se verifica oposição relevante de julgados.
         Proc. n.º 458/08.0GAVGS.C1-A.S1 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos
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