I -O chamado cúmulo por arrastamento tem vindo a ser uniformemente rejeitado pelo STJ, podendo indicar-se, nesse sentido, os Acórdãos de 09-04-08, Proc. n.º 1011/08 -5.ª, de 1704-2008, Proc. n.º 681/08 -5.ª, de 12-06-2008, Proc. n.º 1518/08 -3.ª, de 10-07-2008, Proc. n.º 2034/08 -3.ª, e de 10-09-2008, Proc. n.º 2500/08 -3.ª, afirmando-se neste último que “Só podem entrar para o cúmulo crimes cujas penas não tenham transitado, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobe as infracções cometidas até essa data e cumule as praticadas depois desse trânsito”. II - À luz do n.º 1 do art. 77.º do CP, para a escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é apenas isto que directamente a lei nos dá como critérios de individualização. III - Para usar expressões do Presidente desta 5.ª Secção, Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. IV - Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa[s] pena[s] parcelar[es] deverá contar para a pena conjunta. V - Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
Proc. n.º 26/05.8SOLSB-A.S1 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
I -A providência de habeas corpus existe para atalhar à situação da pessoa que “se encontrar ilegalmente presa” – art. 222.º, n.º 1, do CPP: “se encontrar”, e não, “se tenha encontrado”, no passado, ilegalmente presa. II - Tal significa que vigora no sector um princípio de actualidade estrita, ou seja, a procedência do pedido decorre da prisão ser ilegal no momento em que estiver a ser apreciada, não se propondo reparar ilegalidades pretéritas, eventualmente ocorridas. III - Improcede a providência de habeas corpus no caso de ter sido declarado nulo o interrogatório como arguida da requerente, sendo ilegal a prisão preventiva sofrida subsequentemente, se, posteriormente, a arguida foi novamente interrogada, e aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, situação essa em que se encontrava, quando requereu a providência de habeas corpus.
Proc. n.º 1699/07.2TBEVR-A.S1 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
Carmona da Mota
I -O art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, faz depender a sua aplicação de uma diminuição considerável da ilicitude do facto, apontando como índices dessa diminuição, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar. II - Relativamente à determinação da medida da pena, o ponto de partida e enquadramento geral não pode deixar de se prender como o disposto no art. 40.º do CP, segundo o qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, não podendo “em caso algum a pena” ultrapassar a medida da culpa. III - Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. IV - Quanto aos fins utilitários da pena, importa referir que, contraposta no art. 40.º do CP, a defesa dos bens jurídicos à reintegração do agente na sociedade, não se pode deixar de ver nesta uma finalidade especial preventiva e, na dita defesa de bens jurídicos, um fim último que se há-de socorrer do instrumento da prevenção geral. V - É que “a defesa de bens jurídicos” é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema repressivo penal, globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas. Mais, toda a política social de prevenção da criminalidade não visa senão a protecção de bens jurídicos; daí que a expressão deva ser entendida, em sede de fins das penas, como uma referência à prevenção geral, designadamente positiva ou de integração. VI - Não está excluído que a prevenção geral se faça sentir na sua vertente negativa ou intimidatória, devidamente controlada pela medida da culpa assacável ao agente; no entanto, a finalidade mais importante da pena, como instrumento de controlo social, ao serviço da defesa dos bens jurídico-penais, analisa-se na vertente positiva da prevenção geral. Não se dirige, portanto, enquanto tal, ao delinquente, ou aos potenciais delinquentes, mas sim ao conjunto dos cidadãos. VII - Poderão assinalar-se à dita prevenção geral positiva um efeito de confiança no sistema, outro pedagógico e ainda um último de afirmação da coerência do próprio ordenamento jurídico. VIII - O efeito de confiança efectiva-se quando os cidadãos verificam que o direito se cumpre e por essa via se sentem mais seguros. É um efeito de satisfação das expectativas, depositadas na seriedade da advertência, ínsita na previsão normativa penal. IX - O efeito pedagógico retira-se da criação ou do reforço da autocensura individual, daqueles que têm que refrear os seus impulsos para cometer crimes e não os cometem. Os quais experimentam, mais ou menos conscientemente, uma satisfação dupla: com o sofrimento do criminoso que tem que cumprir pena por ter cometido o crime, e com o facto de o próprio ter resistido ao crime, subtraindo-se a qualquer pena. X - Do ponto de vista lógico, também a norma jurídica, enquanto tal, para se afirmar como obrigatória, necessita de atribuir consequências que se vejam efectivadas, para o caso de não ser observada. XI - Só se deve optar pela suspensão da execução da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro, já que aquela tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime. XII - Cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena não colida com as finalidades da punição; numa perspectiva de prevenção especial deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado e, por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, essa suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a confiança ao sistema repressivo penal.
Proc. n.º 295/06.6GDALM.S1 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
I -O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado e tem como fundamento essencial a necessidade de se evitar uma sentença injusta, a necessidade de reparar um erro judiciário, de modo a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal. II - Para efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. III - Factos novos são todos os que não tenham sido apreciados no processo que conduziu à condenação e que, desconhecidos na ocasião do julgamento, suscitem graves dúvidas sobre a culpabilidade do arguido. IV - A jurisprudência tem-se dividido quanto a saber o que são factos novos ignorados ao tempo do julgamento. Para uma corrente – dominante – tal expressão não significa que tais factos não fossem ou não pudessem ser conhecidos pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar, mas tão-só que se trata de factos que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal. Para outros, não basta que os factos fossem desconhecidos do tribunal, importa ainda que fossem ignorados pelo arguido ao tempo do julgamento e que não pudessem ter sido apresentados antes deste. V - A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e ou provas de assumir o qualificativo da “gravidade da dúvida” colocando, de forma séria, a dúvida da condenação de determinada pessoa, que não a da simples medida da pena imposta. VI - Não é, consequentemente, admissível revisão de sentença penal se não foram trazidos quaisquer factos concretos que importem a revisão do decidido.
Proc. n.º 9/06.0GGSNT-E.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
I -A lei processual penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial. II - Entre os primeiros, a lei enumera a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso, a identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação se estiver publicado e o trânsito em julgado de ambas as decisões. Entre os segundos, contam-se a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. III - Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum deste STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes por essa norma. IV - A taxa de álcool no sangue encontra-se legalmente referenciada por um determinado limite para poder integrar ilicitude, podendo esta ser de natureza contra-ordenacional ou integrar ilícito criminal. V - Se, em ambos os acórdãos – recorrido e fundamento – a taxa de alcoolemia se situasse no mesmo patamar de consequência jurídica e, com fundamento nela, cada acórdão decidisse diferentemente, gerando então para situações de facto idênticas, soluções jurídicas distintas, perfilava-se um dos pressupostos de viabilidade de recurso de fixação de jurisprudência. VI - Se a matéria de facto provada nos acórdãos da Relação for diferente, implicando consequência jurídica também diferente, não pode dizer-se que existiram soluções divergentes que conduziram a soluções opostas relativamente à mesma questão jurídica. VII - Não existindo, nessa medida, oposição de julgados é de rejeitar o recurso para fixação de jurisprudência.
Proc. n.º 183/07.9GTGRD.C1 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
I -É o momento da decisão condenatória que determina as condições estatutárias infraprocessuais para o exercício da decisão de recorrer e estabiliza no processo o direito ao recurso, como integrante das garantias de defesa. II - Proferida a decisão no domínio da redacção da Lei 48/2007, de 29-08, é esta, e não outra, a integrante do regime de recurso aplicável. III - Assim, sendo a decisão de 1.ª instância que aplicou pena inferior a 8 anos de prisão, posterior à entrada em vigor da referida lei, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, não é admissível recurso interposto para o STJ.
Proc. n.º 82/06.1PJAMD.S1 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
I -O MDE previsto na Decisão-Quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária. II - O MDE deverá substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição. III - As referências fundamentais do regime e que moldam os conteúdos material e operativo resumem-se a dois pressupostos base: o afastamento, como regra, do princípio da dupla incriminação, substituído por um elenco alargado em catálogo de infracções penais e a abolição da regra, típica da extradição, da não entrega ou extradição de nacionais. IV - Moldadas na finalidade do instrumento específico de cooperação e nos pressupostos essenciais que lhe estão subjacentes (mútuo reconhecimento; substituição da extradição), as normas aplicáveis a cada situação têm de ser interpretadas no contexto dos referidos âmbito e finalidades e na conjugação ainda entre as exigências decorrentes do reconhecimento mútuo e os deveres assumidos e a permanência de alguns espaços de soberania estadual em matéria penal. V - Tratando-se, no caso, de um modelo de substituição integral da extradição, simplificado e inteiramente jurisdicionalizado, tudo quanto fosse anteriormente regulado pelo regime da extradição, deve ser integrado no regime do MDE no que respeita ao respectivo âmbito objectivo e subjectivo de aplicação. VI - A leitura das causas de recusa facultativa de execução exige-se, por isso, na convergência entre a defesa de alguns valores nacionais e a abertura ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões. VII - As causas de recusa facultativa de execução, constantes das alíneas a) a h) do n.º 1 do art. 12°. da Lei 65/2003, de 23-08, têm todas, como se salientou, em diversas perspectivas, fundamentos ainda ligados, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada. VIII - Nesta perspectiva, as causas de recusa facultativa não podem (não devem) ser vistas isoladamente, mas, antes, consideradas e aplicadas tendo como critérios de decisão os feixes referenciais que constituem a teleologia da categoria no regime de execução do instrumento europeu de cooperação. IX - Teleologia essencial relacionada com a possibilidade deixada aos estados de salvaguarda de alguns interesses ligados à soberania penal do Estado da execução, à efectividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo (ainda) de resguardo e protecção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição. X - A lei não define, no entanto, no que respeita a algumas das causas, os fundamentos e os critérios para o exercício da faculdade, que é faculdade do Estado português como Estado da execução, como resulta da expressão da lei -a execução «pode» ser recusada. XI - Não são, porém, causas cuja aplicação releve da vontade ou do arbítrio. Poder recusar é, no contexto, faculdade vinculada se o tribunal considerar que se verificam as circunstâncias que fundamentam a recusa de execução; a faculdade não significa exercício discricionário, nem arbítrio, mas obrigação de decisão segundo critérios e vinculações normativos. XII - As causas de recusa facultativa de execução constantes do art. 12.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada. XIII - A al. g) do n.º 1, da referida disposição habilita as autoridades nacionais a recusarem a execução do mandado quando “a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa em residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa”. XIV - A disposição tem de ser interpretada teleologicamente e específica de um determinado modelo operativo de cooperação, deve ser sistematicamente compreendida nos limites do regime do MDE. XV - A reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade compromissória que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução. XVI - A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para protecção de nacionais, que no contexto pretende reequilibrar o desaparecimento total ou a desvinculação no regime do MDE do princípio tradicional da não entrega (e da não extradição) de nacionais -princípio, porém, já excepcionalmente atenuado com a revisão constitucional de 1997 e a alteração do art. 33.°, n.º 3, da Constituição, e posteriormente com a alteração de 2001, em que ficou ressalvada a aplicação de normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia. XVII - A faculdade de recusa de execução, prevista na referida al. g) do n.º 1 do art. 12.° da Lei 65/2003, constitui, assim, uma espécie de “válvula de segurança”, que, aliás, constava já materialmente – aí não como faculdade, mas como exigência de garantia e como condição do regime de extradição do art. 32.°, n.º 3, da Lei 144/99, de 31-08, nos casos em que, em limitadas situações, se admite a extradição de nacionais: a extradição só terá lugar para procedimento “se o Estado requerente der a garantia da devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa”. XVIII - No fundo de reserva de soberania, a al. g) do n.º 1 do referido art. 12.°, concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução no caso de mandado para cumprimento de uma pena, desde que, face à ligação da pessoa procurada, sendo seu nacional, este Estado se comprometa a executar a pena. XIX - A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão para execução da pena nesse Estado. XX - A competência para decidir se está verificada uma causa de recusa de execução pertence ao tribunal, uma ver que o regime do MDE está inteiramente jurisdicionalizado, não estando prevista qualquer intervenção ou competência prévia, condicionante ou acessória de qualquer outra entidade. XXI - Por isso, no caso da al. g) do n.º 1 do art. 12.° da Lei 65/2003, de 23-08, o tribunal é o órgão do Estado competente para determinar a execução da pena em Portugal como condição de recusa facultativa de execução; a competência no regime do mandado cabe aos órgãos que forem competentes segundo a lei interna, e a lei sobre a execução do mandado fixou a natureza inteiramente jurisdicional do respectivo regime, sem a concorrência de competências de outras entidades do Estado. XXII -A decisão de recusa da execução constitui faculdade do Estado da execução; o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução. XXIII -Fixando a lei causa de recusa deixada à faculdade do Estado de execução, o plano da lei só se completará com o estabelecimento de critérios que permitam integrar a função da norma, com base em princípios que se não remetam a discricionariedade ou oportunidade simples sem suporte. Não estando fixados tais critérios, manifesta-se uma incompletude contrária a um plano que se traduz numa lacuna, que o juiz deve integrar segundo os critérios injuntivos para a integração de lacunas definidos no art. 10.º do CC, seja por recurso a casos análogos, seja por apelo a princípios operativos compreendidos na unidade do sistema. XXIV -Haverá que integrar a lacuna resultante da omissão legislativa, enunciando os fundamentos, motivos e critérios que, na perspectiva das valorações inerentes imponham ou justifiquem a execução ou, diversamente, a recusa de execução, seja por motivos de política criminal, de eficácia projectiva sobre o melhor exercício, de ponderação com outros valores, ou da realização de direitos ou de interesses relevantes que ao Estado da execução cumpra garantir. XXV -Não estando directamente fixados, tais critérios internos hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena. XXVI -Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no art. 40.º, n.º 1, do CP e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais. XXVII -De igual modo, o art. 18.°, n.º 2, da Lei 144/99, de 31-08, ao estabelecer critérios para a denegação facultativa da cooperação internacional, contém indicações com projecção geral de aplicação também aos casos, com dimensão subjectiva e objectiva aproximada, de recusa facultativa de execução do MDE: quando a execução da pena no Estado da emissão relativamente a um nacional do Estado de execução possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. XXVIII -Perante a questão que lhe foi deferida para decisão, a autoridade judicial competente – o Tribunal da Relação – deveria verificar se, perante a situação, as condições de vida da pessoa procurada e as finalidades da execução da pena, se justificaria a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna, na sequência do pedido formulado pela pessoa procurada. XXIX - Não se tendo pronunciado sobre tais pressupostos, o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que lhe era deferida, ou seja a existência de causa de recusa facultativa de execução, a qual integra a nulidade do acórdão – art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP.
Proc. n.º 134/09.6YREVR -3.ª Secção
Henriques Gaspar (relator)
Armindo Monteiro
I -Havendo que reparar danos não patrimoniais, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, nos termos do art. 496.°, n.° 3, do CC, devendo atender-se, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso, como dispõe o art. 494.º do CC. II - Os danos não patrimoniais não são susceptíveis de ser avaliados em dinheiro. III - Para a determinação do montante da reparação não existem, na lei, critérios normativos, materiais ou de diferença; na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, a lei manda proceder “equitativamente”, devendo, assim, o tribunal decidir segundo juízos de equidade. IV - Perante as múltiplas menções dos textos, a doutrina tem procurado agrupar a noção de equidade a duas «acepções fundamentais»: uma noção «fraca», que, partindo da lei, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstractas quando da aplicação concreta; e uma noção «forte», que prescinde do direito estrito, procurando para cada problema soluções baseadas na justiça do caso concreto (António Menezes Cordeiro, 'A Decisão Segundo a Equidade', in O Direito, Ano 122, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 ss.). V - As várias referências na lei, quando manda proceder a julgamento segundo a equidade, acolhem aquele primeiro sentido da noção. VI - A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a “vertente individualizadora da justiça”, a equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação «equitativamente» quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (cf. Ac. do STJ de 29-04-98, Proc. n.º 55/98). VII - Sendo a fixação equitativa o resultado de uma mediação inafastável através do prudente critério do juiz entre a objectividade dos fins e o sentido da justa medida, o resultado do julgamento do tribunal a quo, especialmente quando houver concordância nas instâncias, não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável (cf. Acs. do STJ de 05-03-2002, Proc. n.º 73/02, e de 11-07-2006, Proc. n.º 1749/06). VIII - Para fixar «equitativamente» a reparação por danos não patrimoniais, as instâncias, nas decisões concordantes, modelaram o julgamento através da conjugação de vários elementos: as circunstâncias do caso, a idade e as expectativas de vida das vítimas e o sentimento de perda do futuro, os sentimentos, o desgosto e o desgaste nas emoções dos seus progenitores, conjuntamente com a praxis jurisprudencial – Ac. do STJ de 05-022009, Proc. n.º 4093/08. IX - A causalidade, enquanto relação que assim intercede entre um facto e as suas consequências depende de um duplo juízo de idoneidade abstracta e de verificação em concreto, ligando-se, pois, à dinâmica ligação de acontecimentos ou sequências que se verifica no domínio das realidades físicas e naturais. A relação entre um facto e as suas consequências materiais imediatas (entre o acidente e a morte) num juízo de causalidade adequada situa-se, por isso, fora da interpretação e aplicação de critérios ou dimensões normativas, restando no âmbito da apreciação e das conclusões factuais de acordo com as regras da experiência, sem espaço para juízos especulativos sobre hipotéticas correlações. X - Constitui, por isso, matéria de facto, da competência das instâncias, não integrando os poderes de cognição do Supremo Tribunal, que estão limitados exclusivamente ao reexame de matéria de direito, nos temos do art. 434.° do CPP.
Proc. n.º 341/04.8GTTVD.S1 -3.ª Secção
Henriques Gaspar (relator)
Armindo Monteiro
I -Não enferma de nulidade o acórdão da 1.ª instância que condenou o recorrente, pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.°, n.º 1, do CP, pelo qual não havia sido acusado, se da acta de julgamento consta ter sido o arguido notificado, nos termos do art. 358.°, n.ºs 1 e 3, do CPP, de que os factos descritos na acusação, a provarem-se, integrariam a prática daquele crime (além de um crime de sequestro agravado, pelo qual viria também a ser condenado em julgamento e não o crime de sequestro simples, que lhe era imputado na acusação), e lhe foi dada a oportunidade de se defender da nova imputação, nos termos da disposição legal supra citada. II - A infracção do formalismo referido no art. 147.º do CPP, no que respeita ao auto de reconhecimento, configura nulidade (se não mesmo mera irregularidade) processual, que não é de conhecimento oficioso, ficando sanada se não for arguida até ao final do inquérito -art. 120.°, n.º 3, al. c), do CPP. III - Existe concurso aparente, na modalidade de consumpção, quando a protecção concedida por um tipo legal abrange ou abarca (consome) a que é concedida por outro tipo legal de crime. Exemplo típico é a relação que se estabelece entre os crimes de roubo e de sequestro, já que o roubo, que é simultaneamente um crime contra as pessoas e contra a propriedade, frequentemente envolve a privação parcial ou total do ofendido como meio indispensável à sua consumação. Todavia, sempre que ela exceda o que é necessário e proporcional à consumação do roubo, a privação da liberdade do ofendido exige e adquire protecção autónoma, através da protecção do crime de sequestro. IV - O crime de burla informática é um crime especial de burla, cuja especificidade reside no processo vinculado de execução, que assenta na manipulação do sistema informático por uma das seguintes formas: interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento. V - A burla informática, tal como a burla geral, assenta necessariamente num artifício, engano ou erro consciente, mas, contrariamente ao tipo geral, esse expediente não se dirige à manipulação da vontade de uma pessoa, antes pela utilização (obrigatoriamente) de um daqueles procedimentos, que se traduz no uso abusivo do sistema de dados ou de tratamento informático, e consequentemente, na manipulação do funcionamento do sistema informático, em ordem à obtenção de um enriquecimento patrimonial ilícito. VI - O levantamento de quantias em dinheiro através da utilização dos cartões, obtidos com os respectivos códigos, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, a consumação do crime de roubo.
Proc. n.º 586/05.3PBBRR.S1 -3.ª Secção
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
I -A execução de sentença criminal, segundo o disposto no art. 470.º do CPP, corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido e, porque a lei não distingue, assim há-de reputar-se tanto no que toca aos seus efeitos penais, como quanto aos efeitos estritamente civis e, neste domínio, qualquer que seja a espécie executiva. II - Esse princípio, de algum modo enformando o pensamento legislativo e integrando a solução a dar à questão suscitada, colhe apoio também no art. 90.º do CPC, segundo o qual, para a execução que se funde em decisão proferida pelos tribunais portugueses é competente o tribunal de 1.ª instância onde a causa foi julgada. III - No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal. IV - Esta norma do art. 82.º pode e deve reputar-se o afloramento de um princípio geral segundo o qual a execução de sentença criminal corre os seus termos ante o tribunal criminal onde foi proferida e por apenso ao processo penal, excepção feita naquela peculiar situação do n.º 1, como flui do Ac. do STJ de 11-07-2007 – Proc. n.º 2547/06 -3.ª Secção. V - De acordo com o art. 102.º-A, n.º 1, do DL 38/2003, de 08-03, compete aos juízos de execução exercer no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no CPC. VI - Excluem-se do n.º 1, segundo o seu n.º 2, além do mais, as sentenças proferidas nos tribunais criminais cujos termos não devam correr nos tribunais cíveis. Aquelas que o devem são as destinadas à liquidação indemnizatória e não quaisquer outras. VII - As Varas Criminais são competentes para executar as suas próprias decisões, de acordo com o preceituado no art. 96.º, n.º 1, al. b), da LOFTJ. VIII - A secção criminal do STJ é competente, em razão da matéria, para conhecer e decidir do processo de embargos à execução.
Proc. n.º 76/09.5YFLSB -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
I -Em presença de um concurso de infracções, a atribuição legal da competência ao tribunal da última condenação para determinação da pena conjunta deriva da circunstância de ser ele que detém a melhor e mais actualizada perspectiva do conjunto dos factos e da personalidade do agente, retratada no conjunto global das condenações e no trajecto de vida do arguido. II - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando. III - O legislador na fixação da pena de conjunto afastou-se da mera acumulação material, tendo como limite a sua soma, bem como do sistema de exasperação ou agravação, pela adopção da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis. IV - O limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito da aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente, aplicando-se as mesmas regras no caso de conhecimento superveniente de infracções, devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. V - Se os crimes conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes da condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação, com a pena executada separada e sucessivamente. VI - O STJ vem repudiando a operação de cúmulo por arrastamento por entender que a reunião de todas as penas aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência.
Proc. n.º 181/08.5TCPRT.P1.S1 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
I -O recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. II - Para além dos requisitos de ordem formal, como o trânsito em julgado de ambas as decisões, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso e a identificação do acórdão fundamento com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado, é necessária a verificação de outros pressupostos de natureza substancial, como a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação da identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. III - Não é de admitir o recurso para fixação de jurisprudência, se interposto antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido, por extemporaneidade, que conduz à rejeição do recurso, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), aplicável ex vi dos art. 448.º e 441.º, n.º 1, 1.ª regra, do CPP.
Proc. n.º 482/09.5YFLSB -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
I- O caso de concurso por conhecimento superveniente tem lugar quando, posteriormente à condenação, se vem a verificar que o agente anteriormente àquela condenação praticou outro ou outros crimes. Nestes casos são aplicáveis as regras do disposto nos arts. 77.°, n.º 2, e 78.°, n.º 1, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. II- Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. III - Sobre o conhecimento superveniente do concurso, dispunha o art. 78.°, n.º 1, do CP, na redacção anterior (de 1995) que 'Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior'. IV - Com a 23.a alteração ao CP, introduzida com a Lei 59/2007, de 04-09, entrada em vigor em 15 seguinte, e vigente à data da decisão recorrida, o n.º 1 do art. 78.º, passou a ter a seguinte redacção: 'Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes'. V - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, com a supressão do trecho 'mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta', diversamente do que ocorria dantes, veio prescrever que o conhecimento superveniente de novo crime que se integre no concurso não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas, prescritas ou extintas, procedendo-se ao desconto da pena já cumprida. Neste sentido pronunciava-se alguma jurisprudência, como por exemplo, os Acs. do STJ de 24-05-00, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204, e de 30-05-01, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211; em sentido oposto, podem ver-se, os Acs. de 08-07-98, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248; de 24-02-00, Proc. n.º 1202/99-Y (as penas cumpridas, extintas e prescritas não podem ser consideradas para efeito de elaboração de cúmulo); de 09-02-05, CJSTJ 2005, tomo 1, pág.194; de 08-06-06, Proc. n.º 1558/06 -5.a; de 22-06-06, Proc. n.º 1570/06 -5.a (este com um voto de vencido), e de 1511-06, Proc. n.º1795/06 -3.a. VI - A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação. VII - O momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida – e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena conjunta – não o do seu trânsito em julgado. VIII - Se os crimes conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência. IX - Como o STJ tem vindo a entender, não são de admitir os cúmulos por arrastamento, citando-se, entre muitos outros, o Ac. de 20-06-96, publicado no BMJ, 458, 119, onde se decidiu que as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação, sendo pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes, ou da formação da pena do concurso, é que os crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. X - A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial. O conhecimento posterior (art. 78.°, n.º 1, do CP) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. XI - A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293294). XII - Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime. XIII - Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal a de que, na decisão que efectua o cúmulo de penas estamos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem os arts. 71.º n.º 3, do CP, e 97.º, n.º 5 e 375.°, n.º 1, do CPP, em aplicação do comando constitucional ínsito no art. 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que 'As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei'. XIV - Como estabelece o art. 71.°, n.º 3, do CP, na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, decorrendo, por seu turno, do art. 97.°, n.º 5, do CPP, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão e do art. 375.°, n.º 1, do mesmo código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. XV - Estabelece o art. 374.°, n.º 2, do CPP, que «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». XVI - A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. XVII - O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.°, n.º 2, e 379.°, n.º 1, als. a ) e c), do CPP. XVIII - Assim, na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas de trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas e actualmente referências a penas já cumpridas, para além de outros que em cada caso concreto se mostrem necessários ou se colha como aconselhável a sua inclusão. XIX - Para além destes 'requisitos primários', impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, determinando inclusive, a realização de uma audiência marcada para o efeito, com observância do contraditório, e que tem por objectivo a aplicação de uma pena final, de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde (muito embora, por vezes sem grande esforço, se pudesse detectar a multiplicidade muito a tempo de ter lugar o julgamento conjunto), que poderiam/deveriam ter sido julgados em conjunto se se mostrassem reunidas as condições para tal. XX - Perante concurso de crimes e de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes, da verificação ou não da identidade dos bens jurídicos. XXI - O que interessa e releva considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido. XXII -A utilização de fórmulas tabelares, como o 'número', a 'natureza' e a 'gravidade', não são uma 'exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito', mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. XXIII -A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no n.º 1, do art. 77.°, do CP e n.º 2 do art. 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art. 379.°, n.º 1, al. a), do CPP. XXIV -Ocorre omissão de pronúncia sobre a existência de decisão condenatória, cuja pena deve ser englobada no cúmulo, geradora de nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.°, n.º 1, al. c), do CPP, que importa sanar, quando no acórdão recorrido, para além das omissões apontadas relativamente aos requisitos primários, como as datas de trânsito, indicação do tempo de pena cumprida e da existência de uma outra decisão condenatória, seja omitida a necessária avaliação global, na medida em que há ausência de posicionamento ou decisão pelo tribunal em relação a questão em que a lei impõe que o juiz tome posição expressa, no caso deixando de se pronunciar sobre a especial fundamentação da pena conjunta.
Proc. n.º 181/03.1GAVNG.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
I -A previsão e, precisão, da providência de habeas corpus, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado. II - A providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. III - A excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. IV - É manifestamente infundado o pedido de habeas corpus no caso em que: -o arguido foi detido em 06-02-09, tendo-lhe sido decretada a prisão preventiva no dia 0702-09; -tal despacho judicial foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação, que manteve aquela decisão; -tal medida de coacção foi revista e mantida por despachos judicias datados de 05-05-09 e de 04-08-09; -nenhum destes despachos foi objecto de recurso;-com data de 03-08-09, foi deduzida acusação, imputando-se ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º, n.º 1, do supra referido diploma legal.
Proc. n.º 35/08.5SLLSB-F.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Rodrigues dos Santos
Sousa Leite
I -A previsão e, precisão, da providência de habeas corpus, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado. II - A providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. III - A excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. IV - A providência de habeas corpus tem, pois, como resulta da lei, carácter excepcional, não no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, mas por se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional. V - Face à revogação do art. 54.º do DL 15/93, de 22-01, pelo art. 5.º da Lei 48/07, de 29-08, aplica-se agora ao crime de tráfico de estupefacientes o regime geral, devendo a especial complexidade ser declarada por despacho judicial, devidamente fundamentado. VI - No caso em apreço, o arguido foi detido em 24-02-07, data em que estava em vigor o citado art. 54.º do DL 15/93, de 22-01, sendo que, de acordo com o regime processual penal então vigente, o prazo máximo da medida de coacção de prisão preventiva a que o peticionante foi sujeito, era de 4 anos – art. 215.º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), e 3, do CPP –, mas tendo a Lei 48/07, de 29-08, revogado aquele art. 54.º e entrado em vigor em 15-09-07, à data da entrada em vigor desta Lei não tinha ainda ocorrido (no domínio da lei anterior, isto é, do DL 15/93, designadamente do seu art. 54.º) qualquer prorrogação do prazo da prisão preventiva por força da referida especial complexidade sem despacho que a declarasse. VII - Assim, ao caso em apreço é aplicável o estatuído no art. 215.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, na redacção dada pela citada Lei 48/07, de 29-08, pelo que o prazo da prisão preventiva, in casu, é de 2 anos, face ao crime em causa (tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do citado DL 15/93, de 22-01) e porque não foi declarada a especial complexidade do processo por despacho judicial, como deveria ter sido, mercê da aplicação do regime geral face à revogação do art. 54.º do DL 15/93, o qual já se mostra decorrido, devendo, por isso, ser ordenada a imediata libertação do peticionante.
Proc. n.º 497/09.3YFLSB -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Rodrigues dos Santos
Sousa Leite
I -A providência de habeas corpus tem como resulta da lei, carácter excepcional, não no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, mas por se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional. II - O facto de o arguido ter interposto recurso do despacho proferido pela 1.ª instância que considerou que o prazo da prisão preventiva foi elevado pela metade da pena aplicada não impede que aquele requeira a providência de habeas corpus. III - A lei é clara quando estatui que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, no caso de o arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, devendo entender-se que há confirmação da sentença (para efeitos das medidas de coacção, isto é, para efeitos do n.º 6 do art. 215.º do CPP) quando o tribunal superior aplica uma pena igual ou superior à pena da sentença recorrida ou, até mesmo, quando o tribunal superior rejeita o recurso. IV - A regra da “confirmação” em matéria de medidas de coação não deve ser interpretada nos mesmos termos da regra da “dupla conforme” em matéria de recurso de sentença, dado que a finalidade ou objectivo dessas duas regras é diferente: no caso dos recursos, a “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; no caso das medidas de coacção a “confirmação” visa alargar o prazo de duração daquelas medidas justamente quando há recurso para o STJ ou para o TC. V - Não assiste razão ao peticionante ao deduzir esta providência excepcional que, por isso, é infundada, pois o requerente está sujeito à medida de coacção de prisão preventiva na sequência de despacho judicial proferido por entidade competente, por factos pelos quais a lei permite a aplicação de tal medida de coacção, estando a prisão preventiva dentro do prazo legalmente permitido, sendo ainda certo que foi já proferida decisão em 1.ª instância que condenou o peticionante na pena única de 8 anos de prisão, pena essa que, na sequência de recurso interposto pelo MP para o Tribunal da Relação, foi (na 2.ª instância) fixada em 9 anos de prisão.
Proc. n.º 200/06.0JAPTM-D.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Rodrigues dos Santos
Sousa Leite
I -A previsão e, precisão, da providência de habeas corpus, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado. II - A providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. III - A excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. IV - A providência de habeas corpus tem, pois, como resulta da lei, carácter excepcional, não no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, mas por se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional. V - A providência deve ser rejeitada sempre que a prisão tenha sido aplicada por entidade competente, por factos pelos quais a lei o permita e a prisão se encontre dentro do prazo legalmente fixado por aquela entidade VI -No caso, o arguido/requerente cumpriu 5/6 da pena de 10 anos de prisão aplicada no processo A, e, no processo B foi-lhe concedida, oportunamente, a liberdade condicional que, porém, foi posteriormente revogada, estando, por isso, o arguido a cumprir o remanescente dessa pena, motivo pelo qual é infundado o pedido de habeas corpus.
Proc. n.º 496/09.5YFLSB -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Rodrigues dos Santos
Sousa Leite
I -Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência de habeas corpus e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar há-de fundar-se, como decorre do art. 222.°, n.° 2, do CPP em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. II - O ora requerente encontra-se em cumprimento de pena de prisão, não em regime de prisão preventiva, não lhe sendo aplicáveis os prazos do art. 215.° do CPP, nem cabendo a sua situação em qualquer dos casos previstos no n.° 2 do art. 222.° do CPP, pelo que carece de total e completa justificação a pretensão do requerente, sendo a invocação, a ter-se por querida, desajustada e manifestamente improcedente. III - A providência não pode ser utilizada para a sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de pôr em causa a legalidade da prisão, para além dos taxativamente previstos na lei, designadamente para apreciar a correcção das decisões judiciais em que aquela é ordenada – a providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis. IV - Pelo que é de indeferir a providência por manifesta falta de fundamento.
Proc. n.º 339/08.7GNPRT.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Soares Ramos
Mário Pereira
I -Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar há-de fundar-se, como decorre do art. 222.°, n.° 2, do CPP em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. II - O requerente da providência de habeas corpus limita-se a invocar a existência de tráfico de influências no primeiro julgamento realizado em […], dizendo sentir-se perseguido e injustiçado pela Justiça Portuguesa, não ter recorrido do acórdão de […], por sentir uma verdadeira e autêntica tortura mental e física pelo desenrolar do processo, referindo-se ao processo como processo criminal injusto e parcial, para além de referir ilegalidades no mandado de extradição e reafirmando, na sequência da decisão do TEP, sentir-se novamente perseguido num total contexto de continuada parcialidade da Justiça Portuguesa. III - Esta providência não pode ser utilizada para a sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de por em causa a legalidade da prisão, para além dos taxativamente previstos na lei, designadamente para apreciar a correcção das decisões judiciais em que aquela é ordenada. IV - O presente pedido de habeas corpus é manifestamente infundado, pois o arguido encontra-se preso, na sequência de decisão judicial proferida por entidade competente (o Tribunal de […], que condenou o arguido na pena de 5 anos e 6 meses de prisão), há muito transitada em julgado, por facto pelo qual a lei a permite (os crimes praticados pelo arguido), encontrando-se a prisão do arguido dentro do prazo permitido por lei, não excedendo o prazo de duração da mesma.
Proc. n.º 493/09.0YFLSB.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Soares Ramos
Mário Pereira
I -A providência de habeas corpus é uma garantia fundamental privilegiada (no sentido de que se trata de um direito subjectivo «direito–garantia» reconhecido para a tutela do direito à liberdade pessoal). II - Esta providência tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.° l do art. 220.° do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.° 2 do art. 222.° do CPP. III - Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar há-de fundar-se, como decorre do art. 222.°, n.° 2, do CPP em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão): a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. IV - O requerente limita-se a invocar a existência de motivos para ser colocado em liberdade sem nada especificar, pedindo a análise de todo o processo onde alegadamente existem irregularidades, igualmente sem nada concretizar; foi observado o disposto no art. 63.° do CP, sendo denegada a concessão de liberdade condicional a meio da pena com a qual se terá conformado o arguido, que não interpôs recurso, possível nos termos do art. 485.°, n.° 6, do CPP. V - A providência não pode ser utilizada para a sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de pôr em causa a legalidade da prisão, para além dos taxativamente previstos na lei, designadamente para apreciar a correcção das decisões judiciais em que aquela é ordenada – a providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis. VI - Pelo que é de indeferir a providência por falta de fundamento bastante.
Proc. n.º 491/09.4YFLSB.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Soares Ramos
Mário Pereira
I-O habeas corpus é uma providência extraordinária destinada a reparar as situações de prisão ilegal, entre as quais a de excesso de prazo legal ou judicial (art. 222.º, n.º 2, al. c), do CPP). II - O condenado em pena de prisão superior a 6 anos é, automática e obrigatoriamente, colocado em liberdade condicional quando atinge os 5/6 da pena. Esta liberdade condicional automática distingue-se da facultativa, prevista nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, por não exigir qualquer juízo sobre a personalidade e comportamento futuro do condenado ou sobre a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem ou da paz social, sendo o seu único pressuposto o decurso daquele lapso de tempo. III - A especificidade desta espécie de liberdade condicional reside na necessidade de preparação para a liberdade, que o cumprimento de uma longa pena de prisão envolve; são os interesses de ressocialização que impõem a previsão de um período intercalar entre a prisão e a liberdade plena e, por estarem em causa os anteditos interesses, compreende-se que este regime especial de liberdade condicional seja extensivo aos casos em que, havendo penas de prisão a cumprir sucessivamente, a soma das mesmas exceda 6 anos de prisão. IV - Todavia, quando uma das penas a executar constitui o remanescente de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma, tendo de ser cumprida integralmente (art. 61.º, n.º 4, do CP), não podendo ser objecto de nova concessão de liberdade condicional. V - Encontrando-se o peticionante da providência de habeas corpus a cumprir uma pena remanescente de prisão, nenhum fundamento existe para considerar que está excedido o prazo de prisão.
Proc. n.º 490/09.6YFLSB.S1-3.ª Secção
Maia Costa (relator)
Pires da Graça
Salazar Casanova
I -O princípio do reconhecimento mútuo é fundado na premissa de que os Estados membros “confiam mutuamente na qualidade dos seus procedimentos penais nacionais, facilitando, justificando mesmo, uma cooperação alargada no combate ao crime que adquiriu uma dimensão nova”. II - Tendo sido dado conhecimento ao arguido, no acto da audiência, da ordem constante do MDE, de cumprimento de pena emanada do país de que é cidadão nacional, ficando então na posse dos elementos necessários para exercer o direito de defesa e, tendo-lhe sido concedido o prazo de oposição de 10 dias, não se verifica qualquer restrição aos seus direitos de defesa se ao seu defensor é posteriormente remetida a cópia do original do MDE, devidamente traduzida. III - A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento.
Proc. n.º 1288/09.7YRLSB.S -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Maia Costa
Salazar Casanova
I -O art. 43.º do CP não manda aplicar o disposto no n.º 2 do art. 49.º, pois que não se está perante uma situação de prisão subsidiária, havendo o condenado que cumpri-la, caso não liquide o valor da multa que lhe foi imposta por condenação transitada em julgado. II - O mandado de detenção configura um acto processual legal, destinado pela sua natureza e finalidade à detenção do condenado para cumprimento da pena de prisão que lhe fora aplicada, de harmonia com a lei. III - É certo que o art. 100.º, n.º 3, do CCJ, que permite o pagamento da multa à entidade policial, dispõe que “os mandados devem conter a indicação do montante da multa”. IV - Porém, se do mandado não constar a indicação do montante da multa, tal omissão não constitui nulidade do acto, uma vez que a lei não a prevê expressamente e porque essa multa a indicar apenas tem sentido quando referida à prisão subsidiária, onde o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução, pagando no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – art. 49.º, n.º 2, do CP. V - O mandado de detenção de condenado para cumprimento de pena aplicada por decisão judicial, e exequível em consequência do trânsito em julgado da decisão que a impôs, oriundo de um juiz competente para o emitir e contendo as indicações legalmente obrigatórias, é acto processual de per si idóneo a legitimar e realizar a finalidade desse mandado de detenção: deter o condenado nele identificado para cumprir a pena de prisão aplicada. VI-O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades dessas decisões – para isso servem os recursos ordinários –, mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP. VII - O habeas corpus é, assim e, apenas, um meio excepcional de controlo da legalidade da prisão, estritamente vinculado aos pressupostos e limites determinados pela lei. VIII - Tendo o condenado a cumprir pena de prisão, não era ilegal a emissão de mandados de detenção, para cumprimento dessa pena, uma vez que a pena não se encontra extinta, a decisão penal condenatória transitada não é exequível (art. 468.º do CPP) e tem força executiva em todo o território nacional (art. 467.º), sendo que os condenados em pena de prisão dão entrada no estabelecimento prisional por mandado do juiz competente (art. 478.º), não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência de habeas corpus.
Proc. n.º 178/08.5GTEVR.A.S1 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Maia Costa
Salazar Casanova
I -O pedido de habeas corpus que assenta na alegação de que no primeiro interrogatório judicial de arguido detido não lhe foi dado conhecimento das provas que fundamentaram a detenção e dos elementos que indiciavam os factos imputados deve ser apreciado à luz do respectivo auto de interrogatório, que constitui um documento autêntico. II - No caso, constando dos autos de interrogatório os factos que determinaram a captura dos arguidos em flagrante delito e também os elementos do processo que indiciavam a prática dos factos que lhe são imputados, tendo sido estes os elementos que o MP invocou na sua promoção de realização de interrogatório de arguidos detidos e tendo sido estes os elementos que o juiz de instrução revelou aos arguidos, que se encontravam assistidos por defensor que assinou os autos, não se verifica qualquer nulidade que afecte a validade do processo, nem se verifica insuficiência de inquérito.
Proc. n.º 93/09.5SHLSB-A.S1 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Álvaro Rodrigues
Armindo Monteiro
I -A providência de habeas corpus assume natureza excepcional, a utilizar quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para pôr termo a situações de detenção ou de prisão ilegais. Não se destina a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões - para isso servem os recursos ordinários , mas tão-só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou erro grosseiro) enquadrável no disposto nas três als. do nº 2 do art. 222.º do CPP. II - Decorrido o prazo peremptório para o arguido se pronunciar, o juiz pode praticar o acto que ao caso couber, muito especialmente em processos urgentes, como são os de arguido preso. Se, todavia, a defesa fizer uso do prazo de tolerância e cumprir todos os demais requisitos e se qualquer decisão judicial tiver sido tomada findo o prazo peremptório, deve tal decisão ser reponderada à luz do acto do sujeito processual, tardia mais ainda validamente praticado. III - Tendo sido dada ao arguido a oportunidade para se pronunciar antes de o juiz de instrução tomar decisão sobre a declaração de especial complexidade do processo requerida pelo MP e porque a resposta do arguido, apresentada ainda dentro do prazo de tolerância, foi tomada em consideração no despacho em que foi reponderada a decisão tomada, não pode, de modo algum, falar-se em violação do disposto no art. 32.º, nºs. 1 e 5, da CRP.
Proc. n.º 67/08.3JAFAR-A.S1 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Álvaro Rodrigues
Armindo Monteiro
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