Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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I -Ao regime de prisão substituída por multa aplica-se o preceituado no art. 43.º, n.º 1, parte final, do CP.
II - Se tal multa não for paga, o condenado cumpre a prisão sendo correspondentemente aplicável o preceituado no art. 49.º, n.º 3, do CP.
III - Do mandado de detenção não tem, assim, de constar a menção prevista no art. 100.º, n.º 3, do CCJ referente à indicação do montante da multa, porque esta exigência apenas cobra razão de ser no caso de detenção para cumprimento da pena de prisão subsidiária e sempre que o detido pretenda pagar a multa, mas não possa, sem grave inconveniente, efectuar o pagamento no tribunal.
IV - A providência de habeas corpus configura-se uma providência excepcional para situações excepcionais; para as questões ditas normais, perfilam-se os modos de normal impugnação.
V - O requerente da providência não pode transformá-la num recurso ordinário se discordava da detenção, competindo-lhe suscitar às instâncias a questão pela via recursiva.
         Proc. n.º 188/08.2PBEVR-A.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Helder Roque Arménio Sottomayor
 
I -Verifica-se a excepção de litispendência quando se repete uma mesma causa e é manifesta a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
II - Haverá que importar do CPC os princípios neste reinantes para preenchimento de uma lacuna, nos termos do art. 4.º do CPP, pois este não dedica qualquer palavra sobre a matéria da litispendência, ao contrário do que sucedia nos arts. 138.º, n.º 2, 146.º e 147.º do CPP/29, atenta a perfeita compatibilidade com as disposições do CPP actual, visto não concorrerem os limites inerentes à integração analógica, pois que não são normas excepcionais nem normas processuais materiais que ofendam o princípio da legalidade criminal.
III - Impõe-se o não conhecimento da pretensão trazida pelo arguido – não sendo de absolvê-lo da instância –, se este anteriormente apresentou petição de habeas corpus, onde foi proferido acórdão, ainda que não transitado em julgado.
         Proc. n.º 2167/04.0JAPRT-B.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Helder Roque Arménio Sottomayor
 
I -Não colhe a pretensão do requerente que pretende que seja levado em conta no cumprimento da pena o tempo de prisão preventiva que sofreu em Espanha, no âmbito de um processo em que estava acusado de delito contra a saúde pública (crime de tráfico de estupefacientes) e do qual veio a ser absolvido.
II - O art. 82.º do CP, mandando descontar no cumprimento da pena de prisão aplicada “qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, no estrangeiro”, não tem aplicação ao caso, pois os factos pelos quais o requerente esteve preso preventivamente no país vizinho são outros completamente distintos dos que motivaram as condenações em Portugal.
III - Esta interpretação encontra apoio no citado preceito legal, não se afigurando incorrecta, nem, muito menos, enfermando de erro grosseiro na aplicação do direito, por meio do qual se evidencie a ilegalidade da prisão, à luz de uma análise sumária, como é a que inere ao carácter expedito, simplificado e destinado a detectar uma ilegalidade patente, da providência de habeas corpus.
         Proc. n.º 488/09.4YFLSB.S1 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Maria dos Prazeres Beleza Souto Moura
 
I -Parece consensual que a providência de habeas corpus não se confunde com os recursos, subsistindo, no entanto, a questão do tipo de relação a estabelecer com estes. Desenham-se a tal propósito duas posições, procurando apurar-se o que está em jogo: “se uma tutela quantitativamente acrescida, na medida em que se refere a situações que não têm outra tutela, se uma tutela qualitativamente acrescida, na medida em que diz respeito a situações mais graves de privação da liberdade”.
II - A orientação jurisprudencial que este Supremo Tribunal vem defendendo aponta no primeiro sentido, o que foi também confirmado pelo TC. A providência de habeas corpus é compatível com a interposição de recurso ordinário de pretensão equivalente e não foi pensada para que face a certas situações de maior gravidade a ele se substituisse.
III - Por maioria de razão, a providência de habeas corpus não se confundirá com qualquer outro tipo de instrumentos processuais que passaram a estar ao dispor do condenado, e que poderia ser o caso, em tese geral, da reabertura da audiência para os fins do art. 371.º-A do CPP, na sequência da qual, preenchidos os necessários pressupostos, o recluso poderia recuperar a liberdade.
IV - Assentando a providência de habeas corpus numa prisão ilegal, resultante do abuso de poder, e coexistindo enquanto meio impugnatório previsto pelo legislador, ao lado dos recursos, daí a sua caracterização como excepcional. Excepcional no sentido de estar vocacionada para atender a situações excepcionais pela sua gravidade. Trata-se portanto de uma providência destinada a atalhar, de modo urgente e simplificado, a situações de ilegalidade patente, flagrante, evidente. Não de ilegalidade que se revele simplesmente discutível.
         Proc. n.º 779/05.3GBMTA-F.S1 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Maria dos Prazeres Beleza Rodrigues da Costa
 
I -Prevendo a lei que o MDE tem em vista, não só a entrega de pessoa para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade, mas também para efeito de procedimento criminal, não pode constituir motivo válido de recusa do mandado a sua emissão e pedido de execução para os efeitos previstos na própria lei.
II - O procedimento atinente à execução de mandado de detenção europeu caracteriza-se pela simplicidade e urgência do respectivo processado e, em matéria de garantias de defesa da pessoa procurada, contém os instrumentos processuais necessários e suficientes para assegurar o exercício dos correspondentes direitos, impondo designadamente que seja a pessoa procurada informada, logo que detida, da existência e do conteúdo do mandado de detenção, atribuindo-lhe o direito de ser assistida por defensor, obrigatoriamente nomeado pelo Tribunal caso o procurado não tenha constituído advogado e a intérprete idóneo, caso aquele não conheça ou domine a língua portuguesa.
III - A prescrição do procedimento criminal enquanto causa de recusa facultativa do mandado de detenção europeu tem pressuposto que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão dos mandados de detenção.
VI - Os tribunais portugueses carecem de competência para conhecimento dos crimes que motivaram a emissão do mandado de detenção, se a prática dos mesmos ocorreu fora do território nacional, não se enquadrando qualquer deles na previsão do art. 5.º da Lei 65/03, de 23-08.
         Proc. n.º 986/09.0YRLSB.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Santos Cabral Bettencourt de Faria
 
I -Nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47.º II -Ora, a substituição da prisão em multa é feita por igual número de dias de multa, pois, como referem Paulo Pinto Albuquerque e Maia Gonçalves, nos seus Códigos anotados (ver no primeiro fls. 179-180), a Comissão de revisão do CP adoptou «um critério de correspondência aritmética “por ser mais certa, com tradição e, por isso, mais convidativa à conversão”».
III - Na sentença proferida nos autos em causa neste habeas corpus não há qualquer explicação ou fundamentação para o facto de os 6 meses de prisão, que correspondem a 180 dias, terem sido substituídos por 240 dias de multa. Tratou-se, portanto, de um erro material, de conta matemática mal executada, corrigível oficiosamente a todo o tempo (art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP).
IV - Está documentado que o peticionante chegou a pagar 6 prestações de € 120 cada uma, num total de € 720. Estariam em falta, portanto, € 180, correspondentes a 36 dias a € 5 diários.
V - Se a multa que substitui a prisão não for paga em parte, «o condenado cumpre a pena de prisão correspondentemente reduzida dos dias de multa já cumpridos» (Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, pág. 180).
VI - Deste modo, a prisão do peticionante, ocorrida em 30-05-2009, a que acresce um dia de detenção anteriormente sofrido, já esgotou o prazo que o mesmo teria de cumprir e, por isso, a prisão é neste momento ilegal e há fundamento para o pedido de habeas corpus (art. 222.º, al. c), do CPP).
         Proc. n.º 513/06.0GTEVR-A.S1 -5.ª Secção Santos Carvalho (relator) * Simas Santos Arménio Sottomayor
 
I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VI - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.
VII - No caso de impugnação da matéria de facto nos termos dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.°, al. b), do CPP.
VIII - Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento parcelar, de via reduzida.
IX - A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica”, no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
X - A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
XI - No recurso interposto para o Tribunal da Relação as arguidas limitaram-se a manifestar a sua discordância relativamente à matéria de facto dada por provada; de forma expressa (e mesmo implícita), não invocaram qualquer dos vícios decisórios previstos no n.° 2 do art. 410.° do CPP, não tencionaram lançar mão do instrumento reactivo concedido pelo artigo 412.°, n.°s 3 e 4, do CPP, nem procuraram sindicar a matéria de facto fixada pelo Colectivo pelas duas vias possíveis.
XII - Ao tribunal restava a verificação oficiosa dos vícios previstos no n.° 2 do art. 410.° do CPP – fora desse quadro, tal como se apresentava o recurso, pareceria conduzir à manifesta improcedência e rejeição; diverso foi o entendimento da Relação que reviu a decisão ao nível da matéria de facto (tendo por base as declarações documentadas e transcritas), modificando amplamente a matéria de facto com a consequência de absolvição das arguidas, o que não pode deixar de constituir surpresa para os assistentes, que não haviam sido confrontados com um tal objecto de recurso, a que não puderam opor os seus pontos de vista e dar contributo para a conformação global do tema a decidir, com o que claramente foi violado o princípio do contraditório.
XIII - Verifica-se, assim, excesso de pronúncia face ao tema a decidir, com a conformação que lhe havia sido dada pelas recorrentes, extravasando o acórdão recorrido os limites da vinculação temática; tal excesso de pronúncia consubstancia nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 379.°, n.° l, al. c), segmento final, por força do art. 425.°, n.° 4, do CPP.
         Proc. n.º 103/09 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis
 
I -O efeito à distância reflecte o alcance, a expansão, a projecção de um meio de prova nulo sobre provas secundárias.
II - Aquela projecção é de arredar se as provas se mostram distintas e subsequentemente produzidas, sem que entre as provas nulas e aquelas deixe de interceder um visível e indubitável nexo lógico e dependência cronológica, por a lei não ter seguido um efeito inevitável de invalidade, quer sucessiva, quer prévia, antes forçando ao aproveitamento dos actos praticados.
III - O princípio do efeito à distância comporta limitações que devem ter-se como efeitos excluídos da chamada “árvore envenenada” como seu fruto são, não contaminado, sendo corolário lógico da imperativa necessidade de não deixar sem punição graves acções criminosas levadas a cabo e não deixando certas situações de efeito à distância de integrar um efeito garantístico de defesa permitindo descortinar se existe um nexo naturalístico que fundamente um nexo de antijuridicidade entre a prova inválida anterior nula e a subsequente ou fundar um real e destacado grau de autonomia entre ambas que diferencie fundadamente a subsequente daqueloutra.
IV - A suspensão da execução da pena assume feição pedagógica e reeducativa e tem feição pedagógica e reeducativa e tem a inegável vantagem de não separar o condenado do seu meio familiar, pessoal e profissional.
V - O STJ vem-se posicionando – considerando o grave crime de tráfico de estupefacientes socialmente intolerável, de uma indescritível danosidade pessoal, familiar, social e colectiva em que a maioria esmagadora das suas vitimas são as camadas sociais mais jovens e os autores dessa destruição ao nível da saúde física, psíquica e até da liberdade individual alguém que despreza em grau elevado a condição humana, movido pela ganância do lucro fácil –, num patamar de rejeição de suspensão, a menos que concorram condições de excepcional valia, reduzindo o juízo de reprovação individual sendo previsível um quadro de não sucumbência, vista a personalidade delineada do agente sustentando um juízo de prognose favorável, conquanto não sejam afectados os fins das penas, de protecção dos bens jurídicos e de ressocialização do agente – art. 40.º, n.º 1, do CP.
VI - Tendo sido apreendida à arguida 536,824 g de cocaína, € 30 110 em dinheiro, 16 telemóveis e considerando que ela não tem averbada condenação no seu registo criminal, tem um filho de 4 anos a seu cargo e não confessou os factos, silêncio que não a prejudica, mas que não a beneficia, mostra-se ajustada e adequada a pena de 4 anos de prisão não suspensa na sua execução, pois que ela se mostra carente de emenda cívica, através do cumprimento efectivo, não se coadunando a suspensão da pena com necessidade de reprovação colectiva e só através dessa expiação se exercendo aquela imprescindível função dissuasora.
         Proc. n.º 200/02.9JELSB. S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral
 
Enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, o acórdão que, apreciando a conduta de um arguido que na data da prática dos factos havia já completado os 16 anos de idade, mas ainda não perfeito os 17, não a valora nem sanciona, à luz dos critérios plasmados no diploma que prevê o regime especial para os jovens delinquentes – DL 401/82, de 23-09.
         Proc. n.º 8/08.8PDLSB.S1 -3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Santos Cabral
 
I -Tendo o STJ, em face da insuficiência da matéria de facto para a decisão, decretado o reenvio do processo para o Tribunal da Relação para aí ser ampliada a matéria de facto, com resposta às concretas questões de facto que enunciou, este pode admitir a renovação da prova ou reenviar o processo para novo julgamento em 1.ª instância.
II - Não pode, todavia, o Tribunal da Relação ampliar a matéria de facto, tendo em conta a prova que ficou gravada e apreciada na 1.ª instância, tomando essa decisão em conferência, pois que tal ampliação/alteração foi efectuada sem a amplitude e garantismo, decorrente da observância do art. 426.º, n.º 2, do CPP.
III - Ao fazê-lo, o Tribunal da Relação retirou ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a alteração/ampliação da matéria de facto, não podendo o tribunal recorrido prescindir da participação dos sujeitos processuais, quer do MP, quer do arguido, sob pena de, no que a este concerne, não lhe acautelar os direitos de defesa.
IV - Integra a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPP, a reapreciação em conferência pelo Tribunal da Relação da prova produzida em 1.ª instância, sem a respectiva renovação e sem a intervenção dos sujeitos processuais, por violação do preceituado no art. 426.º, n.º 2, in fine, do CPP.
         Proc. n.º 1126/06.2PEAMD.S1 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar
 
I -Há sucessão de penas quando o mesmo arguido pratica dois crimes, mas o segundo crime é praticado depois do trânsito em julgado da condenação.
II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas, é o trânsito em julgado da condenação do primeiro crime.
III - Não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados, uns antes e outros depois, da primeira condenação transitada em julgado; depois daquele trânsito há sucessão de crimes e de penas.
IV - Ao englobar no cúmulo jurídico uma pena respeitante a condenação por factos praticados após o trânsito em julgado de uma condenação noutra pena aí igualmente incluída, não se pronunciando sobre a questão da sucessão de penas que entre si não se encontram numa relação de concurso, nem sobre a eventual inclusão noutro cúmulo jurídico da pena a excluir daquele, sendo a respectiva pena única de cumprimento sucessivo, a decisão recorrida não só violou o disposto nos arts. 77.º e 78.º, ambos do CP, como também omitiu pronúncia sobre questão que devia apreciar, o que acarreta a nulidade respectiva, nos termos do estatuído no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
         Proc. n.º 49/07.2GCVRL.P1.S1 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar
 
I -Para determinar o montante de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizado, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação sócioeconómica. E há também que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação sócio-económica e as demais circunstâncias do caso.
II - Relativamente aos danos não patrimoniais próprios, há que ter em atenção que a indemnização pelos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante III -Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.
IV - A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.
V - Ponderando que: -a assistente sofreu um traumatismo na face e diversas escoriações nos cotovelos, nos joelhos e no couro cabeludo, que lhe provocaram fortes dores e mal estar físico e lhe causaram 5 dias de doença, sendo os 3 primeiros com afectação da capacidade para o trabalho geral; -a arguida deslocou-se propositadamente ao parque de estacionamento da escola onde a assistente exercia funções, onde esperou que aquela saísse e se deslocasse para o seu veículo automóvel aí estacionado; -os factos foram praticados em virtude de ter sido aplicado ao filho da arguida, ex-aluno da escola onde a assistente era professora, uma medida disciplinar; -a arguida só deteve a sua actuação mediante a intervenção de dois outros professores daquela escola; -impossibilitada de prosseguir com os seus intentos, a arguida gritou à assistente, por diversas vezes, que “lhe queimava os olhos com ácido, que lhe espatifava o carro, que lhe partia os cornos e, ainda, que não sabia do que ela era capaz”; -a assistente sentiu fortes dores e mal-estar físico e sentiu medo, pois que, atento todo o circunstancialismo e comportamento da arguida, acreditou que esta seria capaz de levar por diante os males que anunciava; -a arguida vive com o marido, que é empreiteiro; -não se encontra empregada; -suporta, a título de amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição de habitação própria, cerca de € 350; -sofre de depressão desde, pelo menos, 2003, estando, desde então, em tratamento psiquiátrico, afigura-se justa e adequada uma indemnização de € 10 000 relativa a danos não patrimoniais.
         Proc. n.º 496/03.9PESNT.S1 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar
 
I -No caso de falta da tempestiva junção, aquando da interposição de recurso da decisão instrutória, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, mostra-se justificada a notificação realizada pela secretaria, para proceder à sua apresentação no prazo de cinco dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, nos termos do art. 80.º do CCJ.
II - Carece de fundamento legal a pretensão de devolução de montantes pagos pelo assistente a título de taxa de justiça pela interposição de recursos ou à compensação de tais montantes com quantias futuramente devidas, dado que o art. 81.°, n.º l, do CCJ estatui a não restituição, salvo os casos especialmente previstos na lei, das custas pagas, o que compreende a taxa de justiça e os encargos, conforme resulta do art. 74.°, n.º 1, do mesmo diploma.
III - Nos termos do art. 380.º, n.º 2, do CPP, conjugado com a al. b) do n.º 1 da mesma disposição legal, o tribunal superior pode proceder a rectificação de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades “cuja eliminação não importe modificação essencial”, sendo óbvio que a lei se reporta àqueles casos evidentes e incontestáveis, cuja correcção não suscita qualquer controvérsia, pelo seu carácter evidente e manifesto.
IV - Não é esse o caso quando o recorrente não alerta para qualquer erro material notório e incontroverso da decisão recorrida, antes pretende a alteração da matéria de facto considerada apurada, em termos de substituir factualidade, o que importaria a alteração daqueles factos, envolvendo assim uma modificação substancial do despacho recorrido, contra o disposto no art. 380.°, n.º l, al. b), do CPP.
V - Quando o juiz em relação ao qual não se detectam decisões tecnicamente erradas, e muito menos contra legem, mas antes lhe são imputáveis atrasos – numerosos, é certo –, no processamento das acções, em caso algum é possível afirmar que ele tenha decidido conscientemente e contra direito, ou seja, que tenha dolosamente adoptado, nas suas decisões, soluções contrárias à lei, e muito menos se indicia que alguma vez tenha pretendido intencionalmente prejudicar ou beneficiar alguém com essas decisões.
VI - Havendo aspectos censuráveis na sua conduta, eles serão, eventualmente, enquadráveis no ilícito disciplinar, mas nunca no ilícito penal do art. 369.º, n.ºs 1 e 2, do CP.
         Proc. n.º 3466/02.0YRCBR.S1 -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça
 
I -Tem-se por adequada a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão [e não de 6 anos como decidiu a 1.ª instância] pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, se o arguido, de nacionalidade espanhola e sem antecedentes criminais conhecidos, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no aeroporto de Lisboa, num voo proveniente do Brasil, com destino final a Bilbao, trazendo consigo 4605 g de cocaína, que se encontravam dissimuladas no fundo falso de uma mala.
II - Pela natureza do crime, a simples ameaça da prisão não assegura de forma adequada e suficiente as exigências fortes de prevenção geral.
III - Não é aplicável a pena acessória de expulsão do território nacional a cidadão espanhol, que goza dos direitos de livre circulação e de permanência no território nacional, apenas podendo ser objecto de afastamento (não de expulsão) do território nacional, por motivos de ordem pública, de segurança ou de saúde públicas.
         Proc. n.º 51/08.7ADLSB -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro
 
I -O art. 21.°, n.º 1, do DL 15/93 contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine – a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
II - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
III - Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (arts. 21.° e 22.°), para os pequenos e médios traficantes (art. 25.°) e para os traficantes-consumidores (art. 26.°).
IV - O art. 25.° do DL 15/93, contém um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental do art. 21.°. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
V - A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico.
VI - No caso, as quantidades de produto detidas são já de certa envergadura, especialmente quando em relação com a natureza dos produtos detidos e destinados à venda – heroína e cocaína – comummente designadas por “drogas duras”. Revelam, por si só e pela conjugação com as regras da experiência, que se não trata apenas de um pequeno vendedor de rua, sem logística, de proximidade, em comércio sem dimensão consistente no tempo e no espaço territorial de intervenção.
VII - A procura de local dedicado que se sabia escolhido para actividade de transacção de produtos estupefacientes – uma espécie de “lugar de mercado”, isolado – onde os consumidores se dirigiam sabendo que aí encontravam o produto para adquirir, juntamente com o domínio pelo requerente do conhecimento do espaço, distante do local de residência, revela uma projecção de distância que indicia uma actividade não ocasional, que se não resume a um acto isolado ou a abordagem de contingência.
VIII - Também o montante de dinheiro detido, proveniente da actividade, permite a conclusão sobre a dimensão ou relevo da actividade, que não pode ser considerada de pequeno tráfico no quadro de valorações do art. 25.° do DL 15/93, de 22-01.
IX - A integração do tipo base constante da decisão recorrida deve, por isso, ser aceite, revelando um juízo adequado sobre a proporcionalidade da conduta e da razão de ilicitude, por referência às categorias da lei.
         Proc. n.º 47/08.9GCLLE.E1.S1 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro
 
Somente por referência a cada um dos crimes em concurso, e não à operação do cúmulo jurídico das penas parcelares, se pode colocar a questão da atenuação especial da pena, nos termos dos arts. 72.º e 73.º do CP, desde que as circunstâncias do caso evidenciem um menor grau de culpa ou de ilicitude, ou de necessidade de pena, relativamente ao que fora o pensamento do legislador, em sede de moldura penal abstracta para o correspondente tipo legal.
         Proc. n.º 1187/07.7PAPTM.S1 -5.ª Secção Soares Ramos (relator) Santos Carvalho
 
I -Tendo o STJ reduzido, de 5 anos e 6 meses para 4 anos e 6 meses de prisão, a pena aplicada ao recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e encontrando-se provado que o arguido agiu num quadro de confronto com uma situação económica precária por não dispor então de trabalho, que agora tem emprego como pedreiro, auferindo mensalmente cerca de € 600 e apresenta uma rotina marcada pelo trabalho, não tendo antecedentes criminais e que apresenta juízo crítico sobre a sua conduta, mas ter dificuldades na avaliação de alternativas para resolução dos problemas, é de admitir que este quadro, clarificado e actualizado, possa permitir o juízo de prognose social favorável subjacente à suspensão da execução da pena.
II - Mostra-se necessária a remessa dos autos à 1.ª instância, para que reabra a audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, solicite a realização de um relatório social actual, produza outras provas que este relatório possa sugerir e decida, então, sobre a aplicação da suspensão da execução à pena de 4 anos e 6 meses que este STJ aplicou.
         Proc. n.º 34/07.4PESXL.L1.S1 -5.ª Secção Simas Santos (relator) ** Santos Carvalho
 
I -Quando a Relação nega provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1.ª instância ao não acolher a argumentação do recorrente, compreende-se que o recorrente retome as razões de crítica em relação ao acórdão do tribunal colectivo por entender que mantêm validade essas razões, mas não pode esquecer que a decisão recorrida é a da Relação, pelo que deve ser essa a decisão a impugnar, demonstrando como e porque errou esse Tribunal Superior, ao não acolher a argumentação perante ele deduzida, o que tudo deve ser feito à luz da decisão recorrida e não da decisão da 1.ª instância, sob pena de se estar perante falta de motivação do recurso toda a vez que não é verdadeiramente impugnado o acórdão recorrido.
II - Com efeito, quem recorre de uma decisão da Relação para o STJ deve especificar os fundamentos desse recurso – como lhe impõe o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP –, e não reeditar a motivação apresentada no recurso para a Relação, esquecendo-se de desenvolver qualquer fundamento para alicerçar a sua discordância com o ali decidido, confundindo a motivação do recurso interposto para o STJ com a que apresentou perante o tribunal de 2.ª instância, como se o acórdão da Relação não existisse. Não o fazendo, não existe impugnação relevante, o que implica a rejeição dos recursos nos termos dos arts. 412.º, n.° 1, 414.º, n.° 2, e 420.º do CPP.
III - Se o recorrente invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, mas se dispensa de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida crítica pelo STJ que não tem que (nem pode) desencadear uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de incumprimento daquele dever de fundamentação.
IV - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
V - Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença as funções de: -contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral; -permitir, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz; -constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere); e, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
VI - O art. 374.º, n.º 2, do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º, pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que, embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas, o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
VII - Se o tribunal não conseguiu compreender o motivo da actuação do agente, obviamente que não o pode qualificar de fútil. Mas o mesmo já não é verdade quando o tribunal compreende que o agente agiu sem qualquer motivo, como recentemente aconteceu com os chamados “homicídios aleatórios”, caso em que “nenhum motivo” deve ter o tratamento de “motivo fútil”, que sendo um “fraco” motivo já está acima do “não motivo”.
VIII - Provando-se que o arguido, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro, abriu a porta a pontapé e, aberta a mesma, acto contínuo, disparou um tiro de arma de fogo, em direcção do ofendido, atingindo-o na cabeça e provocando-lhe a morte, fica afastada a alegação de que se não apurou o motivo da acção, o que impediria a sua qualificação como fútil.
IX - Mas, encontrado o motivo pelo qual agiu o recorrente – aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro –, importa ver se o mesmo, como entenderam as instâncias, é fútil.
X - Não merece qualquer censura a qualificação do homicídio praticado pelo recorrente, designadamente por ter agido por motivo fútil, se ele matou a tiro de arma de fogo disparada a curta distância um velho de 89 anos, seu conhecido de muitos anos, de madrugada na casa deste, quando ele, frágil e indefeso, se encontrava apenas acompanhado da mulher, igualmente idosa, depois de a vitima o ter auxiliado emprestando-lhe uma ferramenta às 3h30, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro que lhe pedira agressivamente.
XI - É um motivo claramente desproporcionado, inadequado face à génese do crime e ao modo de execução, que torna este incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana, insensibilidade moral traduzida na brutal malvadez do agente.
XII - Entende-se hoje que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (arts. 70.º a 82.º do CP): aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cf. arts. 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do CP dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
XIII - Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, cabendo então apreciar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.
XIV - Já tem considerado, por outro lado, este STJ e a doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
XV - Atendendo: -ao grau de ilicitude do facto, ou seja, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação de deveres impostos ao agente (consideravelmente elevado atentas as circunstâncias da acção: o arguido acordou a idosa vítima (89 anos) às 3h30, sabendo que estava a dormir com a mulher igualmente idosa, e como ela se recusasse a dar-lhe dinheiro, depois de lhe ter prestado ajuda, abriu a porta a pontapé, entretanto fechada pela vítima, e sem mais desferindo-lhe um tiro na cabeça, sem qualquer possibilidade de defesa, matando-a, não sem que esta tenha tido consciência que ia morrer); -à intensidade do dolo (o dolo foi directo e intenso); -aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram (o arguido desde pequeno que conhecia o ofendido e sabia que este tinha 89 anos de idade e que estava a dormir com a mulher igualmente idosa e frágil, pediu-lhe ajuda e como a sua exigência de dinheiro não tivesse sido satisfeita disparou-lhe um tiro na cabeça, matando-o; pretendia pois apoderar-se de dinheiro que o ofendido tivesse e demonstrou um completo desprezo pelas condições do ofendido e uma enorme agressividade); -às condições pessoais do agente e à sua situação económica (nasceu numa família de escassos recursos económicos, os pais emigraram para a Alemanha, tendo o arguido permanecido em Portugal aos cuidados dos avós maternos; o arguido não completou o 7.º ano de escolaridade e, desde então, passou a dedicar-se à actividade de pastoreio com os rebanhos de familiares, consumindo regularmente álcool desde os 13 ou 14 anos de idade, em quantidades normalmente excessivas, bem como haxixe); -à conduta anterior ao facto e posterior a este (não tem antecedentes criminais, adoptou um estilo de vida marcado pela dependência de substâncias etílicas, o que se repercute negativamente no comportamento social que então adoptava e que ainda se faz sentir ao longo do período de execução da medida de prisão preventiva); -à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (o percurso de vida do aqui arguido foi marcado pela ausência de uma figura de autoridade, facto que parece ter estado aliado a algum desinvestimento afectivo por parte dos progenitores, o que terá levado a que o seu desenvolvimento fosse tutelado pelos avós, pessoas já idosas, que não terão conseguido transmitir ao arguido os limites necessários a uma vida socialmente integrada; desta forma, o arguido sempre terá tido grande autonomia para gerir o seu quotidiano, facto para o qual não revela as competências necessárias, adoptando um estilo de vida marcado pela dependência de substâncias etílicas, o que se repercute negativamente no comportamento social que então adoptava e que ainda se faz sentir ao longo do período de execução da medida de prisão preventiva); afigura-se adequada a redução de 15 anos para 13 anos de prisão, da pena aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e e), do CP.
         Proc. n.º 59/07.0GCVPA.S1 -5.ª Secção Simas Santos (relator) ** Santos Carvalho Carmona da Mota
 
I -Nos recursos para fixação de jurisprudência, exigindo a lei o trânsito em julgado de ambas as decisões, definindo, com precisão, o momento a partir do qual corre o prazo para a interposição do recurso extraordinário, e tendo este prazo natureza de peremptório, o acto de interposição do recurso extraordinário praticado fora do prazo dá motivo à rejeição do recurso.
II - Foi intempestivamente apresentado o recurso para fixação de jurisprudência interposto conjuntamente e no mesmo prazo em que o foi um inadmissível, e não admitido, recurso ordinário.
III - Com a notificação do despacho que não admitiu o recurso, iniciou-se o prazo de 10 dias referido no art. 405.° do CPP, em que é possível ao recorrente reclamar do não recebimento do recurso para o presidente do tribunal ad quem; só depois de esgotado tal prazo se não houver reclamação, ou depois de notificado o despacho quando confirmativo da não admissão do recurso, ocorre o trânsito em julgado da decisão.
IV - Renuncia de forma tácita à reclamação para o Presidente do Tribunal o recorrente que, notificado do despacho que não admitiu os recursos, interpõe, de novo, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
V - Resultando dessa renúncia o imediato trânsito em julgado do acórdão recorrido, deve o recurso extraordinário ser considerado como apresentado dentro do prazo legal.
VI - Dada a necessidade de uma delimitação precisa da questão a decidir, tem sido pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que é de exigir a indicação de apenas um acórdão fundamento e de que a menção de mais de um acórdão fundamento produz a rejeição do recurso.
VII - Tendo o recorrente indicado como opondo-se à decisão recorrida dois acórdãos, mas atribuindo natureza de acórdão fundamento a um deles, do qual juntou certidão, a menção à outra decisão, da qual reproduziu longo trecho, deve ser tida por irrelevante para efeito do recurso de fixação de jurisprudência.
VIII - As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico são diferentes se no acórdão fundamento há uma omissão completa dos factos indiciados, o que contraria, na óptica da decisão, o art. 308.º, n.º 2, do CPP e no acórdão recorrido “um observador atento e desinteressado” de imediato descortina “a factualidade que se tem por verificada”, não existindo ofensa àquela disposição legal.
         Proc. n.º 1381/04.2TAOER.L1-B.S1 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura
 
I -O facto de o art. 564.º, n.º 2, do CC prever que, na fixação da indemnização, o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, e que se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, não implica, necessariamente, que a liquidação do montante indemnizatório, em execução de sentença, fique confinada aos danos futuros.
II - O tribunal penal pode decidir, com trânsito em julgado, que é devida indemnização e, oficiosamente, pode decidir que a liquidação se fará em execução de sentença (art. 82.º, n.º 1, do CPP); a remessa para tribunal cível fica a dever-se à falta de elementos bastantes para o tribunal penal se pronunciar, tudo para se evitar que a recolha dos necessários elementos provoque um excessivo retardamento da acção penal.
III - A dogmática penal acolheu um princípio de ofensividade e não de ofensa dos bens jurídicos, porque a tutela destes bens reclama, não só a punição de quem os viole, como de quem, pelo seu comportamento, represente apenas uma potencial lesão desses bens jurídicos. Tal antecipação de tutela aflora, por exemplo, na punição da tentativa, sendo patente na criação dos crimes de perigo.
IV - Quanto ao “perigo”, atenta a formulação da jurisprudência alemã, com a maior aceitação entre nós, deveremos atender a “uma situação não habitual e irregular em que, segundo uma apreciação especializada, e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, surge como provável a produção de um dano e está próxima a possibilidade do mesmo” (cit. in Jescheck, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, pág. 282).
V - Enquanto que nos crimes de dano ou de lesão a consumação típica da agressão representa uma perda directa de valor, nos crimes de perigo o crime consuma-se havendo apenas um risco de lesão de interesses. Depois, enquanto que certas condutas, segundo a experiência comum, criam um perigo que lhes é próximo, porque é uma sua resultante normal, outras existem em que a acção básica não gera, sem mais, um potencial dano ulterior. Ali, o perigo não precisa de ser elemento do tipo porque se presume juris et de jure, é só o motivo da incriminação, e o crime é de perigo abstracto. Aqui, será preciso demonstrar, em cada caso, que alguém ou algo correu um efectivo perigo. O resultado da acção é o perigo para o bem jurídico, e o perigo torna-se elemento do tipo, que é dum crime de perigo concreto. Em relação a esta última espécie de infracções, o elemento subjectivo tem que ser preenchido, a título de dolo ou de negligência, tanto em relação à acção básica como em relação ao perigo concreto que ela gerou.
VI - Na previsão do art. 272.º, n.º 1, al. f), do CP a acção básica cifra-se em “Provocar desmoronamento ou desabamento de construção”. Quanto ao perigo concreto resultará de, deste modo, se criar “perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”. O n.º 3 do preceito prevê uma acção básica negligente e o n.º 2 um perigo criado por negligência.
VII - Quanto ao art. 277.º, n.º 1, al. a), do CP, está aí em causa uma acção que se cifra em “(…) No âmbito da sua actividade profissional [o agente] infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação (…)”. O perigo continua a ser “para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”. Do mesmo modo, o n.º 3 do preceito prevê uma acção básica negligente e o n.º 2 um perigo criado por negligência.
VIII - Em qualquer dos casos, de acordo com o art. 285.º do CP, se do crime “(…) resultar morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.
IX - Os factos provados que mais interessam a este ponto, são: -o arguido AP decidiu retirar totalmente a banqueta de terra que se encontrava junto ao edifício que confinava de norte com o terreno escavado, o que mandou fazer ao arguido HC no dia 02-12-2003; -a retirada da banqueta de terra foi então efectuada pelo arguido HC, no dia 02-12-2003, em obediência àquela ordem do arguido AP, sem que as sapatas e os pilares do edifício a construir estivessem armados e cheios, existindo apenas betão na base dos pilares, deixando o terreno totalmente escavado até à face deste edifício, e sem que fosse colocado outro qualquer mecanismo de escoramento ou suporte das terras que o suportavam e que ficaram sem qualquer escoramento em toda a sua extensão (de cerca de 17 metros); -por volta das 16h55 do dia 02-12-2003, aquele prédio desabou e desmoronou-se, tendo essa derrocada provocado a queda da empena sul, a queda parcial dos tectos dos pisos térreo e superior, o arrancamento de grande parte dos tirantes que ligavam as paredes exteriores, o que se traduziu no desmoronar de toda a parte sul do edifício, o qual teve que ser demolido na parte restante, pois ficou em risco de ruína completa e irrecuperável; -naquela parte do edifício desmoronado, nesse momento, encontravam-se PP e MA, os quais foram arrastados pelo desabamento do prédio, tendo ficado soterrados nos escombros; -encontravam-se ainda no 1.º andar daquela parte do edifício EA e uma sua neta de 3 anos, que o abandonaram, levando a EA a neta ao colo, quando aquela EA começou a ouvir barulhos estranhos na casa e se apercebeu do surgimento de rachas nas paredes, tendo a parte do edifício onde se encontrava, com a sua neta, ruído assim que chegaram ao fim das escadas que dão acesso à cobertura do edifício, em zona que não ruiu e onde aquela EA e a neta se refugiaram; -a MA sofreu lesões vértebro-medulares de extrema gravidade e o PP lesões ósseas por compressão sobre o corpo e lesões obstrutivas respiratórias por terra, que lhe provocou asfixia, que lhes determinaram, como consequência directa e necessária, a morte; -o arguido AP era o responsável técnico da obra quer na demolição quer na construção civil e betão armado; -ao técnico responsável pela obra cabe, além de outras funções, dirigir e fiscalizar os trabalhos em obra e identificar os erros de execução e corrigi-los; -o arguido AP, ao dar a ordem indicada, voluntária e conscientemente, sabia que assim seria retirada a banqueta nas condições aí descritas, o que quis alcançar, sabendo igualmente que assim infringia as regras técnicas de construção referidas nos n.ºs 17 e 18 dos factos provados, o que igualmente quis; -o arguido AP sabia que existia um estabelecimento comercial no rés do chão do edifício contíguo (a norte), na parte que confina com a zona escavada, onde se encontravam pessoas, e bem assim que no 1.º andar desse edifício viviam pessoas, que se poderiam encontrar em casa; -sabia ainda que, ao fazer retirar a banqueta e por força do desconfinamento lateral, passava a existir uma possibilidade elevada de o edifício contíguo ruir como consequência daquela acção, possibilidade aquela que aceitou; -confiou, contudo, em que, pese embora esse desconfinamento lateral e a possibilidade da queda do edifício, tal queda não chegaria a ocorrer nem, desse modo, se causariam danos no edifício nem se atingiriam as pessoas que se encontrariam no edifício; -sabia que o desrespeito de regras técnicas associadas à construção e a criação de perigo para coisas ou pessoas é proibida pela lei penal, sabendo igualmente que a lei penal proíbe a destruição de coisas ou produção da morte de pessoas de forma negligente tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
X - Em relação ao preenchimento dos elementos típicos do art. 277.º, n.º 1, al. a), do CP, não oferece dúvidas de que o arguido AP violou uma regra técnica e regulamentar que devia ter sido seguida, na construção do prédio. A violação dessa regra cifrou-se num comportamento comissivo por acção, consistente na ordem para retirada da banqueta, cuja função era impedir o desmoronamento do prédio contíguo e que de facto teve lugar. Com tal comportamento criou-se um perigo efectivo para um círculo específico (“concreto”) de pessoas e bens, perigo que se transmutaria em lesão, para as vítimas que sucumbiram na derrocada ou ficaram patrimonialmente lesadas. Esse perigo foi real também para aquelas a quem isso não aconteceu. Assim, paradigmaticamente, em relação às duas pessoas que tiveram de fugir.
XI - Houve dolo directo em relação à acção básica e dolo necessário em relação à criação do perigo. O arguido aceitou a possibilidade do ruir do edifício, portanto, da criação de uma situação de perigo, para todo um leque de pessoas e bens. Mais, o arguido teve que configurar, que o perigo surgiria necessariamente, como decorrência do seu comportamento.
XII - Mas o facto de o arguido aceitar pôr necessariamente em perigo pessoas ou bens, não implica que lhe fosse indiferente e se conformasse com a perda de vidas, ou os danos que poderiam sobrevir, caso em que seríamos até remetidos para previsões típicas de homicídio, ou dano, sob a forma de dolo eventual. Daí ser possível concluir que o agente confiou em que, não se atingiriam pessoas ou bens, como consequência de um desabamento, desabamento esse apenas admitido como possível. E assim, o ter havido vítimas que perderam a vida, ficaram sem bens, ou de qualquer maneira prejudicadas, é relegado para uma circunstância qualificativa agravativa, prevista no art. 285.º do CP, ou geral, sem que esse facto constitua elemento necessário ao preenchimento do tipo fundamental.
XIII - Em relação ao preenchimento do crime do art. 272.º, n.º 3, do CP, importa ter em conta que, de facto, o arguido provocou um desabamento de uma construção. Ora, a configuração de um dolo eventual no tocante ao desabamento, aceitar o desabamento (subsequente à violação de regras de construção), não se confunde com aceitar ou conformar-se com pôr em perigo pessoas e bens. Simplesmente porque, este pôr em perigo, pode ter lugar antes do desabamento. Daí que, para integração do elemento típico da al. f) do n.º 1 do art. 272.º, só com muita dificuldade se poderia ver preenchido o elemento “dolo” sob qualquer das suas modalidades, em relação à acção básica, dado que os factos provados retratam um dolo em relação ao perigo, e não ao desabamento, o qual implicaria já o resultado danoso.
XIV - Não oferece reparo a qualificação jurídica do comportamento do arguido AP operada pelas instâncias [a Relação confirmou o acórdão proferido na 1.ª instância, que condenou o arguido pela prática de um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277.º, n.º 1, al. a), agravado nos termos do art. 285.º, ambos do CP] e tem-se por justa a pena de 4 anos de prisão aplicada.
XV - No que respeita à possibilidade de suspensão da execução da pena aplicada, cumpre considerar que no caso em apreciação, não se colocam preocupações de monta ao nível da reinserção social do arguido; nada se pode apontar quanto ao seu comportamento anterior ao crime, ou posterior ao mesmo, na medida em que continua com o registo criminal limpo, mais de 5 anos volvidos sobre os factos destes autos (03-12-2003); assume relevo o tempo decorrido desde que o recorrente praticou os factos. No entanto, mostra-se importante fazer sentir ao agora condenado os efeitos da condenação; o seu comportamento foi altamente censurável, e o recorrente não pode deixar de o interiorizar. Tanto mais que, em termos de prevenção geral, a reacção penal aos factos em apreço poderá mostrar-se suficiente, optando-se pela suspensão da pena, mas desde que condicionada ao pagamento de indemnizações devidas.
XVI - Mostra-se adequado suspender a pena de 4 anos de prisão aplicada ao arguido AP, por igual período de tempo, o qual ficará obrigatoriamente sujeito a regime de prova, de acordo com os arts. 53.º e 54.º do CP. Além disso, a suspensão da execução da pena deverá ficar subordinada ao cumprimento dos deveres de: -fazer prova nos autos, dentro de 1 mês contado do trânsito em julgado desta decisão, de já ter pago o montante indemnizatório global de € 232 000, a que se obrigou, nos termos da transacção homologada por decisão do Tribunal da Relação de 13-05-2008, devido a AN e EN; -fazer prova nos autos de ter pago, no prazo de 3 meses contados do trânsito em julgado da presente decisão, pelo menos o montante já liquidado da indemnização devida a MC; -fazer prova nos autos de ter pago a quantia de € 211 669,22, devida a JP e CP, a título de indemnização, e em que foi condenado, no prazo máximo de 6 meses contados do trânsito em julgado do presente acórdão.
         Proc. n.º 3702/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos (vencido «porquanto, reportando-me, em especial, aos pontos de facto n.ºs 31 a 34, configurando dolo eventual no conjunto da actuação do recorrente, confirmaria
 
I -Para a boa resolução da causa, na parte respeitante ao pedido cível, impõe-se dar resposta, clara e sem equívocos ou obscuridades, às questões formuladas, que se situam no âmbito do objecto do litígio, tal como delineado pelas partes civis (demandantes e demandada) nos respectivos articulados – pedido cível, de um lado, expondo a causa de pedir e o pedido, e contestação, do outro lado, contrariando por excepção e impugnação, os factos em que assentam aqueles.
II - Na medida em que não foram contemplados na decisão de matéria de facto, nem como provados, nem como não provados, factos imprescindíveis para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções de direito plausíveis, ou em que a matéria de facto considerada, em certos pontos, é obscura, a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” (al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP), ou, usando uma terminologia mais própria do processo civil, a decisão é “deficiente e obscura”, sendo que o vício resulta da própria decisão, integrando esta, como não podia deixar de ser, os próprios articulados – pedido cível e contestação – enquanto moldando o objecto do litígio e para os quais a decisão remete, limitando-se a deles fazer uma exposição sumária.
III - Nos termos do art. 434.º do CPP, embora sendo o recurso interposto para o STJ restrito a matéria exclusivamente de direito, tal restrição verifica-se sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP. Aliás, o STJ, no Acórdão n.º 7/95, de 19-10, publicado no DR, 1.ª Série A, de 28-12-95, fixou a seguinte jurisprudência: «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito».
IV - O STJ deve conhecer dos citados vícios, oficiosamente, sempre que, por existência de qualquer deles, não possa chegar a uma correcta decisão de direito, nomeadamente por a matéria de facto provada e não provada (mas que podia ter sido apurada) não constituir base suficiente para aquela decisão como jurisprudencialmente se tem entendido.
V - O art. 426.º, n.ºs 1 e 2, do CPP determina que, no caso de verificação de algum dos referidos vícios, o STJ reenvia o processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente definidas, sendo o reenvio para o Tribunal da Relação que proferiu a decisão, o qual admite a renovação da prova ou reenvia o processo para novo julgamento em 1.ª instância.
         Proc. n.º 32/05.2TAPCV.C1.S1 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
 
I -No caso em apreço, de concurso superveniente de crimes, os limites abstractos da pena conjunta variam entre o mínimo de 7 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 11 anos e 2 meses de prisão (soma de todas as penas).
II - Mas, em rigor, o mínimo da pena aplicável não deveria ser inferior a 7 anos e 8 meses de prisão, pois no presente processo já anteriormente se lhe aplicou essa pena única por uma parte dos crimes ora em concurso e tal pena transitou em julgado.
III - Seria incongruente que, agora, num novo cúmulo de penas que abrange todas as penas parcelares aplicadas neste processo e ainda mais outras, se viesse a aplicar uma pena única inferior a 7 anos e 8 meses de prisão, que já se encontra a cumprir, pois, de algum modo há uma situação que «acresce» à anterior. Dito de outra forma: se não houvesse que reformular o cúmulo anterior transitado em julgado o arguido cumpriria 7 anos e 8 meses de prisão, pelo que, por razões que se prendem com a lógica, numa reformulação que integra mais crimes, a pena não deve ser inferior a essa medida.
IV - A pena conjunta só deverá conter-se no seu limite mínimo ou na sua vizinhança em casos de grande disparidade entre a gravidade do crime mais grave e a gravidade dos demais.
V - Nos demais casos (em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» – na procura desse terceiro termo de referência – em somar à «maior» ¼ ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa – com o mesmo objectivo – adicionar metade ou mais das outras).
VI - Deve considerar-se que no caso em apreço não se está perante criminalidade muito grave, mas apenas grave, pelo que não há motivo para se ultrapassarem os limites jurisprudenciais anteriormente referidos e a pena única é fixada em 8 anos e 4 meses de prisão.
         Proc. n.º 206/07.1GAVNF -5.ª Secção Santos Carvalho (relator) * Rodrigues da Costa (“voto a decisão”)
 
I -Na acção de impugnação de despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
II - O despedimento é ilícito quando «forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento», pelo que o ónus probatório que incumbe ao empregador é precisamente para demonstrar em juízo a exactidão dos factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.
III - Improcedendo os motivos justificativos aduzidos pela ré para o despedimento por extinção do posto de trabalho do autor, o despedimento é ilícito, como resulta da alínea c) do artigo 429.º do Código do Trabalho.
         Proc. n.º 27/07.1TTFIG.C1.S1 -4.ª Secção Pinto Hespanhol (Relator)* Vasques Dinis Bravo Serra * Sumário do relator
 
I -O artigo 18.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que consigna o agravamento das prestações destinadas à reparação de acidentes de trabalho, em casos especiais, prevê, no seu n.º 1, dois fundamentos autónomos para o agravamento: (i) um comportamento culposo da entidade empregadora ou seu representante; (ii) a não observação pela empregadora das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
II - A única diferença entre aqueles dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo, ambos exigindo, para além, respectivamente, da demonstração do comportamento culposo ou da violação normativa, a prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer.
III - Incorre em violação de regras de segurança — designadamente das que emergem dos artigos 8.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, 9.º, n.º 1, alínea a), e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, e 4.º, alíneas a), b)e e), 5.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, e 16.º do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março — a entidade empregadora que: — (i) mantém em funcionamento uma máquina espremedora de malha, dotada de um tambor que atinge cerca de 2.000 rotações por minuto, apresentando, desde sempre, uma folga de 2 centímetros na respectiva tampa que, quando forçada atingia 12 centímetros, máquina que nunca foi sujeita a qualquer verificação ou ensaio periódico, e cujo dispositivo de corte geral não possibilita o bloqueio automático; — (ii) não proporcionou ao trabalhador, que opera com aquele equipamento, formação quanto ao modo de funcionamento do mesmo, condições de utilização e riscos inerentes.
IV - Se, relativamente às circunstâncias de um acidente, envolvendo a utilização da referida máquina, apenas se prova que, «quando o trabalhador sinistrado, após ter enchido a máquina que espreme a malha depois de lavada e ter fechado a respectiva tampa, a pôs em funcionamento, uma peça de malha saltou do interior da mesma, vindo a atingi-lo», ficando por apurar a razão e a forma como a peça de malha se soltou da máquina, não pode afirmar-se que a dita folga de 12 centímetros integrou o processo causal do acidente, pois a factualidade disponível não autoriza a conclusão de que se a empregadora tivesse procedido à reparação da folga a peça não se teria projectado para o exterior da máquina.
V - Em tal conformidade, não pode ter-se por verificado o nexo de causalidade entre a apontada violação de regras de segurança e o evento danoso.
         Recurso n.º 375/09 -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)* Bravo Serra Mário Pereira
 
I – A existência de uma queixa-crime só pode ser provada pela exibição de documento que contenha a respectiva participação, única forma de se apurar a identidade do denunciante e a sua correspondente motivação, sendo, para tal, irrelevante a confissão [artigos 354.º, alínea a), conjugado com o artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil]. II – A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o prazo de aviso prévio previsto no artigo 38.º da LCCT, naquelas situações que qualifica de todo anormais e particularmente graves e em que, por via disso, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado por mais tempo à empresa. III – Estas situações reconduzem-se aos comportamentos do empregador enunciados no artigo 35.º do citado diploma. IV – Para que exista «justa causa» – cujo conceito, nos termos expressos daquele artigo 35.º e do seu precedente artigo 34.º, condiciona o direito do trabalhador a «rescindir» o vínculo – torna-se mister que aqueles comportamentos do empregador inviabilizem, de imediato e praticamente, a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe. V – Desempenhando o autor as funções de Director Geral da ré, a quem esta concedeu um estatuto de grande autonomia na direcção e supervisão da actividade por ela prosseguida, constatando-se que a mesma ré tinha recolhido um conjunto de indícios apontando para a existência de irregularidades no seio da empresa – irregularidades essas que, ao menos funcionalmente, recaíam sobre o autor –, justificava-se que aquela adoptasse medidas cautelares para a conservação da prova, durante dois dias (17 e 18 de Abril de 2001) e, com ela, o apuramento cabal dos factos, como ocorreu, no caso, ao guardar e pedir total confidencialidade sobre as investigações em curso e ao ocultar ao autor a vinda da Direcção (sedeada no estrangeiro) a Lisboa, do mesmo passo que reforçou a segurança física das instalações, substituiu fechaduras e alterou códigos de alarmes. VI – No mesmo propósito se inserem reuniões promovidas nesses dois dias com advogados da ré, com os seus revisores de contas e com a empresa a quem a mesma encomendava habitualmente auditorias, após o que a ré procurou, sem sucesso, nos dias 19 e 20 de Abril de 2001, contactar telefonicamente o autor para lhe dar conta da sua suspensão preventiva de funções. VII – Face a tal circunstancialismo, carece de justa causa a rescisão do contrato operada pelo autor no referido dia 20 de Abril – inviabilizando, assim, que a ré apurasse a veracidade dos indícios infraccionais recolhidos e, em caso afirmativo, a sua imputação subjectiva –, com fundamento na factualidade referida, e ainda por terem sido admitidos dois trabalhadores para cargos directivos na ré, à sua revelia – quando, é certo, tendo, embora, conferido ao autor poderes para contratar trabalhadores, a ré mantinha também tais poderes –, e por no referido dia 20 se ter deslocado à empresa e lhe ter sido inicialmente barrada a entrada na mesma, que só lhe veio a ser permitida mais tarde, embora nesse mesmo dia, sendo-lhe entregue em mão, nessa altura, uma carta em que o suspendia preventivamente de funções sem perda de retribuição. VIII – A função do aviso prévio para a rescisão do contrato pelo trabalhador (artigo 38.º da LCCT) destina-se a possibilitar ao empregador destinatário a realização de diligências necessárias à substituição desse trabalhador, ou, até, à dispensa das funções por ele desempenhadas. IX – Por isso, a indemnização prevista no artigo 39.º da LCCT, não representando uma mera contrapartida da desvinculação infundada pelo trabalhador, mostra-se injustificada quando o empregador assuma um comportamento prévio, do qual seja lícito inferir o seu propósito de dispensar no imediato – e ainda que temporariamente – a prestação laboral do seu funcionário. X – Assim, tendo a ré suspenso preventivamente o autor e tendo-se logo apressado a implementar as medidas que julgou adequadas para colmatar a sua ausência, que previa estender-se por «alguns meses», inexiste nexo causal entre a posterior «rescisão» do contrato pelo trabalhador e a produção dos danos justificativos de uma indemnização por incumprimento do pré-aviso legal.
         Recurso n.º 3534/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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