Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 05-05-2005
 Contrato-promessa Partilha dos bens do casal Validade Regime de bens do casamento Imutabilidade Recurso per saltum
I - O contrato-promessa de partilha dos bens comuns, celebrado pelos esposos na constância do matrimónio, não altera as regras que valem acerca da propriedade dos bens dentro do seu casamento, nem modifica as normas aplicáveis à comunhão, em violação do n.º 1 do art.º 1714 do CC, tão-pouco modificando o estatuto de qualquer bem concreto, contra o n.º 2 do mesmo artigo e contra um entendimento amplo do princípio da imutabilidade. Por outras palavras, uma vez celebrada a promessa, todos os bens comuns do casal continuam comuns, e todos os bens próprios de cada um dos cônjuges continuam próprios, nenhuma das massas patrimoniais do casal sofrendo alteração.
II - Nestas condições, nem os esposos, nem os credores comuns, ou os credores pessoais do cônjuge quiçá 'mais fraco' em razão de eventual ascendente psicológico do outro, correm o risco da mudança do regime de bens ou da alteração do estatuto de bens concretos, que poderia justificar a aplicação das normas de protecção de uns e outros consubstanciadas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 1714.
III - Por outro lado, os possíveis prejuízos derivados do modo em que a partilha se apresenta concretamente projectada, não merece um específico controlo de parte da ordem jurídico-matrimonial, estando o contrato-promessa, porém, sujeito, como qualquer negócio, aos mecanismos gerais de defesa de um dos contraentes contra o outro, eventualmente conducentes à sua anulação, verificados os respectivos pressupostos, por coacção, erro, estado de necessidade.
IV - Diferente será o caso de um dos cônjuges sair avantajado, mercê, por exemplo, de promessa de divisão do património comum em partes desiguais, hipótese em que o contrato-promessa seria nulo por ofensa da 'regra da metade' plasmada na norma de protecção do art.º 1730, n.º 1, sempre do Código Civil.
V - Em virtude da teorização sumariada nos pontos aV, é, por consequência, válido o contrato-promessa de partilha dos bens comuns celebrado entre o autor recorrente e a ré recorrida na constância do seu matrimónio, para produzir efeitos após a dissolução do casamento por divórcio, efectivamente decretado, tanto mais que não resultam da matéria de facto já dada como provada os elementos anómalos referidos emII eV, tal como a violação da 'regra da metade', que poderiam importar a invalidade do mesmo negócio jurídico.
VI - A acção de execução específica do contrato-promessa aludido em V improcedeu no saneador com fundamento na sua nulidade por ofensa do art.º 1714, n.º 1, e o autor apelou requerendo nas conclusões da alegação a subida directa ao STJ uma vez que no recurso se discute apenas matéria de direito, verificando-se os demais requisitos delineados no n.º 1 do art.º 725 do CPC. Bem recebido inicialmente como apelação, deferido em seguida o requerimento per saltum, o recurso é necessariamente processado como revista, salvo quanto ao efeito e regime de subida, a que se aplicam os preceitos concernentes à apelação (n.º 6 do art.º 725), com alteração do anterior despacho de admissão na parte respectiva.
VII - Suscitando-se, contudo, na alegação da revista, além da questão de direito da validade do contrato-promessa, ainda o conhecimento, nomeadamente, do pedido principal de execução específica, não pode este último constituir objecto da revista e de cognição do STJ. Desde logo, porque a matéria da execução específica não fora minimamente abordada no saneador/sentença recorrido e os recursos visam tão-somente o reexame de questões decididas pelo tribunal a quo e não o julgamento em primeiro grau de 'questões novas', salvo de conhecimento oficioso. Em segundo lugar, por não poder a questão aludida pretender-se submetida ao conhecimento do tribunal ad quem, apelando para o mecanismo de substituição desenhado no n.º 2 do art.º 715 do CPC, cujos pressupostos falecem no caso sub iudicio, quando na decisão recorrida vai radicalmente implicada a inadmissibilidade circunstancial do conhecimento desse pedido, e do pedido subsidiário de cumprimento da pena contratualmente prevista, que ambos pressupunham a validade do contrato-promessa. Tais pedidos não podem, pois, ser conhecidos pelo Supremo na presente fase do saneador, tanto mais que o aspecto do incumprimento do contrato-promessa, bem como o da inadmissibilidade da execução específica devido à estipulação de uma pena, ventilados nos articulados, coenvolvem factos controvertidos cuja averiguação - não houve na 1.ª instância ensejo a um julgamento de facto com a necessária amplitude - impede materialmente o conhecimento dos pedidos principal e subsidiário ao abrigo do art.º 715, quer na revista, pelo Supremo, quer mesmo na alternativa apelação, pela Relação.
Revista n.º 2003/03 - 2.ª Secção Lucas Coelho (Relator) * Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida