ACSTJ de 05-05-2005
Responsabilidade civil por acidente de viação Danos não patrimoniais Montante da indemnização Equidade
I - De entre os parâmetros que presidem à fixação da reparação equitativa dos danos morais, conforme os art.ºs 496, n.º 3, e 494 do CC, assumem especial preeminência a culpa do lesante e os padecimentos sofridos pelo lesado em consequência do facto ilícito. II - Quanto ao primeiro, no presente processo, o réu condutor do automóvel sinistrado, em que seguia a autora lesada, agiu com elevado grau de culpa, imprimindo uma velocidade excessiva ao veículo, lotado de pessoas e desprovido de seguro, por uma rua muito estreita e sinuosa da cidade do Porto, estando o piso molhado da chuva e escorregadio, pelo que, ao descrever uma curva, perdeu o controlo da viatura, que entrou em despiste, batendo no muro do lado esquerdo, após o que tombou para o lado direito, prosseguindo nessa posição a raspar no pavimento, incendiando-se. III - Relativamente aos sofrimentos padecidos pela autora, resume-se o seguinte quadro: quando o veículo se imobilizou, o condutor e outro saíram imediatamente, e já com a viatura em chamas é que foi possível retirar dele a autora, que seguia no banco de trás, do lado direito que ia a raspar no chão; foi, pois, a última a sair e a que mais foi atingida pelo incêndio, sofrendo queimaduras de 3.º grau ao nível do tronco, membro superior direito, membros inferiores e por todo o corpo, que lhe causaram indescritível sofrimento; após os primeiros socorros no Hospital de S. João no Porto, foi transferida para os Hospitais da Universidade de Coimbra, ficando aqui internada 28 dias, sujeitando-se a seis intervenções cirúrgicas e a vários enxertos, em tratamentos dolorosíssimos; até para tomar banho tinha de submeter-se a anestesia geral, devendo permanecer longos períodos deitada sempre na mesma posição, sob o efeito de drogas; foi submetida a uma cirurgia plástica tendo-lhe sido metidos três expansores, onde era injectado soro duas vezes por semana para provocar a formação de pele nas regiões queimadas; terá de efectuar ainda várias cirurgias plásticas para correcção de cicatrizes que tem por todo o corpo, mediante laser e dermabrasão; o quantum doloris e o dano estético foram pericialmente valorados no grau 6, numa escala de 1 a 7; ficou com limitações de amplitude de movimentos, e sofreu umaPP de 55%; perdeu o ano escolar; jovem de 19 anos na data do sinistro, alegre, comunicativa, tornou-se uma pessoa triste, de contacto difícil, desconcentrada, ansiosa; ficou impedida de praticar desporto, e não pode usar saias ou fato de banho, devido às cicatrizes visíveis que apresenta; atingiram estas inclusive as partes mais íntimas do corpo, perturbando as funções de sexualidade; fica muitas vezes com baixa devido à incapacidade, e o seu futuro profissional é incerto. IV - Atento o exposto, os danos morais sofridos pela autora não podem ser compensados com a soma de 10.000.000$00 arbitrada na 1.ª instância, que a Relação ainda rebaixou para 7.000.000$00, mostrando-se antes ajustada segundo a equidade, no quadro e circunstâncias descritas, à luz dos art.ºs 496, n.º 3, e 494 do CC, a reparação, a esse título, de 79 807,66 €, correspondente a 16.000.000$00.
Revista n.º 2182/03 - 2.ª Secção Lucas Coelho (Relator) * Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida
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