ACSTJ de 24-05-2005
Acidente ferroviário Comboio Danos futuros Reformatio in pejus
I - O Tribunal deve reconhecer o grau de culpa na produção do acidente de quem efectivamente a tem, seja ou não parte na acção, porque o facto lesivo tem que ser julgado no seu todo, na sua globalidade, apreciando-se autonomamente a culpa de cada um dos intervenientes ainda antes de quantificar os danos a indemnizar e sem curar de saber se, por todos estarem em juízo, a sua concreta responsabilização em função da culpa fixada é viável. II - Provado que o choque entre o veículo automóvel (conduzido pela Autora) e o comboio (automotora da Lousã) se verificou no corredor da faixa de rodagem situado mais à esquerda, atento o sentido de marcha do veículo, e que a linha férrea atravessa obliquamente (e não na perpendicular) ambos os corredores da faixa de rodagem, não se sabendo a que distância se encontrava o comboio quando o veículo 'transpôs' o semáforo, não é possível concluir com um mínimo de certeza que o embate não teria ocorrido se a circulação do automóvel se fizesse mais pela direita. III - Na falta de elementos fácticos que permitam concluir que a velocidade do veículo automóvel era excessiva, o embate, só por si, não permite semelhante conclusão. IV - Tendo a Autora avançado quando o semáforo que regulava o trânsito automóvel estava na posição de luz verde para quem conduzia no seu sentido de marcha, não tinha que ceder a passagem à automotora; isto porque os sinais de aproximação de passagem de nível sem guarda não impediam o direito de prioridade de passagem conferido aos automobilistas pelo sistema de semáforos, por não ser aplicável ao caso ajuizado o regime legal das passagens de nível (cfr. art.ºs 1, n.ºs 1 e 2, d), e 3, do DL 156/81, de 09-06). V - É da 'CP - Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses' a culpa exclusiva na produção do acidente, porque o chefe da estação deu ordem ao maquinista do comboio para avançar quando o semáforo estava verde para os automobilistas e porque a automotora invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo automóvel, só tendo o maquinista reagido, travando, quando o embate estava iminente. VI - Provando-se que a Autora, nascida em 22-07-67, exercia à data do acidente (18-04-1996) as funções de recepcionista num Hotel, auferindo o vencimento mensal de 85.000$00, tendo ficado a padecer de umaPP de 35%, é adequado fixar em 16.000 contos o valor da indemnização devida pelos danos futuros decorrentes daPP. VII - Não obstante o STJ decida que nenhuma parcela de culpa cabe à Autora na eclosão do acidente, está impedido de aumentar a indemnização arbitrada no acórdão da Relação (reduzida na medida da proporção da culpa que se imputou àquela), porque a Autora não recorreu desse acórdão e a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável à recorrente do que a decisão recorrida (proibição da reformatio in pejus - art.º 684, n.º 4, do CPC).
Revista n.º 819/05 - 6.ª Secção Nuno Cameira (Relator) Sousa Leite Salreta Pereira
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