ACSTJ de 09-06-2005
Contrato de empreitada Contrato de compra e venda Distinção Contrato misto Matéria de facto Poderes da Relação Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
I - O exercício da faculdade anulatória ou de ordenação da ampliação da matéria de facto pelo tribunal a quo, plasmadas no n.° 4 do art.º 712 do CPC, compete exclusivamente à Relação (v.g. por deficiência, obscuridade ou contradição das respostas aos quesitos) porquanto se inserem no âmbito da fixação/assentamento dos factos essenciais/materiais da causa, em ordem a adregar um justo julgamento de mérito, assim se arredando do acervo dos poderes de cognição do STJ. II - 'Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço' - art.º 1207 do CC. III - Requisito essencial do negócio é a realização de uma obra (prestação de um serviço) - cfr. art.º 1155 do mesmo diploma, que não a prestação de trabalho - cfr. art.º 1152), já que não existe vínculo de subordinação do empreiteiro relativamente ao dono da obra. O empreiteiro está apenas sujeito à fiscalização do dono da obra (cfr. art.º 1209), ainda que deva obedecer, na realização da obra, às prescrições do contrato, e outrossim, às regras próprias da arte ou profissão em cujo âmbito se integre a execução dessa obra. IV - Por 'obra' deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é de um resultado material, sendo esse o sentido, usual, normal, do vocábulo 'obra'. V - O fornecimento dos materiais necessários à execução da obra não altera a natureza do contrato, como resulta dos art.ºs 1210 e 1212, o primeiro dos quais põe mesmo 'normalmente a cargo do empreiteiro o fornecimento dos materiais e utensílios necessários à execução da obra'. VI - Na empreitada, a transferência da propriedade dos materiais dá-se no momento da entrega da obra, e não por efeito do contrato, como no caso da compra e venda. Há empreitada, se o fornecimento dos materiais é um simples meio para a feitura da obra, e o trabalho constitui o fim do contrato. Há venda se o trabalho é simplesmente um início para obter a transformação da matéria. VII - As normas da compra e venda podem ser chamadas a título subsidiário, a suprir deficiências de regulamentação do contrato de empreitada, ex vi do disposto no art.º 939 do CC, mesmo tratando-se de um contrato misto de fornecimento e empreitada.
Revista n.º 1396/05 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) * Abílio Vasconcelos Duarte Soares
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