ACSTJ de 09-06-2005
Acidente de viação Nexo de causalidade Omissão Culpa Caso julgado formal Nulidade de acórdão Excesso de pronúncia Danos patrimoniais Reconstituição natural Indemnização Paralisação de veículo Triângul
I - O acidente de viação sub iudicio é exclusivamente imputável a facto ilícito e culposo do condutor do veículo ligeiro de mercadorias HF, desde logo porque, rodando de noite em tempo chuvoso a mais de 100 km/h, numa recta de boa visibilidade, com 500 metros de extensão, onde a velocidade estava, porém, limitada a 50 km/h, foi embater frontalmente com enorme violência, sem efectuar qualquer travagem, na parte lateral esquerda do pesado de mercadorias QA, que se encontrava a 250 metros do início da recta, atravessado na faixa de rodagem e ocupando toda a largura desta, no decurso de uma manobra de marcha atrás tendente a estacionar em parque existente no lado direito da estrada. II - Por outro lado, o local não dispunha de iluminação pública, nem foi colocado triângulo de pré-sinalização de perigo, mas o QA tinha os 4 piscas ligados, assim como os mínimos, os médios e as luzes de presença laterais, estando dotado de reflectores em ambos os lados, o que tudo o tornava perfeitamente visível a pelo menos 100 metros de distância, sendo a manobra outrossim coadjuvada e sinalizada por dois 2 ajudantes, um de cada lado do veículo. III - Acresce que, nos termos do art.º 88, n.º 2, al. b), do CEst 94, o triângulo de pré-sinalização é obrigatório, de noite, 'em quaisquer circunstâncias de imobilização do veículo ou de carga caída na faixa de rodagem ou na berma, salvo nos locais onde as condições de iluminação permitam um fácil reconhecimento a uma distância de 100m, sem prejuízo do disposto no presente Código quanto à iluminação dos veículos' - devendo ser colocado verticalmente, a não menos de 30 metros da rectaguarda do veículo ou da carga, de forma a ficar bem visível a pelo menos 100 menos de distância (n.º 3 do mesmo artigo). IV - Trata-se, pois, de instrumento tipicamente vocacionado segundo a lei para sinalizar situações estáticas de imobilização de veículos ou de queda de carga, conspecto em que, além do mais, não sendo este o caso da manobra de marcha atrás em curso quando da colisão, os factos provados não consentem um juízo categórico de obrigatoriedade de utilização do dispositivo na situação em exame. V - Ademais, a manobra aludida dispõe de regime próprio, compreendendo específicas prescrições e proibições (art.ºs 46 e 47 do CEst), que os factos não permitem considerar inobservado. VI - Por fim, atendendo às circunstâncias em elevado grau arriscadas de condução automóvel criadas pelo condutor do HF, as quais nenhuma das precauções descritas conseguiu neutralizar, a omissão de colocação do triângulo não assumiu natureza causal do acidente. VII - A proprietária do veículo QA sofreu prejuízos em consequência do acidente, resultantes, por um lado, de danos materiais no veículo, cuja reparação importou em 17.990,42 €, e, por outro lado, da privação do uso lucrativo da viatura devido a paralisação, quantificados em 6.284,88 €, indemnizações que a seguradora responsável foi condenada em 1.ª instância a ressarcir. Questionando, pois, a seguradora em apelação tão-somente o quantitativo dos danos materiais, a sentença transitou no tocante à indemnização pela paralisação, pelo que, conhecendo a Relação outrossim deste dano, considerando-o não indemnizável e revogando a sentença nessa parte, incorreu na nulidade de excesso de pronúncia tipificada na alínea b) do n.º 1 do art.º 668 do CPC, que o Supremo deve declarar e suprir, considerando em tal medida modificado o acórdão sub iudicio no sentido da respectiva decisão condenatória em 1.ª instância (art.ºs 668, n.º 3, e 731, n.º 1, do mesmo Código)VIII - Não merece, todavia, reparo, procedendo ao invés de um juízo acertado em face do art.º 566 do CC, a decisão do acórdão recorrido que, atendendo ao facto de a viatura averbar na altura do acidente quase 10 anos de uso intenso, encontrando-se em estado considerado mau - por isso mesmo lhe havendo sido atribuído o valor comercial de 900 contos (4.489,18 €) e o de 200 contos (997,6 €) ao salvado -, concluiu que a reconstituição in natura através da reparação no aludido valor de 17.990,42 € era 'excessivamente onerosa para o devedor', na acepção do n.º 1 do art.º 566, cingindo a condenação da seguradora pelos danos materiais no pesado QA à diferença entre aquelas duas verbas, correspondente a 3.491,59 €.
Revista n.º 1786/05 - 2.ª Secção Lucas Coelho (Relator) * Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida
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