ACSTJ de 14-06-2005
Sociedade comercial Deliberação social Administrador Pensão de reforma Assembleia geral Conselho de administração Negócio consigo mesmo Consentimento Terceiro Ineficácia
I - A norma do art.º 402, n.º 1 do CSC (segundo a qual o contrato de sociedade pode estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores, a cargo da sociedade - donde resultaria a invalidade das deliberações da assembleia geral que estabelecesse tal regime), não se aplica aos casos em que tal regime de reforma foi estabelecido antes do CSC (aprovado pelo DL n.º 262/86, e entrado em vigor em 01-11-1986). II - Criado e regulamentado o direito às reformas dos ex-administradores, pela assembleia geral (e em deliberação tomada por unanimidade), antes do CSC, nada obsta à validade de tal decisão (art.º 12, n.º 2, do CC). III - Sendo a deliberação impugnada de 21-06-2003, aplica-se-lhe a disciplina do CSC, daí que tenha sido tomada pelo órgão materialmente competente: a assembleia geral. É o que resulta quer do disposto nos art.ºs 399 e 402 do CSC, donde resulta que a competência é da assembleia geral, quer do disposto no art.º 406, de cujo elenco não consta a referida matéria (não se trata de acto de gestão, cuja competência seja do conselho de administração). IV - O órgão (assembleia geral) era ainda o competente porque se tratava de alterar o critério de cálculo das pensões dos ex-administradores fixado por anteriores assembleias gerais, cuja validade não foi posta em causa; e ainda porque não teria sentido que o estabelecimento das ditas reformas fosse da competência do conselho de administração, pela fácil conclusão de negócios consigo mesmo que tal permitiria. V - Portanto, não é por falta de competência da assembleia geral que a deliberação poderá ser ineficaz, nula ou anulável. VI - Na distinção entre direitos sociais ou corporativos e direitos extra-sociais ou extra-corporativos, as pensões de reforma dos autores - ex-administradores da sociedade e que terminaram as respectivas funções como Presidentes do Conselho de Administração - devem situar-se entre os direitos de terceiros, extra-sociais, ou extra-corporativos. VII - Efectivamente, embora os autores sejam, além de ex-administradores, também sócios da ré, não foi a qualidade de sócios que determinou a fixação de um regime de pensão de reforma a seu favor e a cargo da sociedade, mas sim a qualidade de administradores que exerceram a administração por, pelo menos, dez anos. VIII - Embora esta questão seja altamente discutível, preponderaríamos (pela ponderação de que se trata de direitos dos administradores enquanto tal, e não enquanto sócios, sendo que nas sociedades anónimas os administradores podem não ser sócios) para considerar estes direitos como direitos extra-sociais, ou de terceiros, embora não típicos: competem aos ex-administradores com mais de dez anos de administração, conferindo-lhes vantagens de natureza patrimonial, embora não se trate de privilégios arbitrários. IX - Estas características aproximam-nos dos direitos sociais especiais. Mas, que não são direitos sociais (especiais) é o que definitivamente resulta do disposto no art.º 24 do CSC: os direitos sociais especiais só podem pertencer nas sociedades anónimas 'a categorias de acções', e não a sócios individualmente (além de que, no presente caso, o factor determinante não é a categoria de sócio, mas de ex-administrador com dez anos de administração). X - Deste modo, classificados os direitos aqui em causa como direitos de terceiros, extra-corporativos ou extra-sociais, dos autores, a deliberação impugnada, ao reduzir os quantitativos das pensões de reforma dos autores, derrogou direitos de terceiros, sem o respectivo assentimento, donde resulta não a nulidade da deliberação tomada, nos termos do art.º 56, n.º 1, al. c) do CSC, mas sim a ineficácia da deliberação em relação aos autores, que para ela são terceiros. XI - O caso paralelo no CSC é o do art.º 55, com a diferença de que não se trata aqui da necessidade do consentimento de determinado sócio, mas do consentimento de determinados ex-administradores enquanto tais e não enquanto sócios, portanto, enquanto terceiros.
Revista n.º 1229/05 - 1.ª Secção Reis Figueira (Relator) Barros Caldeira Faria Antunes
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