ACSTJ de 16-06-2005
Pacto de preferência Incumprimento Indemnização Equidade Liquidação em execução de sentença
I - Pacto de preferência é o contrato pelo qual alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro) como seu contraente, no caso de se decidir a celebrar certo negócio. II - No pacto de preferência o obrigado à preferência está adstrito a uma prestação que consiste em escolher o titular do direito de preferência para contraparte, caso decida efectuar o contrato a que a relação de preferência se reporta (e o preferente se disponha a contratar nos termos em que terceiro o faria). III - Sendo o contrato de preferência limitado à celebração pelo obrigado de determinado negócio jurídico com relação a certos bens ou interesses - aqueles que constam do pacto - não existe a obrigação de comunicar à contraparte o projecto de negócio, nem se o contrato que o obrigado realizar for outro que não o constante do contrato de preferência, nem se os bens forem diversos dos contratualmente definidos. IV - Na interpretação normativa e na qualificação dos negócios jurídicos o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não se lhe impondo, designadamente, a designação ou nomen juris que as partes atribuam a um acordo negocial. V - Todavia, quanto ao nomen juris do negócio, não pode esquecer-se que a declaração dirigida ao surgimento de consequências jurídicas (declaração jurídico-negocial) indica, segundo o seu próprio conteúdo, que deve ter lugar esta ou aquela consequência jurídica, pelo que quando as partes num negócio declaram respectivamente que vendem e compram não podem deixar, em princípio, de o fazer com o sentido que objectivamente a aparente declaração revela face ao significado que lhe é dado pela comunidade mais ou menos ampla em que se integram. VI - E isto mais se justifica no caso dos negócios formais, como a compra e venda de imóveis - que é um negócio solene, sujeito a escritura pública, formalidade ad substantiam de cuja omissão advém a respectiva nulidade - em que outro sentido interpretativo só podia ser eleito se tivesse um mínimo de correspondência no texto do documento por meio do qual o contrato foi celebrado. VII - Pode admitir-se que o negócio em que uma sociedade destaca uma parte do seu património e o transfere para outra sociedade, integrante de grupo dominado pela primeira, é um negócio de cisão, na modalidade de cisão-fusão, prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 118 do CSC. VIII - A pretender-se que tal negócio - realmente querido pelas partes - foi dissimulado por um contrato de compra e venda, alega-se a ocorrência de uma simulação relativa, sendo a quem argúi a seu favor a simulação que incumbe, nos termos gerais, demonstrar os respectivos elementos: intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros. IX - A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelos simuladores contra terceiros de boa fé nos casos, quer de simulação absoluta, quer relativa. X - Se as partes declararam simuladamente querer realizar uma compra e venda, mas quiseram realizar um negócio de outro tipo - uma cisão-fusão - a simulação não pode ser oposta a um terceiro que, face ao negócio simulado, gozava de direito de preferência, e perante o negócio dissimulado já não teria esse direito. XI - No pacto de preferência sem eficácia real o incumprimento apenas obriga o obrigado à preferência a indemnizar o preferente pelos prejuízos que lhe advierem da violação do pacto. XII - A aparente contradição entre os art.ºs 564, n.º 2, e 566, n.º 3, do CC, resolve-se no sentido de que a fixação da indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotada a possibilidade de apuramento dos elementos com base nos quais o montante da indemnização haja de ser determinado. XIII - Por isso, deverá deixar-se para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos patrimoniais presentes e futuros, relativamente aos quais, embora se prove - em acção declarativa - a sua existência (como pressuposto da obrigação de indemnizar), não existam elementos bastantes para fixar o seu quantitativo. XIV - Se os autores celebraram um pacto de preferência com relação à venda de 30 lotes de terreno de uma urbanização que o marido idealizou e levou a efeito e à qual tem dedicado durante anos a sua energia, com a convicção e o sentimento de que deixará uma obra para lá da sua morte (clausulado num negócio em que deram ao obrigado à preferência tais lotes como dação em cumprimento, convictos de que iriam reaver os prédios quando a obrigada à preferência decidisse vendê-los, tendo sido por sua iniciativa que no contrato ficou expressa a cláusula pactícia) viram alienados tais lotes a terceiro por incumprimento do pacto, com o que ficaram desgostosos e revoltados, é justa e equitativa a atribuição de uma indemnização de 5.000 Euros para compensar os danos não patrimoniais que sofreram.
Revista n.º 1178/05 - 7.ª Secção Araújo Barros (Relator) * Oliveira Barros Salvador da Costa
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