ACSTJ de 22-06-2005
Modificação do contrato Alteração anormal das circunstâncias Enriquecimento sem causa Pressupostos Contrato de prestação de serviços Actualização
I - A modificação do contrato por alteração das circunstâncias é admitida em termos propositadamente genéricos no art.º 437, n.º 1, do CC para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação do contrato. II - Para tal é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) alteração anormal (anómala, a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ou série normal dos acontecimentos) das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar (a base negocial objectiva), não se exigindo, porém, que a alteração seja imprevisível; (ii) que a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do negócio, como no caso de se tratar de um negócio por sua natureza aleatório. III - Resultando dos factos provados que a Autora, em 1977, celebrou com a Ré um contrato pelo qual se obrigou, contra remuneração, a prestar-lhe serviços de revisão oficial das suas contas, com observância das normas legais técnicas e éticas implícitas ao pleno exercício das ditas funções, bem como o exercício das funções de Conselho Fiscal nos termos legais aplicáveis; que a Autora deixou de propor à Ré aumentos do valor da remuneração - contratualmente previstos - a partir de 1995, inclusive, constituindo assim 1994 o último ano de fixação de honorários; que em 1994 a Ré já se encontrava em situação económica difícil, tendo ainda cerca de quatro obras para executar e perto de 40 trabalhadores; que a partir de 1996, a Ré deixou, praticamente, de facturar e o número dos seus trabalhadores passou para apenas 4, após muitas rescisões dos contratos de trabalho; que o trabalho de revisão para efeito de emissão das certificações legais de contas dos anos de 1996 a 1998, inclusive, datadas de 31-05-1999, demorou entre 8 a 60 dias; que a Autora mantém a Ré na carteira de clientes, empresas a quem presta serviços de revisora, pese embora não receber daquela as remunerações desde Janeiro de 1995; que a Autora teve a intenção de denunciar o acordo firmado com a Ré, o que só não fez a pedido de um accionista minoritário; deve concluir-se que não se verificam in casu os sobreditos requisitos da modificação do contrato de prestação de serviços (art.º 1154 do CC) celebrado entre as partes, baseada na alteração das circunstâncias, pois (i) por um lado, e por referência às remunerações não pagas e vencidas até à data da propositura da acção (Julho de 2000) - e cujo montante equivale ao pedido de capital formulado nos autos -, não se justifica (ponderada a inércia da devedora e a manutenção da mesma na carteira de clientes da Autora, a qual não foi propriamente inócua se bem se atentar ao disposto no art.º 67 do DL n.º 422-A/93, de 30-12) qualquer desvio ao princípio da estabilidade dos contratos e (ii) por outro lado,a Réu não alegou, contrariamente ao que se lhe impunha (art.ºs 342, n.º 2, do CC e 264, n.º 1, do CPC), quais os factores que conduziram à actualização da remuneração no ano de 1994, em que já se encontrava em situação económica difícil, tal como não se mostra invocado que tal situação não era realidade quando sucedeu a última actualização da remuneração da Autora.
Revista n.º 501/05 - 2.ª Secção Pereira da Silva (Relator) Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida
|