ACSTJ de 29-06-2005
Responsabilidade civil do Estado Função jurisdicional Despacho de rectificação Erro material Obrigação de indemnizar
I - Quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a considerar, que o fundamento da obrigação de indemnizar do Estado emerge directamente do art.º 22 da CRP, que consagra um princípio geral de directa responsabilidade civil do Estado, por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional, sendo directamente aplicável e não dependendo de lei para ser invocado pelo lesado, por estar sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias - art.º 17 da CRP. II - Para levar a cabo a difícil tarefa de concretizar este comando constitucional, criando a denominada 'norma de decisão', quando está em causa o exercício da função jurisdicional, tem o intérprete que atentar quer nas normas e princípios constitucionais quer na legislação ordinária que regulam o exercício do poder judicial, a organização judiciária e o próprio estatuto dos juízes. III - Existe amplo consenso entre os autores no sentido da cuidadosa definição do ilícito judicial, considerando que apenas o acto manifestamente ilegal ou o erro grosseiro constituem o Estado na obrigação de indemnizar por acto do juiz. IV - Na definição do erro relevante para o fim em vista, e tendo presente que o art.º 22.º da CRP não estabelece limites quando refere a responsabilização do Estado por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação de direitos, liberdades e garantias, considerando que é o acto do juiz que está em apreciação, podemos afirmar que o cerne da questão se reconduz a saber quando é que a actuação profissional do juiz se pode considerar negligente. V - No caso em apreço está em causa a alteração pelo próprio juiz do seu primeiro despacho, invocando para o efeito o disposto nos art.ºs 667, n.º 1, 'ex vi' do art.º 666, n.º 3, do CPC, despacho este que veio a ser revogado pelo Tribunal da Relação do Porto, que considerou que 'tal despacho é ilegal, por não visar a rectificação de um erro material, mas sim a rectificação de um erro de julgamento', devendo a pretensão dos requerentes ter sido indeferida. VI - A revogação de decisão com base em ilegalidade do despacho, como ocorreu 'in casu' e ocorre frequentemente não constitui, porém, uma espécie de presunção de culpa do juiz que viu a sua decisão revogada. VII - Trata-se de um despacho cuja posição foi fundamentada de forma consistente, verificando-se do respectivo teor que o Senhor Juiz, tendo constatado haver incorrido num lapso no primeiro despacho proferido, ponderando os normativos em apreço, decidiu proceder à respectiva rectificação, actuação que, mesmo que possa considerar-se juridicamente incorrecta, não pode classificar-se de negligente. VIII - Os ora autores, não se conformando com o mesmo, recorreram, obtendo ganho de causa. Tal não pode conduzir à conclusão que, com o despacho rectificativo, o juiz cometeu um erro grosseiro, por escandaloso, crasso ou intolerável, em que não teria caído qualquer juiz minimamente cuidadoso. Trata-se, ao invés, do funcionamento normal do sistema, para as hipóteses de erro de julgamento. IX - A responsabilidade civil extracontratual do Estado-Juiz, assenta na culpa do juiz, razão pela qual, não se verificando este requisito, não há lugar a responsabilidade objectiva do Estado
Revista n.º 1064/05 - 6.ª Secção Ponce de Leão (Relator) Afonso Correia Ribeiro de Almeida
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