ACSTJ de 15-02-2007
Acidente de viação Atropelamento Peão Excesso de velocidade Culpa da vítima Culpa do lesado Cálculo da indemnização Danos futuros Danos não patrimoniais Incapacidade permanente parcial
I -A regra de o condutor dever especialmente fazer parar o veículo no espaço livre à sua frente significa dever assegurar-se de que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente para o fazer parar em caso de necessidade, regendo especialmente para a circulação com veículos automóveis à sua vanguarda, pressupondo a não verificação de condições anormais ou obstáculos inesperados, sobretudo os derivados da imprevidência alheia. II - O acidente é imputável ao condutor do veículo automóvel e à vítima do atropelamento, na proporção de dois terços e de um terço, respectivamente, por o primeiro, com dificuldades de visão, circular de noite, com os faróis de luz média desligados, velocidade excessiva face às circunstâncias da via, embate no segundo quando este já se encontrava a cerca de meio metro do termo da travessia, que iniciara sem previamente se certificar de que a poderia realizar sem perigo para o trânsito. III - A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e/ou a omissão lesiva em causa. IV - As fórmulas financeiras utilizadas na determinação do quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros só relevam como meros elementos instrumentais, no quadro da formulação de juízos de equidade, face aos elementos de facto provados, porque se não conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, além do mais porque não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida, e inexiste relação de proporcionalidade entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional. V - Justifica-se a fixação da indemnização de 42.000,00 € por danos patrimoniais futuros sofridos pelo lesado, a oito anos da idade da reforma, que auferia o salário mensal ilíquido de 417,00 € e as lesões que sofreu o impedem de exercer a sua actividade profissional e qualquer outra da sua área de preparação e lhe implicam incapacidade permanente geral de setenta por cento com igual redução de capacidade futura de ganho. VI - Tendo em conta as considerações acima expendidas, o tempo médio dos homens e o montante do salário mínimo nacional, justifica-se a fixação no montante de 69.000,00 € a indemnização por danos futuros decorrentes da necessidade da ajuda de outrem. VII - A apreciação da gravidade do dano não patrimonial, embora deva assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a particular sensibilidade. VIII - Justifica-se a fixação da compensação por danos não patrimoniais no montante de 60.000,00 € em razão do sofrimento físico-psíquico decorrente de fractura da tíbia e do perónio com amputação dos topos, de dores intensas nos ossos, de várias intervenções cirúrgicas e tratamentos, de hospitalização durante mais de um ano, de cicatrizes visíveis e extensas, de atrofia dos grupos musculares, de necessidade de locomoção em cadeira de rodas e com canadianas, do encurtamento da perna, da perda de segmentos, da rigidez no pé, da imobilidade de articulações, da lesão neurológica do ciático, das perturbações do sono e do humor, do pânico sobre a evolução futura, da incapacidade permanente geral de setenta por cento, da necessidade de outras intervenções cirúrgicas, do risco de amputação da perna, da dependência de ajudas técnicas de outrem para as suas necessidades básicas, da depressão e angústia e da alteração do padrão sexual.
Revista n.º 302/07 -7.ª Secção Salvador da Costa (Relator) Ferreira de SousaArmindo Luís
|