ACSTJ de 22-02-2007
Contencioso da nacionalidade Recurso de revista Matéria de facto Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Nulidade de acórdão Oposição entre os fundamentos e a decisão Ligação efectiva à comunidade nacional
I -Da decisão do Tribunal da Relação que conheça do mérito da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou por adopção cabe recurso de apelação para o STJ, o qual é expedido e julgado como recurso de revista (art. 26.º do DL n.º 322/82, de 12-08). II - Significa isto que o STJ, em conformidade com o preceituado nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico que julga adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser alterada a decisão desse tribunal quanto à matéria de facto, mesmo que tenha havido erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. III - O STJ unicamente pode reapreciar a decisão da matéria de facto quando a Relação deu como provado um facto sem produção da prova legalmente indispensável para se demonstrar a sua verificação ou sempre que ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força dos meios probatórios admitidos no ordenamento jurídico. IV - O reconhecimento na fundamentação de facto do acórdão recorrido de que o recorrente fala a língua portuguesa não obsta à conclusão nele retirada de que não se apurou que o recorrente fale sem dificuldades a língua portuguesa; com efeito, falar a língua portuguesa não significa necessariamente expressar-se sem dificuldade ou com fluência no nosso idioma. V - A ligação efectiva à comunidade portuguesa envolve, entre outros factores, pelos quais deve ser aferida, o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares e profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença e integração na dita comunidade. VI - Como índices de ligação efectiva, isto é, real e concreta à comunidade portuguesa, temos, assim, a fixação de residência permanente em Portugal, do próprio e dos seus familiares, o trabalho no nosso país, a aprendizagem e a prática da língua portuguesa, falada e escrita, as relações sociais, humanas e culturais, através da participação na vida comunitária nacional, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, bem como a nacionalidade portuguesa dos filhos. VII - Resultando dos factos provados que: -o recorrente nasceu em 31-08-1988 na República da Guiné-Bissau, sendo filho de pais guineenses ao tempo do seu nascimento; -reside com a mãe na Guiné e nunca veio a Portugal; -o pai adquiriu a nacionalidade portuguesa, por naturalização, em 02-10-2003; -o recorrente nasceu e cresceu na companhia da mãe e tem a nacionalidade guineense; -é aluno interno do Liceu Nacional X, em Gabu; -o pai do recorrente foi soldado do Exército Português, tendo sido incorporado a 04-05-1966 e sido graduado 1.º cabo furriel e 2.º sargento, obtendo condecorações e louvores; o recorrente é titular do cartão n.º Y de leitor do “Centro Cultural Português”, em Bissau, e tem colaborado com a ONG “Acção para o Desenvolvimento”, prestando actividade como guia e intérprete no âmbito de execução de projectos de desenvolvimento na Guiné-Bissau; -o recorrente fala a língua portuguesa; deve concluir-se que o recorrente não logrou demonstrar uma ligação efectiva e permanente à comunidade portuguesa. VIII - Com efeito, exigia-se que o recorrente interessado fizesse prova (que não fez) de outros elementos que permitissem convencer que ele está realmente integrado na sociedade portuguesa, conhecendo a sua cultura e tradições e partilhando os seus valores, através, nomeadamente da sua participação em eventos sociais em Portugal, da associação a colectividades nacionais, da manutenção de ralações de amizade com portugueses e da comunicação escrita e verbal na língua nacional.
Apelação n.º 3691/06 -7.ª Secção Ferreira de Sousa (Relator)Armindo LuísPires da Rosa
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