ACSTJ de 07-05-2009
Acidente de viação Acidente de viação dolosamente provocado Seguro obrigatório Interpretação da declaração negocial Direito Comunitário Lesado Ressarcimento Seguradora Direito de regresso
I -O segmento do art. 8.º, n.º 2, do DL n.º 522/85, de 31-12, na parte em que dispõe que “o seguro garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de ... acidentes de viação dolosamente praticados ...”, deve ser objecto duma interpretação declarativa (não restritiva, nem extensiva), pois o sentido que dele imediatamente resulta traduz na perfeição o pensamento legislativo (art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC); há coincidência entre a letra e o espírito da lei. II - Sendo o objectivo central do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel garantir a protecção das vítimas de acidentes de viação, assegurando da forma mais alargada possível o ressarcimento dos danos por elas sofridos, esse desiderato subsiste mesmo naqueles casos em que os danos resultam de acidente dolosamente provocado, porquanto o conceito de acidente tem de ser perspectivado a partir da vítima. III - Esta interpretação da norma em causa é a que se coaduna com o direito comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça. IV - Ademais, esta interpretação não viola o disposto no art. 280.º, n.º 2, do CC, que diz ser nulo o negócio contrário à ordem pública; desde logo porque no seguro obrigatório de responsabilidade civil a componente negocial, enquanto expressão da autonomia privada, está fortemente esbatida sendo nula a possibilidade que as partes têm de conformar o conteúdo do seguro obrigatório; depois porque o art. 19.º do DL referido em I prevê, taxativamente, as únicas situações em que a seguradora, satisfeita a indemnização, tem direito de regresso. V - Este direito de regresso é mais propriamente um direito de reembolso do que a seguradora teve que pagar em circunstâncias que tornam o risco assumido legalmente inaceitável; é um direito que, deixando incólume o objectivo social do seguro obrigatório, de algum modo repõe o equilíbrio contratual rompido pela obrigatoriedade deste e evidencia que, contrariamente ao alegado pela ré, o legislador não “pactua” com contratos de seguro “que dão cobertura a actos criminosos”.
Revista n.º 512/09 -6.ª Secção Nuno Cameira (Relator) * Sousa Leite Salreta Pereira
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