Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Cível
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ACSTJ de 14-05-2009
 Aluguer de longa duração Interpretação da declaração negocial Contrato de seguro Furto de veículo Indemnização Enriquecimento sem causa
I -O vulgarmente designado contrato de ALD, de modo algum, é um contrato a se, assimilável à mera locação do direito civil, pese embora a componente funcional-económica de fruição temporária do bem locado, isto porque o preço da renda pode visar a amortização do preço do bem que o consumidor poderá ou não comprar, esgotado o prazo por que vigora o contrato, se tiver sido estabelecida opção de compra ou contrato-promessa de compra e venda, ainda que unilateral.
II - A existência desta opção de compra é essencial para se considerar se o contrato deve ser assimilável ao de locação financeira -a opção de compra final seria o lugar paralelo do “preço residual” (no leasing).
III - Não existindo, ab initio, expressa ou tacitamente estipulada, opção de compra pelo locatário, mais a mais, tendo o contrato sido reduzido a escrito e daí não resultando que as partes tiveram em vista tal opção, sem embargo de se considerar que o contrato de ALD pode ser enquadrado no regime jurídico do crédito ao consumo, como modalidade de financiamento, [não sendo de afastar a sua natureza de negócio misto], o facto é que, para se aferir da questão da propriedade, importa saber se as partes, na dinâmica e execução do contrato, previram a alienação findo o prazo do aluguer.
IV - Se não existir essa opção de compra, estamos mais perto do regime de mero aluguer que do contrato de financiamento.
V - Inexistindo opção de compra, nem cláusula de reserva de propriedade, como no caso ocorre, e não tendo sido estipulado contrato-promessa de compra e venda, nem sequer se pode considerar que o contrato celebrado e em discussão é um contrato de compra e venda ainda que a prestações -querido indirectamente pelas partes -e que, por mero consenso negocial, teria transferido a propriedade do bem para a recorrente, que apenas ficaria devedora do preço a pagar em prestações (rendas).
VI - Daí que, atendo-nos ao contrato, e interpretando-o de harmonia com os critérios da hermenêutica negocial -arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC -por não haver nele qualquer manifestação da intenção do locatário, ainda que imperfeitamente expressa, em exercer opção de compra mas dele resultar, meramente, ter sido assumido o compromisso de pagamento das rendas acordadas durante o prazo de vigência, se não possa considerar ter sido transmitida a propriedade para a recorrente, nem sequer estar pendente condição suspensiva habilitante, quando verificada, à transferência do domínio.
VII - No ALD inexistindo opção de compra ou promessa de venda por parte do locatário a propriedade do veículo permanece como direito do locador.
VIII - Sendo a recorrida a dona do veículo e tomadora do seguro, a ela deve ser paga, pela seguradora, a quantia estipulada na apólice para cobrir o risco de furto.
IX - As quantias pagas pela fruição do veículo, não podendo, in casu, ser consideradas prestações do preço de aquisição do automóvel, não devem considerar-se um duplo pagamento; ademais, a quantia a pagar pela seguradora tem natureza indemnizatória pelo furto do objecto seguro, de todo inassimilável à causa justificativa dos valores (rendas) que foram pagos na vigência do contrato de ALD.
X - O recebimento do valor do seguro pela segurada, não obstante as rendas pagas pela locatária, por ter causa justificativa e dele não resultar empobrecimento da recorrida, não exprime enriquecimento sem causa.
Revista n.º 4096/08 -6.ª Secção Fonseca Ramos (Relator) * Cardoso de Albuquerque Salazar Casanova