ACSTJ de 21-05-2009
Contrato de gestão de empresa Resolução do negócio Cumprimento defeituoso Incumprimento definitivo Justa causa Sociedade comercial Direito à honra Direito ao bom nome Direito à imagem Danos não patrimoniais
I -O contrato de gestão de empresa (management) é um contrato mercantil atípico, bilateral e oneroso, modalidade do contrato de prestação de serviço (arts. 231.º e ss. CCom e 1156.º, 1157.º e ss. CC), através do qual uma empresa atribui poderes de gestão a uma outra empresa, estabelecendo uma relação duradoura e de colaboração ou de cooperação entre as partes envolvidas, no desenvolvimento da qual à sociedade gestora compete o encargo de gerir a outra empresa no interesse e por conta do dono desta (concedente), mediante certa remuneração. II - Uma das consequências possíveis do cumprimento defeituoso, no caso uma prestação de serviço desconforme ao devido no exacto cumprimento das obrigações emergentes do contrato de gestão do Hotel (execução defeituosa), é, entre outras -exigência de eliminação do defeito, substituição da prestação, redução da contraprestação, por exemplo -, a faculdade de o credor resolver o contrato, se verificados os pressupostos estabelecidos nos arts. 801.º e 808.º CC. III - Equiparável às situações de conversão da mora em incumprimento definitivo para efeito de resolução contratual por perda objectiva do interesse na prestação ou pela fixação e decurso de um prazo admonitório, previstas naquele art. 808.º, será aquela em que o devedor declare que não procederá ao cumprimento pontual ou exacto da prestação devida. Se o devedor afirma inequivocamente que não procederá à eliminação da desconformidade (defeito), então o credor poderá resolver o contrato independentemente de se ter estabelecido prazo admonitório, pois que, nesse caso, o incumprimento definitivo está verificado pela tomada de posição do devedor no sentido de que a prestação não realizada já não o será posteriormente. IV - Essa manifestação de vontade do devedor tem que ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca, impondo-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade e propósito de querer não cumprir. V - A “justa causa” de resolução integra-se regime típico das relações contratuais duradouras, mormente nas de execução continuada, às quais não se ajusta directamente o regime admonitório previsto no art. 808.º CC, pois que o que está em causa não é, em regra, a perda de interesse numa concreta prestação, “mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual”, podendo a cessação do vínculo resultar da quebra de confiança entre as partes quando, ponderados os motivos no contexto global, seja de formular um juízo de perda de confiança justificada assente no de prognose de inviabilidade de prossecução da relação contratual. VI - Assentando o contrato de gestão de empresa no estabelecimento de uma relação duradoura entre as partes que se vinculam, envolvendo recíprocos deveres de colaboração em vista do alcance do escopo previsto e definido, como é próprio dos denominados contratos de colaboração, releva especialmente uma estreita “coordenação de interesses entre as partes”, que pressupõe, também de modo especial, qualidades de lealdade, de probidade ou honorabilidade entre os contraentes, nomeadamente quando se trata de negócio intuitu personae. VII - Os negócios de confiança postulam condutas em que os deveres de informação ou de esclarecimento (revelando à outra parte as circunstâncias susceptíveis de lhe interessar) e de correcção (mediante uma conduta diligente e leal e proba) se colocam num patamar de maior exigência que a decorrente do respeito pelo princípio da boa fé genericamente consagrado no n.º 2 do art. 762.º CC. VIII - Embora não tenham capacidade de sofrimento, padecendo dores físicas ou morais, como as pessoas físicas, destinatárias naturais da protecção da personalidade, as sociedades comerciais podem ver ofendido o seu bom nome e reputação, sob a perspectiva da consideração comercial e social, e sofrer perda de prestígio com afectação da sua imagem. IX - Nessa medida, desde que compatíveis com a sua natureza e não inseparáveis da personalidade singular, serão de reconhecer às pessoas colectivas, designadamente às sociedades comerciais, apesar do seu escopo lucrativo, os direitos pessoais reconhecidos às pessoas singulares, nomeadamente o direito à compensação por danos de natureza não patrimonial. X - Os danos de imagem podem revestir-se de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, relevando nessas duas vertentes. XII - Em princípio, as ofensas ao bom-nome comercial, abalando a boa fama da empresa, reflectem-se num dano patrimonial, a manifestar-se no afastamento da clientela e a consequente diminuição do giro comercial. XIII - O ressarcimento dos efeitos danosos caberá, em regra, na esfera de protecção dos danos patrimoniais, do dano patrimonial indirecto. XIV - A compensação por danos não patrimoniais será devida quando esteja em causa a protecção de interesses imateriais “como o prestígio social, a identidade ou a esfera do sigilo, sem qualquer afectação concomitante da esfera patrimonial”.
Revista n.º 643/09 -1.ª Secção Alves Velho (Relator) * Moreira Camilo Urbano Dias
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