ACSTJ de 21-05-2009
Responsabilidade contratual Incumprimento definitivo Sociedade comercial Poderes de representação Vinculação de pessoa colectiva Procuração irrevogável Litigância de má fé Admissibilidade de recurso
I -Configura um “contrato de cooperação jurídica” entre sujeitos o negócio em que todos os outorgantes declararam estar dispostos a desenvolver determinados actos jurídicos, com vista a um objectivo que se traduzia, em linhas genéricas, no seguinte: num primeiro passo, a Ré aproveitar-se da situação de arrendatário da loja para exercer a preferência na aquisição do imóvel onde se encontra o arrendado, tornando-se dona do prédio; num segundo momento, a Ré procederia ao arrendamento de partes do imóvel ao Autor e ao terceiro outorgante; num terceiro momento, a Ré, embora permanecendo como dona do imóvel na parte ocupada pelo espaço da loja de que antes era arrendatária, procederia à alienação aos outros outorgantes das partes restantes do imóvel. II - Procuração irrevogável é aquela que é passada não só no interesse do mandante como do próprio mandatário ou de terceiro, de tal forma que permite ao mandatário desenvolver os actos jurídicos necessários para que o objecto da procuração seja atingido no duplo ou múltiplo objectivo previamente acordado, ou seja, tanto o expresso pelo mandante no momento da sua emissão, como o do mandatário ou de terceiro, nos moldes e condições acordadas para a emissão da respectiva procuração. III - Sendo elemento essencial do contrato referido em I que a favor do Advogado indicado pela Autora a Ré passasse procuração para ser a Autora a dirigir, em nome dela, a questão da preferência e que à Autora fosse passada uma procuração irrevogável aquando do depósito do preço da preferência, é de concluir que a emissão da procuração inicial e a sua manutenção ao longo da preferência, bem como a emissão de procuração irrevogável, faziam parte da obrigação contratual que impendia sobre a Ré. IV - Não provando a Ré, como lhe competia (arts. 260.º, n.º 2, do CSC, e 342.º, n.º 2, do CC), que a Autora conhecesse que o sócio que subscreveu o negócio em causa estava impedido ou não autorizado por deliberação expressa ou tácita dos demais sócios de outorgar em nome dela o referido contrato, não pode a Ré opor à Autora, que é terceiro no tocante ao acto assumido pelo gerente em representação da sociedade Ré, a nulidade do contrato celebrado, por falta de poderes representativos do respectivo outorgante. V - Ao revogar a procuração inicial a favor do mandatário indicado, a Ré tornou letra morta uma obrigação estipulada contratualmente, criando uma situação objectiva de desconfiança, imprópria para negócios sérios, tanto mais que a Autora tinha já recorrido a financiamento bancário para poder cumprir o que havia sido acordado. VI - Da mesma forma, ao não emitir a segunda procuração, a que se havia comprometido (procuração irrevogável) na data para tal destinada, nem posteriormente, apesar de interpelada repetidamente para o efeito, a Ré acabou por determinar a definitiva perda de confiança da Autora na intenção daquela em querer cumprir o contrato. VII - Tendo sido estipulado no contrato que qualquer violação do mesmo conferia a qualquer das partes não faltosas o direito de exigir uma indemnização no valor de 500.000€, para além dos danos emergentes e lucros cessantes, deverá a Ré, cuja culpa se presume, indemnizar a Autora no indicado montante. VIII - As decisões sobre a condenação a título de litigância de má fé apenas admitem o recurso num grau. Assim, de acordo com o disposto no art. 456.º, n.º 3, do CPC, e perante a confirmação pela Relação da decisão recorrida, fica fora do âmbito de apreciação do presente recurso de revista a questão da litigância de má fé.
Revista n.º 3020/06.8TVLSB.S1 -1.ª Secção Mário Cruz (Relator) Garcia Calejo Hélder Roque
|