ACSTJ de 26-05-2009
Contrato-promessa Trespasse Estabelecimento comercial Estabelecimento industrial Incumprimento definitivo Obrigação de restituição Clientela
I -Não tendo o Réu, que prometeu trespassar ao Autor um estabelecimento de padaria, adquirido a propriedade do local que, no mesmo contrato, prometeu arrendar-lhe, tendo até perdido a posse que tinha dessas instalações quando teve de as restituir ao seu legítimo dono, tornou-se impossível o cumprimento da promessa. II - Só assim não seria se, apesar da perda das instalações, com a exclusão do gozo do imóvel, as partes quisessem transmitir o estabelecimento (sem o direito ao arrendamento) considerado como universalidade, o que seria viável desde que os elementos a transmitir bastassem, no seu conjunto, para integrar a noção de estabelecimento, isso é, desde que se mantivesse a autonomia e funcionalidade da padaria. III - Decidido que está, com trânsito, ter o Réu incumprido definitivamente o contrato-promessa na sua globalidade e não sendo possível a restituição material ou em espécie do gozo do estabelecimento de padaria prometido vender, deverá o promitente-trespassário restituir o equivalente, que corresponderá ao valor locativo do estabelecimento comercial, ou seja, o valor da respectiva exploração (caso esta tivesse sido cedida em locação), não bastando para o cumprimento do disposto no art. 433.º do CC a restituição do espaço onde funcionava o estabelecimento. IV - Sendo a clientela do estabelecimento constituída exclusivamente pelas pessoas que compravam pão ao domicílio, através do respectivo circuito de distribuição, entre os quais se contavam 3 escolas e inúmeros clientes já antigos (cerca de 20 anos), que, no conjunto formavam aquilo que na gíria do ramo se denominava por “voltas do pão”, e considerando que na altura da celebração do contrato-promessa o estabelecimento explorava, pelo menos, cinco “voltas do pão”, vendendo mais de 100.000$00 por dia, em princípio, nada obstaria a que fossem cedidas pelo Réu, independentemente da transferência do estabelecimento, tais “voltas” concretas. V - Enquanto o Autor explorou o estabelecimento na sua integralidade, nas exactas condições em que o mesmo lhe foi entregue pelo Réu, a restituição da prestação efectuada em função e por antecipação do contrato-promessa, corresponderá ao equivalente do valor locativo da exploração do dito estabelecimento. VI - Cessada essa exploração pela entrega das instalações ao legítimo proprietário delas, na medida em que, mesmo após essa cessação, o Autor continuou a aproveitar-se da clientela que lhe foi transmitida antecipadamente e tal aproveitamento não é, naturalmente, susceptível de ser restituído em espécie, terá de ser restituído o valor desse elemento de que se apropriou sem contrapartida, o qual, se não puder ser quantificado exactamente em sede de liquidação ulterior, deverá sê-lo de acordo com critérios de equidade.
Revista n.º 423/03.3TBAMT.S1 -1.ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo
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