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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 20-11-2002
 Homicídio qualificado Especial censurabilidade Perversidade Premeditação Meio insidioso Frieza de ânimo Homicídio Imputabilidade diminuída Culpa Homicídio privilegiado Medida da pena
I - A afirmação do Colectivo de que o arguido persistiu na intenção de matar o seu cônjuge, por mais de 24 horas, e que agiu com frieza de ânimo, não se coaduna com os factos provados de que actuou motivado pelo ciúme obsessivo que o dominava desde há vários anos, pois tal situação indicia não frieza de ânimo, mas antes uma atitude fortemente emotiva.
II - E afastado, como o foi, sem impugnação, o motivo fútil constante da acusação, mostra-se insustentável manter a especial censurabilidade ou perversidade da conduta homicida do agente, a partir dos factos apurados, na perspectiva de reveladores da frieza de ânimo a que se refere a alínea i) do art. 132.º do CP.
III - Segundo a doutrina mais exigente, seguida por boa parte da jurisprudência, os exemplos-padrão devem exercer uma função delimitadora dos casos atípicos, daqueles se devendo apreender 'não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa'; outras circunstâncias que aí se pretenda enquadrar devem revelar 'igualmente um especial grau de gravidade da ilicitude ou da culpa', sob pena de deixar o Julgador sem critério de valoração, com o risco de caminhar para interpretações de tipo analógico.
IV - Subsistem dúvidas que se tenha verificado uma situação equiparável ao 'meio insidioso', quer como aquele 'cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno - do ponto de vista pois do seu carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto' -, quer como utilização de meios tendentes ao aproveitamento da desprotecção da vítima, pelo que não se revela tal circunstância atípica.
V - Real ou imaginada, a situação de infidelidade provocou a diminuição da culpa do agente, culpa que tem como substracto material o reconhecimento da liberdade do agente e a sua consciência ética e, por outro lado, que só age culposamente quem, podendo fazê-lo, não faz aquilo que devia fazer (evitar a prática do crime); perante as perícias realizadas e o papel da culpa como o limite inultrapassável de fundamento da pena, esta não poderá ser senão a correspondente ao homicídio simples, cometido com imputabilidade diminuída.
VI - A forte emoção verificada não era de molde a poder considerar-se integrado o disposto quanto ao homicídio privilegiado, já que o grau de imputabilidade conferido ao recorrente não o impedia de valorar a ilicitude da sua conduta e de evitar a prática do uxoricídio nas circunstâncias em que o fez, não sendo 'compreensível' normativamente a sua reacção.
VII - Pela prática do crime de homicídio simples, p.p. pelo art. 131.º do CP, e de detenção ilegal de arma de defesa, atenta a globalidade dos factos e a sua personalidade, nomeadamente a previsível situação familiar decorrente do homicídio, em que a filha mais velha teve que assumir a representação da mãe perante os dois jovens irmãos, mas sem esquecer a relevância da imputabilidade diminuída com que actuou, movido por uma atitude de obsessivo e duradouro ciúme, posto que sem fundamento na realidade, em cúmulo jurídico, é adequada a pena de 10 anos e 4 meses de prisão.
Proc. n.º 2812/02 - 3.ª Secção Lourenço Martins (relator) * Pires Salpico Leal-Henriques Borges
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