ACSTJ de 07-11-2002
In dubio pro reo Matéria de facto Matéria de direito Tráfico de estupefacientes Detenção de estupefacientes Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
I - Se no recurso se questiona o uso feito pelo tribunal julgador dos seus poderes de livre convicção e de livre apreciação da prova, esse questionamento projecta o tema desse recurso para terrenos de facto; o mesmo sucedendo quando se trás à ribalta a não atenção pelo princípio 'in dubio pro reo', uma vez que a liberdade na convicção adquirida e na apreciação da prova atestada é ao domínio factológico que pertence. II - Se, destarte, se pode dizer que é estranho ao poder cognitivo do STJ o poder de ajuizar da justeza de tais convicção e apreciação, não se repudia, contudo, que, em hipóteses manifestas de uma convicção inadmissível ou de uma apreciação insensata ou arbitrária da prova produzida, a caracterização do falado princípio se insira em sede de direito, cognoscível pelo STJ. III - Poderá, desta forma, o STJ reconhecer uma possível violação do princípio 'in dubio pro reo' quando da decisão recorrida (e do contexto desta) resultar que tendo o tribunal 'a quo' chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade factológica, ainda assim decidiu em desfavor do arguido ou quando, não reconhecendo esse tribunal essa dúvida, ela resulte ou seja patente do ou no texto da decisão recorrida, por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou seja, quando se torne verificável que a dúvida só não foi reconhecida por via de qualquer dos vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, mormente no previsto na al. c) daquele n.º 2 - erro notório na apreciação da prova. IV - E pode, igualmente, suceder que o STJ se confronte com a impossibilidade de seguramente decidir sobre a suscitada violação do princípio 'in dubio pro reo', quer pela ocorrência dos aludidos vícios, quer pela da prefiguração de nulidades (cfr. n.º 3 do art. 410.º do CPP), em termos de que, somente o suprimento ou a superação de uns e de outros, permita a ultrapassagem das dúvidas (ou a sua confirmação) por modo e medida bastantes à aplicação do aludido princípio (ou ao bom e mau uso da sua aplicação ou não aplicação). V - A detenção de droga, sobre a qual se não prove exclusivo consumo, tem de assumir um sentido de tráfico. VI - O tipo legal previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93 apoia-se na suposição legal de que determinados comportamentos são geral e potencialmente perigosos para os bens e valores jurídicos tutelados pela incriminação, isto porque a perigosidade da acção, menos que elemento do tipo, constitui, sobretudo, o próprio fundamento das disposições legais neste domínio.
Proc. n.º 2814/02 - 5.ª Secção Oliveira Guimarães (relator) Dinis Alves Carmona da Mota
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