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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-11-2002
 Homicídio qualificado Frieza de ânimo In dubio pro reo Qualificação jurídica Medida da pena Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
I - Do n.º 1 do art. 132.º do CP, que contem uma cláusula geral, resulta que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade. É essa a matriz da agravação, por forma a que sem especial censurabilidade ou perversidade, ela não ocorre.
II - Ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei 'é susceptível' (1.ª parte do corpo do n.º 2), mas esses indicadores não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: 'entre outras' no segmento final do corpo do n.º 2.
III - Assim, nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, mas pode dizer-se que se estará perante um crime de homicídio qualificado quando a morte foi produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, estando presentes vários indicadores das alíneas do n.º 2 do art. 132.º, que no seu conjunto o permitem afirmar, embora, individualmente, cada uma delas não reuna a qualidade/quantidade que justificou a sua inclusão como indicador.
IV - Há frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana e reflecte-se sobre os meios empregados quando a escolha, o estudo ponderado dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuam acentuadamente as possibilidades de defesa da vítima mercê do modo frio, indiferente, calmo e imperturbadamente reflectido com foi planeada a morte.
V - Age com frieza de ânimo o arguido que:- pressionado pela promessa da vítima de que apresentaria a pagamento um cheque por si sacado correspondente a uma burla que efectuara, combina um encontro para daí a 2 dias afirmando-lhe que lhe pagaria;- formula então o propósito de matar a vítima e assim se livrar da dívida que tinha para com esta;- no dia e hora combinados, compromete-se a pagar à tarde e deslocar-se ao banco para o efeito;- à hora aprazada, o arguido entra no carro da vítima, munido de uma pistola que ninguém lhe conhece, igualmente não lhe conhecendo o hábito de andar armado;- em local de pouco movimento, desfere 2 tiros contra a cabeça da vítima, que foi completamente apanhada de surpresa;- deixa no local elementos para despistar a investigação e saí daí num trajecto perfeitamente apto a dissimular a sua presença no local e se mantém a trabalhar durante cerca de 3 horas e meia, como se nada tivesse acontecido.
VI - O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico--material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.
VII - Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.VIIII - Estando em causa a qualificação jurídica de uma determinada conduta, questão de direito que envolve a interpretação das normas que tipificam a conduta em causa, não é licito recorrer ao princípio in dubio pro reo, ou a eventual decorrência substantiva do mesmo, tanto mais quando nenhuma dúvida expressaram as instâncias, nem resulta da matéria de facto provada.
IX - No recurso de revista pode-se sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite ou da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
X - Não merece censura a pena de 20 anos de prisão infligida pelo crime de homicídio qualificado referido.
Proc. n.º 3316/02 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Abranches Martins Oliveira Guimarães Din
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