ACSTJ de 21-11-2002
Tráfico de menor gravidade Prevenção geral Prevenção especial Fins da pena Suspensão da execução da pena
I -ncorre em 'tráfico de menor gravidade', previsto no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, quem, durante dois meses (re)vende - a consumidores identificados - cerca de 0,8 gramas de heroína por 6.000$00 (1.000$00 + 1.000$00 + 1.000$00 + 2.000$00 + 1.000$00) e tinha consigo, quando detido, 7.000$00 ('proveniente de vendas de heroína anteriormente efectuadas' - cerca de 0,9 gramas) e 0,6 gramas de heroína (que lhe permitiria realizar mais cerca de 4.000$00). II - E isso porque a ilicitude dessa actividade - tal a sua reduzida dimensão e projecção - não excede a delimitada no art. 25.º, al. a), do DL 15/93. Com efeito, 'a tipificação do referido art. 25.º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21.° do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º'. Além de que haverá que ter em conta que, segundo a Portaria 94/96, de 26-03, (que o estabeleceu com base nos 'dados epidemiológicos referentes ao uso habitual'), o limite quantitativo máximo, do respectivo princípio activo (diacetilmorfina), para cada dose média individual diária de heroína é, respectivamente, de 0,1 g. E que considerar, ainda, o (último) estádio de comercialização em que a droga apreendida foi apreendida, pois que, após os 'cortes' operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, (proporcionalmente) muito pouco do correspondente princípio activo. Daí que, apesar do peso do 'produto' vendido e ainda por vender (2,3 g de 'heroína'), este, no pressuposto (generoso) de um grau de pureza de 20%, não deteria mais que 0,46 g de diacetilmorfina, correspondentes a não mais de 4 ou 5 doses médias individuais diárias de 'heroína'. III - Porque o art. 70.º do CP/95 manifesta 'preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição' - 'o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, terá sempre de fundamentar especificamente (...) a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao carácter (...) desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico' (FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 523). IV - Porém, 'havendo razões sérias' 'para duvidar da capacidade do agente de não cometer crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada' (ob. cit., § 521). V - Acresce que 'a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada' - mesmo em caso de 'conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem' (ob. cit., § 520) 'as finalidades da punição' (art. 50.1 e 40.1 do CP), nomeadamente 'considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico' (ob. cit., § 520), pois que 'só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto' (idem). VI - É preciso não descaracterizar 'o papel da prevenção geral como princípio integrante do critério geral de substituição', a funcionar aqui 'sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico' e 'como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização' (§ 501). E daí que a pena de substituição, mesmo que 'aconselhada à luz de exigências de socialização', não seja de aplicar 'se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias' (idem).
Proc. n.º 3196/02 - 5.ª Secção Carmona da Mota (relator) ** Pereira Madeira Simas Santos Abranch
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