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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 12-12-2002
 Burla agravada Elementos da infracção Astúcia Difícil situação económica da vítima Matéria de facto Conclusões ou ilações da matéria de facto Tentativa
I - O crime de burla desenha-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:- intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;- por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;- determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial.
II - É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
III - Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa 'economia de esforço', limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta.
IV - O que pode ocorrer quando se verifica toda uma aproximação do burlão à vítima, a criação de relações pessoais que permitiram que de forma simples esta tenha sido enganada com recurso a meios simples (uma história comovente, grandes protestos de seriedade e amizade, desespero e choro, insistência e garantia de que a arguida iria receber muito dinheiro) para ser convencida a entregar os cheques, ela que não usava cheques para si.
V - O n.º 1 do art. 217.º do CP não se refere somente ao prejuízo causado ao burlado, mas também ao prejuízo patrimonial causado a outra pessoa, pela prática dos actos praticados, por meio do erro ou engano sobre factos astuciosamente provocado pelo burlão.
VI - É jurisprudência pacífica do STJ que as conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do tribunal de revista, salvo se as instâncias ao extrair aquelas conclusões ou ilações não se limitam a desenvolver a matéria de facto provada, e a alteraram.
VII - A vítima fica em situação económica difícil se por virtude da burla fica desapossada das suas poupanças e incapaz de honrar compromissos anteriormente assumidos.
VIII - A posição assumida no Ac. do STJ de 14-12-89 (BMJ 384, pág. 314), de que 'o crime de burla agravada previsto e punível pelo art. 314.º, al. c), do CP/82 não admite a figura da tentativa' já não colhe perante o CP revisto em 1995, porquanto a não reparação deixou de ser elemento típico da qualificação [art. 218.º, n.º 2, al. a)] e passou a ser considerada, por força do n.º 3 do art. 218.º, em conexão com o art. 206.º do mesmo diploma, como pertinente ao instituto da atenuação especial da pena, deixando, deste modo, intocado o tipo legal do crime de burla qualificada.
IX - De todo o modo a reparação do prejuízo não equivale a restituição, como o reconhece o legislador do CP de 1982 no art. 301.º: a restituição visa essencialmente o furto e a apropriação ilícita, e a reparação integral os restantes casos e mesmo o furto ou apropriação ilícita quando não for possível a restituição.
X - O segmento final da al. c) do art. 314.º do CP de 1982 'e não for reparado pelo agente, sem dano ilegítimo de terceiro, até ser instaurado o procedimento criminal' não tem por fim fundar a agravação, antes pelo contrário, visa afastar tal agravação quando, por virtude da reparação sem dano ilegítimo de terceiro, se tiver reduzido a ilicitude e logo a razão da agravação ditada pelo primeiro segmento da norma. Portanto, nos casos em que a natureza das coisas não permitir a reparação do prejuízo causado, funciona a agravativa, sem que se possam ter por discriminados negativamente os agentes. É que não podendo ser reparado o prejuízo causado pelo agente, não é diminuído o grau de ilicitude por forma a justificar uma moldura penal mais branda.
Proc. n.° 3722/02 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Abranches Martins Oliveira Guimarães Din
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