ACSTJ de 15-06-2005
Escutas telefónicas Confirmação da selecção e transcrição feita pela Polícia Judiciária Nulidade sanável Tráfico de estupefacientes Avultada compensação remuneratória Princípio da legalidade Cúmplice
I - Se o auto relativo à intercepção e gravação de escutas telefónicas e os suportes de registo das gravações foram presentes ao juiz, que proferiu decisão confirmando a 'selecção e transcrição' feita pela PJ, é de considerar que o magistrado analisou o conteúdo das gravações e considerou relevantes as escolhas feitas, pois só desse modo podia conscientemente validar o procedimento do órgão de polícia criminal. II - Não se poderá assim dizer que a PJ se substituiu ao juiz de instrução nas operações mencionadas no n.º 3 do art. 188.º do CPP, ainda que não conste do processo qualquer auto de audição para selecção das conversas, com ou sem interesse probatório, efectuado pelo juiz. III - A preterição de algumas formalidades legais relativamente às operações de intercepção e gravação de escutas telefónicas, designadamente por não terem sido 'imediatamente' levadas ao conhecimento do juiz o auto e esses suportes e por não se ter lavrado um auto de onde constem todas as operações referidas no n.º 3 do art. 188.º do CPP consubstancia nulidade sanável, a arguir até ao encerramento do debate instrutório. IV - Embora da factualidade apurada resulte que está em causa uma quantidade de produtos estupefacientes elevada - 1047 kg de canabis - tal não sugere necessariamente um propósito de auferir ganhos apreciáveis, não bastando o recurso às regras da experiência comum para extrair essa conclusão. V - Não sendo em absoluto de excluir, no campo das hipóteses, que os agentes do crime visassem ganhos avultados, na falta de elementos que imponham conclusão diversa [montante envolvido na aquisição da canabis, lucro previsto ou previsível ou montantes normalmente auferidos com a venda da canabis] não se poderá considerar verificada a referida circunstância, cujo suporte fáctico não consta, aliás, da acusação ou da pronúncia, mesmo de forma indirecta. VI - Age como cúmplice e não como autor o agente que se limita a contactar um outro co-arguido para que disponibilize o veículo que transportou a droga [a sua participação é anterior à execução do crime e não foi necessária ou essencial]. VII - A insuficiência do inquérito a que alude o art. 120.º, n.º 1, al. d), do CPP é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve como obrigatório. A omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do MP. VIII - Tem-se entendido neste Supremo Tribunal que um veículo serve para a prática do crime de tráfico de estupefacientes quando há uma relação de causalidade adequada entre a utilização do veículo e a prática do crime, no sentido de se poder dizer que sem ele o crime não teria sido cometido ou dificilmente o teria sido na forma em que o foi. IX - A falta de compromisso dos peritos, nos termos do art. 91.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, constitui mera irregularidade, sujeita ao regime ao art. 123.º do CPP, nomeadamente à sanação por falta de oportuna arguição. X - Apesar de não constar da acusação e do despacho de pronúncia a referência específica às escutas telefónicas como meio de obtenção de prova, nem às transcrições como meio de prova propriamente dito, não se pode dizer, tratando-se de provas já juntas aos autos, que o recorrente não pôde exercer eficazmente o contraditório. XI - Só haveria uma compressão intolerável dos seus direitos de defesa no caso de ser surpreendido com a apresentação de provas depois de decorrido o prazo a que alude o art. 315.º, n.º 1, do CPP e não lhe ser dada a oportunidade para exercer o contraditório.
Proc. n.º 1556/05 - 3.ª Secção Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro Sousa Fonte
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