Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-06-2005
 Violação Aplicação da lei no tempo Regime concretamente mais favorável Acção penal Ministério Público Recurso penal Perícia psiquiátrica Questão nova Abuso sexual de crianças Unidade e pluralidade de
I - O conceito de regime penal é, por definição, um conceito amplo, nele se devendo considerar não só a espécie e a duração da pena, mas ainda as chamadas penas acessórias e todas as modificações relativas à apreciação jurídica dos factos, circunstâncias atenuantes e agravantes, causas de extinção do procedimento criminal ou circunstâncias dirimentes; da ponderação global destes elementos resultará a afirmação da lei mais favorável em concreto.
II - Essa ponderação concreto-unitária aponta, em regra, o regime mais favorável, não sendo de excluir que o mesmo resultado se atinja através da simples ponderação abstracta, diferenciada, das molduras penais em confronto.
III - É entendimento jurisprudencial uniforme que o regime penal mais favorável se constrói em bloco, sob pena de arbítrio, não sendo de acolher a sua composição pelo recurso a elementos diferenciados dos vários sistemas em sucessão, de modo a formar com elementos respigados de cada um deles uma tertia legis, em violação do princípio da separação de poderes.
IV - O crime de violação agravado pela circunstância da vítima ser descendente do agente, p. e p. pelos arts. 201.º, n.º1, e 208.º do CP, na versão de 82, tinha natureza pública, o que resultava da exclusão de necessidade de queixa prescrita no art. 211.º, n.º 2, do mencionado diploma legal [o disposto no n.º 1 (necessidade de queixa) não se aplica quando a vítima for menor de 12 anos, o facto for cometido por meio de outro crime que dependa de acusação ou queixa, quando o agente seja qualquer das pessoas que nos termos do mesmo número anterior tenha legitimidade para requerer procedimento criminal ou ainda quando do crime resulte ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima].
V - O DL 48/95, de 15-03, diploma que introduziu várias alterações ao CP, veio estabelecer que o crime de violação dependia de queixa, salvo quando dele resultasse suicídio ou morte da vítima, sendo que quando a vítima fosse menor de 12 anos o MP podia dar início ao processo se razões especiais de interesse público o impusessem (art. 178.º, n.ºs 1 e 2).
VI - Este mesmo diploma veio alterar o exercício do direito de queixa, estabelecendo-se então no art. 113.º, n.º 5, do CP que o MP só podia substituir-se ao ofendido quando, concorrendo aquele interesse público, a titularidade do direito de queixa coubesse apenas ao agente do crime.
VII - As normas que regem sobre a queixa e, identicamente, as que regem sobre a promoção da acção penal pelo MP são a um tempo de natureza processual e substantiva; são leis processuais penais materiais, influindo não só na marcha processual como também nos direitos substantivos do arguido.
VIII - A lei vigente no tempus delicti, em caso de conflito temporal, é a aplicável; a lei nova só será aplicável se for mais favorável, aplicando-se retroactivamente - art. 2.º, n.º 4, do CP - , em nome da garantia dos direitos de defesa do arguido.
IX - Nos casos em que, como no dos autos, a acção penal, impulsionada pelo MP, pela prática de crime de violação agravada pela circunstância de a vítima ser filha do agente - à data dos factos com 14 anos de idade e estando o exercício do poder paternal a cargo de ambos os pais -, teve início em plena vigência do CP na versão de 82, há que considerar que a partir das alterações introduzidas pelo DL 48/95, de 15-03, ficou precludido o exercício da acção penal pelo MP [a menor tinha mais de 12 anos de idade e a mãe como sua representante legal não actuou ante os factos], regime que em concreto se revela manifestamente mais favorável.
X - Se o recorrente reclama, pela primeira vez, neste STJ, a sua sujeição a exame psiquiátrico - ninguém pondo, no momento próprio, em crise a sua integridade mental, o seu perfeito estado psíquico, é patente que está a usar o recurso como meio de estudo de questão inteiramente nova, e não como modo de impugnação de decisões judiciais, não cabendo a este Tribunal, sem qualquer suporte, suprir a evidente, porém absolutamente inconsequente, inércia do arguido.
XI - O arguido que, depois de obrigar a sua filha, então com 8 anos de idade, a manejar-lhe o pénis, tentando uma vez, até, introduzi-lo na sua vagina, lho colocou na boca e ejaculou no interior, por três vezes, em datas distintas, renovando em cada delas a sua intenção criminosa, em local previamente escolhido, sempre a coberto de um clima de temor e constrangimento, que traz ao processo executivo homogeneidade, porém, num contexto que, sem qualquer margem para dúvida, não favorece qualquer ideia de diminuição da culpa, comete 3 crimes de abuso sexual de crianças, e não um único crime continuado.
XII - Perante esta factualidade, face a uma moldura penal abstracta de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão (arts. 172.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, al. a), do CP, versão introduzida pela Lei 99/2001, de 25-08), mostra-se adequada a condenação do arguido nas penas parcelares de 5 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.
Proc. n.º 1558/05 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Pires Salpico Antunes Grancho Sousa Fonte