ACSTJ de 02-06-2005
Conclusões da motivação Conclusões de direito Fundamentação
I - É ilegal a prática de a acusação, e subsequentemente a pronúncia e a sentença, em vez de se cingirem à enunciação de factos que a lei exige - art. 374.º, n.º 2, do CPP - com frequência adoptarem uma postura algo próxima do floreado relato jornalístico, incluindo a transcrição inútil do resultado de escolhidas conversas objecto de escuta telefónica, em vez de, como seria mister, desses elementos de prova se extraírem os factos e apenas os factos com relevo para a decisão da causa, assim confundindo o que deve ser inconfundível: meios de prova com factos. II - São estes - e só estes - que a lei manda enunciar na sentença, procedendo-se, se necessário, e na extensão tida por necessária, ao 'aparo' ou 'corte' do que, porventura em contrário e com carácter supérfluo, provenha da acusação ou, mesmo, da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária. De resto, sempre ao juiz se impõe, sob pena de ilegalidade que se abstenha da prática de actos inúteis, como esse a que se acaba de fazer menção - art. 137.º do diploma adjectivo subsidiário. III - mporta que os tribunais, na medida do possível, não caiam em práticas rotineiras, sobretudo se, com elas, afinal, acabam por beneficiar o infractor, o que pode acontecer quando as conclusões ofendem o exigido na lei, por prolixidade ou obscuridade, já que o eventual convite para sua reformulação se traduziria afinal num alongamento do prazo de vida do recurso, e, assim, dos prazos de prisão preventiva ainda em curso, o que não pode ser tolerado. IV - Por isso, e sem prejuízo do respeito pela lei processual, importa dar o devido relevo a um são princípio de responsabilização de cada qual pelos actos que lhe competem, decerto mais eficaz que qualquer condescendência com a prática de actos menos ortodoxos do ponto de vista legal. Sobretudo, quando, como no caso, não obstante, ao tribunal se afigura ser possível atingir o âmago do objecto recursivo. V - Nesta óptica, o recorrente que não atenta convenientemente na exigência legal de formular conclusões claras, precisas e sintéticas, sujeita-se, por vontade própria, às eventuais nefastas consequências que podem advir da circunstância de o tribunal ser colocado perante as dificuldades acrescidas de ter de desvendar o autêntico 'segredo escondido' que, muitas vezes, constitui a tarefa de deslindar em que consiste a verdadeira pretensão do recorrente. E se dessa dificuldade acrescida em que o tribunal é ilicitamente colocado resultar um imperfeito conhecimento do objecto do recurso, o recorrente só de si poderá queixar-se. Sibi imputet. VI - Tendo-se pronunciado a Relação pela inexistência de vícios da matéria de facto, não é lícito ao recorrente reeditar a questão em recurso para o STJ. VII - A pretensa violação do princípio in dubio pro reo é sindicável pelo STJ em termos limitados à apreciação da existência de uma motivação devidamente objectivada e motivada em termos de dali se permitir reconstituir o processo lógico em que ancora a convicção do tribunal de instância. VIII - Para encarar uma hipótese de 'tráfico de menor gravidade', a lei - art. 25.º do DL 15/93, de 22-01 - aponta claramente para uma pluralidade de índices de aferição da ilicitude 'nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade das plantas, substâncias ou preparações', e, só no fim, enuncia a 'quantidade'. IX - Sem prejuízo dos direitos de terceiro, devidamente acautelados na lei, se o veículo, propriedade ou não do arguido, foi o seu instrumento de 'trabalho' na venda de inúmeras doses de droga, tendo sido mesmo no seu interior que se levaram a cabo, de modo fugaz, muitas das transacções de droga de cujo lucro o arguido decidiu sobreviver, serviu para a prática da infracção e, assim deve ser declarado perdido a favor do Estado.
Proc. n.º 1441/05 - 5.ª Secção Pereira Madeira (relator) * Simas Santos Santos Carvalho Costa Mortágu
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