Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 09-06-2005
 Burla Astúcia Erro Crime continuado
I - Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
II - Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa 'economia de esforço', limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta.
III - Verifica-se uma burla quando o arguido, mediador de seguros, induziu em erro, enganou, os dois demandantes, convencendo-os que conseguia obter-lhes resultados financeiros das aplicações em seguros feitas por seu intermédio, resultados que sabia serem impossíveis de alcançar legitimamente, chegando a juntar a quantias entregues por eles, dinheiro seu, para os convencer que eram juros substanciais que conseguia obter com os investimentos efectuados por seu intermédio, e que assim induz astuciosamente nesse erro é que os demandantes lhe entregaram quantias que nunca mais recuperaram, pois o arguido delas se apropriou, fazendo-as suas.
IV - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente, cuja génese se encontra na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.
V - Se o arguido concebe um esquema de burlar várias pessoas que depois concretiza em múltiplas ocasiões, não se configura uma situação exterior ao agente que o impeliu à repetição das condutas criminosas nem a mencionada diminuição de culpa, antes resulta uma agravação dessa culpa, face à repetição das condutas pensadas e decididas ab initio.
VI - É que não foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, mas o esquema de realização do facto foi gizado exactamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal.
VII - Se o mediador de seguros não celebrou um acordo com as seguradoras para dar como celebrados contratos em nome delas, sem a sua prévia aprovação, os actos praticados por aquele, sem a prévia aprovação das seguradoras, não produzem qualquer efeito na esfera jurídica destas, pois os actos celebrados pelo mediador, enquanto mandatário sem representação, só a ele obrigam, nos termos do art. 1180.° do CC, não podendo as mesmas ser responsabilizadas pelos actos do mediador, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 800.° do CC.
Proc. n.º 1302/05 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Santos Carvalho Costa Mortágua Rodrigues da C