Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 23-06-2005
 Falsificação Burla Unidade e pluralidade de infracções Crime continuado
I - O arguido, em Maio de 1999, entrou na posse de 12 impressos de cheques e - 'consciente de que os mesmos lhe não pertenciam e haviam chegado à sua mão sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos titulares' - logo 'decidiu utilizá-los para com eles adquirir mercadorias' em supermercados. Na execução dessa decisão, o arguido, entre 23-05 e 05-06-99 levantou 12 partidas de mercadorias para pagamento de cujo preço entregou aos fornecedores, enganando-os, cheques (que, para tanto, falsificou) do montante de cada um delas. Ora, é sabido que não existe crime continuado quando - como aqui - haja uma única resolução a presidir a toda uma actuação delituosa - de carácter duradouro e prolongada no tempo - que não se esgote num acto único e instantâneo: 'Embora a actuação delituosa não se esgote, num acto único e instantâneo e se trata de uma actuação de carácter duradouro, prolongada no tempo, sem prejuízo da unidade do crime, desde que haja uma única resolução a presidir a toda essa actuação, não existe crime continuado, mas um só crime'.
II - É certo que, mais tarde, já em Agosto desse ano, o arguido veio a entrar na posse de mais um impresso de cheque, que, no dia 28-08-1999, veio a entregar (depois de adequadamente falsificado) para, mais uma vez, levantar mercadorias que assim simulou comprar e pagar. Ora, sendo requisitos do crime continuado - aqui presentes - a realização plúrima do mesmo tipo de crime e a sua execução por forma essencialmente homogénea, já não se dirá que esta actuação do arguido - quase dois meses depois das outras e já noutro contexto - tenha sido produto 'de solicitação de uma mesma situação exterior'. E nem se vê, mesmo que assim fosse, que a chegada à sua mão (que ele, decerto, procurou) de mais um impresso de cheque de conta alheia constitua uma 'situação exterior' de tal modo 'sedutora' ou 'irresistível' cujo aproveitamento possa afirmar-se 'desculpável' a ponto de lhe diminuir, 'consideravelmente', a culpa.
III - Entre a situação de Maio/Junho e a de Agosto - e os actos praticados numa e noutra épocas - não ocorre uma 'conexão interior' que possa dizer-se 'derivada da motivação de cada um estar ligada à dos outros'. A renovação de um móbil como o dos autos não poderá, com efeito, constituir uma particular 'disposição exterior das coisas para o facto' e, muito menos, 'uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite' não só a renovação da resolução como - desculpavelmente - 'a repetição da actividade criminosa'. Porém, a única resolução criminosa que presidiu a todas as 'burlas' de MAI/JUN, afastando embora a pretensa 'continuação criminosa' entre as sucessivas actuações do arguido, suscitará já a unificação de todas elas sob a égide de um único crime de burla - como que de trato sucessivo mas não, propriamente, continuado. Com efeito, 'o número de crimes determina-se pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for ['efectivamente'] preenchido pela conduta do agente' (art. 30.º, n.º 1 do CP).
IV - Porque persiste 'a doutrina decorrente do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2000, de 04-05-2000, publicado no DR de 23-05-2000, relativo ao concurso real e efectivo dos crimes de falsificação e burla', concorrerá, com o tal crime (plúrimo) de 'burla', outro crime (instrumental), igualmente plúrimo, de 'falsificação de cheques'. Além disso, porque - como já se viu - 'o número de crimes se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for ['efectivamente'] preenchido pela conduta do agente' (art. 30.º, n.º 1), a nova resolução criminosa de Agosto, dando lugar outra vez ao preenchimento do(s) mesmo(s) tipo(s) de crime(s) pelo agente, desencadeou outro crime de burla e outro crime de falsificação de cheque.
Proc. n.º 1944/05 - 5.ª Secção Carmona da Mota (relator) ** Pereira Madeira Simas Santos Santos Carva