ACSTJ de 18-05-2005
Vícios da sentença Insuficiência da matéria de facto provada Tentativa Reenvio do processo
I - A insuficiência da matéria de facto provada que integra o vício enunciado no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, deve ter como consequência a impossibilidade de decisão, não no sentido de não permitir a decisão que esteja em causa, mas de impossibilitar uma qualquer decisão coerente nos quadros de direito possíveis e plausíveis, seja positiva, porque não existem factos que permitam a integração de uma infracção nos limites traçados pelo objecto do processo, seja negativa, porque os factos provados não permitem excluir a verificação do crime ou, ao menos, não revelam o nível de dúvida que é próprio da intervenção do princípio in dubio. II - A interferência do vício manifesta-se, por regra, quando os factos provados não permitem revelar toda a sequência do iter típico ou a dimensão da projecção externa da vontade do agente, ou, em casos de parcial coincidência de elementos típicos, quando não permita, de modo seguro, resolver o problema da qualificação ou integração diferencial. Pense-se, v.g., em situações de delimitação de fronteira entre a ameaça (art. 153.º, n.º 1, do CP) e actos que constituam já começo de execução na tentativa de ofensas corporais ou de homicídio. III - Na tentativa, a passagem do momento anterior para o começo do iter típico de execução pressupõe uma acção idónea, mas materialmente referenciável que possa revelar-se, externamente, já como acto relevante de execução que determinará, necessariamente ou segundo as regras da experiência, o resultado acabado, não fora a intervenção de circunstâncias exteriores à vontade do agente. IV - Uma arma apontada, em posição sensivelmente horizontal, mesmo com a patilha de segurança em posição de fogo, se revela, por si só, um afrontamento externo de forte intimidação e ameaça (com configuração e dimensão típica relevante nas qualificações penais), não constitui, ainda, acto da execução de homicídio ou de ofensas corporais, se não se lhe seguirem (ou se não se lhe seguirem por facto independente da vontade do agente) outros actos com projecção finalisticamente determinada ao resultado. V - A circunstância de ter o dedo no gatilho e se preparar para disparar (dada como provada) poderia, em si, acrescentar dimensão executiva no começo do iter, não fora a dúvida que outros factos descritos permitem suscitar quanto à sequência, e que deriva da indeterminação sobre a causa do disparo - se um acto (ou a vontade) do recorrente, se a intervenção do ofendido no contexto e na dinâmica da interacção entre ambos. VI - O esclarecimento desse ponto nuclear revela-se essencial à adequada qualificação, sendo ainda de extrema importância o contexto de interacção pessoal anterior entre o arguido e a vítima para perceber, ou ao menos, situar subjectivamente o comportamento do recorrente, impondo-se que, oficiosamente, o tribunal investigue a existência de elementos que permitam situar relacionalmente o afrontamento entre ambos. VII - Os referidos espaços de indeterminação enquadram-se no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, com os efeitos determinados no art. 426.º do mesmo diploma (reenvio do processo para novo julgamento).
Proc. n.º 1002/05 - 3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Antunes Grancho Silva Flor Soreto de Barros
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