Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-05-2005
 Escutas telefónicas Nulidade Leitura em audiência Prova documental Associação criminosa Bando Tráfico de estupefacientes agravado Jovem delinquente Regime penal especial para jovens Omissão de pronúnc
I - Há que distinguir, como vem fazendo este Supremo, na cominação estabelecida no art. 189.º do CPP, que fala genericamente em nulidade para as infracções às regras dos arts. 187.º e 188.º, entre pressupostos substanciais de admissão das escutas (art. 187.º) e condições processuais da sua aquisição (art. 188.º) para o efeito de assinalar ao vício que atinja os primeiros a nulidade absoluta, e à infracção às segundas a nulidade relativa, sanável.
II - Apesar de o art. 189.º do CPP se referir genericamente a nulidades, não assume a mesma gravidade a utilização de um meio proibido de prova, por ilegal intromissão nas comunicações - pelo que o vício não pode deixar de ser cominado com nulidade absoluta -, e a preterição de formalidades legais na recolha de escutas telefónicas validamente autorizadas, destinadas a documentar a operação e a salvaguardar o sigilo.
III - Tratando-se de questionar a ocorrência de vício catalogado como nulidade sanável, deveria ele ter sido arguido, no caso, até ao encerramento do debate instrutório, nos termos do art. 120.º, n.º 3, al. c), do CPP, e, não o tendo sido, e a ter existido, ficou tal irregularidade sanada.
IV - Conforme é jurisprudência pacífica do STJ, as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da acta.
V - E o TC (Ac. n.º 87/99, de 10-02-99), veio dizer que não são inconstitucionais os normativos do art. 355.º do CPP, interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.
VI - O STJ, na caracterização da tipicidade do crime de associação criminosa, tem vindo a afirmar a necessidade de verificação dos seguintes elementos:- pluralidade de pessoas (duas ou mais pessoas);- uma certa duração do grupo, organização ou associação;- um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os agentes;- um qualquer processo de formação da vontade colectiva, dirigida à prática de crimes;- um sentimento de ligação por parte dos membros da associação;acrescentando ainda, dado tratar-se de um crime doloso, que o dolo há-de ser dirigido precisamente à aquiescência e acordo de vontades colimadas à finalidade comum de cometer crimes, ou seja, o 'dolo de associação'.
VII - A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.
VIII - O crime de associação criminosa é um crime de perigo abstracto, permanente e de participação necessária, havendo quanto a ele que distinguir o crime de associação e os crimes da associação, ou seja, dos seus membros ou participantes.
IX - Não se apreendendo com suficiência, na matéria de facto provada, elementos que caracterizem a verificação de um qualquer pacto, mais ou menos explícito, entre os agentes do grupo, no sentido de criar uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus singulares membros, e que disso tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas, não se mostram verificados os elementos do tipo de crime previsto no art. 28.º do DL 15/93, de 22-01.
X - Mas, na constatação de que todos os agentes actuaram de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções - existindo um líder, que determina as condições do negócio e a intervenção articulada dos restantes membros, para reiterada prática dos crimes previstos nos arts. 21.º e 22.º do DL 15/93, de 22-01 - que, embora mais graves (e portanto mais censuráveis) do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes, há que concluir que tal realidade integra o conceito de bando, nos termos da al. j) do art. 24.º do referido diploma legal.
XI - O bando deverá ser entendido como um conceito assente numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que a associação criminosa e algo diferente da co-autoria.
XII - O regime especial para jovens delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23-09, é o regime regra para delinquentes com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, conforme decorre do disposto nos arts. 9.º do CP e 1.º, n.ºs 1 e 2, e 2.º daquele primeiro mencionado diploma.
XIII - Resultando do comando do art. 4.º do DL 401/82 a imposição ao juiz do dever de, sendo aplicável pena de prisão, atenuar especialmente a pena quando tiver razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social de jovens condenados, o juiz não pode deixar de averiguar, oficiosamente, da verificação dos pressupostos daquela atenuação especial.
XIV - A completa ausência de menção ao regime estabelecido no art. 4.º do DL 401/82, bem como a falha das diligências subjacentes ao juízo da respectiva aplicabilidade, têm sido sancionadas com nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
XV - Perante a total omissão de pronúncia sobre tal ponto, não pode o tribunal de recurso substituir-se ao tribunal recorrido no suprimento da nulidade (por não ser possível declarar em que sentido deve considerar-se modificada a decisão e, também, para não postergar a garantia do duplo grau de jurisdição, constitucionalmente consagrada), pelo que é de anular, nesse ponto, o acórdão sob recurso, que deve ser reformado no sentido referido, se possível pelos mesmos juízes.
Proc. n.º 4189/02 - 3.ª Secção Soreto de Barros (relator) Armindo Monteiro Sousa Fonte Pires Salpico