Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-05-2005
 Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Grau de ilicitude Suspensão da execução da pena
I - Pelo largo espectro dos actos descritos, bem se pode afirmar que, pelo menos, ao nível da factualidade típica, na previsão do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, cabem todas as espécies e modalidades de tráfico: grande, médio e pequeno.
II - A ilicitude subjacente a esse tipo legal, já de si pensada e projectada para o grande tráfico deverá, no entanto, ceder perante situações que, pelo circunstancialismo concreto da acção, supõem uma exasperação (agravação) da ilicitude (art. 24.º do DL 15/93), ou, pelo contrário, reclamam uma 'considerável diminuição' (arts. 25.º e 26.º do mesmo diploma).
III - A jurisprudência do STJ dos últimos anos tem vindo a alargar o campo de aplicação do aludido art. 25.º a tudo quanto seja pequeno tráfico, aos dealers ou 'retalhistas' de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga - enfim, os pequenos tentáculos situados na base da grande pirâmide do narcotráfico.
IV - Apesar da pertinência da observação de que sem esses 'tentáculos' ou vendedores de rua dificilmente a droga chegaria ao 'mercado do consumo', e daí a necessidade de maior reprovação, ela não pode ser levada ao extremo de se pretender medir pela mesma bitola (aqui, penalidade) realidades substancialmente diversas - o grande e o pequeno tráfico -, sob pena de violação dos mais elementares critérios da proporcionalidade que devem estar presentes na definição dos crimes e das penas, para além de que a moldura do art. 25.º fornece uma ampla margem onde não será difícil encontrar a pena adequada e proporcionada ao caso concreto, não podendo ainda esquecer-se a circunstância de os vendedores de rua serem recrutados ou aliciados, na sua maioria, de entre toxicodependentes que, a troco de pouco mais do que o necessário para alimentar o vício, actuam, indiferentes aos riscos que correm e nem sempre com plena consciência da ilicitude.
V - Resultando da factualidade provada que:- os arguidos (a recorrente e o M), agindo em conjugação de esforços (co-autoria), foram surpreendidos pela PSP quando, no dia 24-10-03, entre as 15 e as 17 horas, no Bairro do Palácio, em Portimão, junto à torneira de água aí existente, vendiam estupefacientes a indivíduos que a eles se dirigiam;- o M recebia o dinheiro e a recorrente entregava a droga, que retirava de um embrulho acondicionado numa peça de roupa que usava à cintura;- ao serem abordados pela PSP o M pôs-se em fuga, atirando para o ar um maço de notas que tinha no bolso, e a recorrente atirou para o chão o embrulho com a droga;- foi então apreendida heroína e cocaína, num total líquido de 14,186 g, e € 404,85;- em Outubro de 2003 e antes do dia 24, tinham já vendido heroína a T, recebendo dele € 10 de cada vez;e, considerando que os arguidos não foram além de um simples tráfico de rua, levado a cabo da forma mais lhana e rudimentar, 'sentados junto à torneira da água', à espera dos clientes, sem qualquer disfarce ou resguardo, que não se apurou sequer o grau de pureza e de potencialidade de risco que os produtos apresentavam, que, no que toca à quantidade, para além da droga apreendida pouco ou nada mais se pode inferir, não se sabendo quantos consumidores/compradores foram 'aviados' nem que quantidade levou cada um, tudo permite a conclusão de que eram diminutas as quantidades transaccionadas e/ou apreendidas, só compagináveis com o tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01.
VI - Dentro da moldura penal abstracta que a este ilícito corresponde, e tendo em conta que:- a recorrente não regista antecedentes criminais, vive com um filho de 3 anos de idade e tem mais dois, de 8 e 10 anos, que vivem com a avó paterna; à data dos factos trabalhava numa cooperativa agrícola e presentemente trabalha no bar do hospital auferindo € 550 mensais;- o arguido (não recorrente) já sofreu condenação anterior, à data dos factos vivia próximo dos pais que asseguravam o seu sustento e trabalhava, de vez em quando, na construção civil;- ambos possuem o 9.º ano de escolaridade, e nenhum é consumidor de produtos estupefacientes;- a recorrente está em liberdade e o arguido M encontra-se em prisão preventiva à ordem destes autos;- a culpa dos arguidos é a normal em casos desta natureza, e a ilicitude do facto, apreciada no âmbito do 'tipo privilegiado', é ainda elevada;- as condições pessoais da recorrente aconselham uma ressocialização mais pela via laboral e familiar do que pela da reclusão prolongada e efectiva;considera-se adequada e proporcionada a aplicação à recorrente da pena de 2 anos e 9 meses de prisão, e ao arguido M da de 3 anos de prisão.
VII - É ainda de suspender a execução da pena aplicada à recorrente, pelo período de 3 anos, subordinada à obrigação de se apresentar periodicamente a técnico doRS nas datas que aí lhe forem indicadas, não o sendo quanto ao M dado que os factos provados não permitem quanto a ele formular juízo prognóstico favorável àquela suspensão.
Proc. n.º 1003/05 - 3.ª Secção Antunes Grancho (relator) Silva Flor Soreto de Barros