ACSTJ de 12-05-2005
Homicídio tentado Dolo eventual Meio particularmente perigoso Frieza de ânimo Premeditação Danos não patrimoniais Competência/Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
I - A compatibilidade do dolo eventual com a 'tentativa' (de 'um crime que [o agente] decidiu cometer') é controversa: 'A decisão de cometer uma infracção é manifestamente incompatível com a vontade que o dolo eventual expressa (...). Efectivamente, decidir não pode implicar uma representação como possível do objectivo pretendido ou visado (...). É absolutamente possível que o agente, para si próprio, esteja absolutamente convencido de que tinha formado e tomado uma decisão. Todavia, se ele simultaneamente só prevê o resultado como meramente possível, é evidente que, objectivamente e não subjectivamente, a aparente tão firme decisão está inquinada na medida em que se sustenta em juízo de mera possibilidade. É, pois, para este efeito, uma não decisão. De facto, o agente, nessas circunstâncias, decide-se, é certo, por qualquer coisa. Mas certamente que não o anima uma decisão de cometer um crime. A decisão que carrega neste caso é a de ter uma conduta que eventualmente leve à prática de uma infracção. O agente, quando actua com dolo eventual, não decide cometer sem restrições. Decide-se, tão só, eventualmente cometer' (JOSÉ DE FARIA COSTA, Tentativa e dolo eventual, RLJ 132.º, págs. 3903 e 3907). O Supremo, todavia, não tem sido sensível a essa argumentação e, continuando a preferir a da sua própria jurisprudência, perfilhou - também aqui - a tese tradicional. II - A utilização de tiros de chumbo de 7,5 de espingarda caçadeira de cartuchos de calibre 12 não poderá considerar-se 'particularmente perigoso, pois, 'não revela uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar' (Comentário Conimbricense, Tomo, Coimbra Editora, 1999, pág. 37). É 'indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado - e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, sob pena (...) de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra de homicídio doloso' (idem). III - 'A ideia fundamental [da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do CP] é a da premeditação, pressupondo uma reflexão da parte do agente. (…) A influência do factor tempo e o facto de se ter estudado a forma de preparar o crime [é que] demonstram uma atitude de maior desvio em relação à ordem jurídica, [pois que] o decurso do tempo deveria fazer o agente cessar a sua vontade de praticar o crime, [na medida em que] quanto mais medita sobre a sua prática mais exigível se torna que não actue desse modo' (FERNANDO SILVA, Direito Penal, Crimes contra as Pessoas, Quid Juris, 2005, pág. 73). 'Nestes casos, o agente prepara o crime, pensa nele, reflecte sobre o acto e, mesmo assim, decide matar, combatendo a ponderação que se lhe impunha' (ibidem). E, quando a premeditação se materializa na chamada 'frieza de ânimo', esta traduzir-se-á 'numa actuação calculada, em que é de modo frio que o agente toma a sua deliberação de matar e firma sua vontade (…)', situação em que 'no fundo, o agente teve oportunidade de reflectir sobre o seu plano e ponderou toda a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto' (ibidem). IV - Por muito violenta que tenha sido a emoção que influenciou o desatinado comportamento do arguido, essa sua subjugação emocional só mereceria um efeito (sensivelmente) diminuidor da culpa se envolvesse o 'reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também um agente normalmente fiel ao direito (conformado com a ordem jurídico-penal) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ser estorvado o normal cumprimento das suas intenções' (FIGUEIREDO DIAS, O Problema da Consciência dalicitude em Direito Penal, 1969, págs. 191, 318 e 434 e ss.). V - Se o montante da indemnização por danos não patrimoniais, de harmonia com o preceituado no art. 496.º CC, deve ser fixado equitativamente (isto é, tendo em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida), deverão os tribunais de recurso, em caso de julgamento segundo a equidade (tanto mais que escapam à admissibilidade de recurso 'as decisões dependentes da livre resolução do tribunal'), limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, 'as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida' (STJ 16-10-2000, Proc. 2747/2000 - 5).
Proc. n.º 1439/05 - 5.ª Secção Carmona da Mota (relator, que, em nota, manifestou alguma "dificuldade
|