ACSTJ de 06-07-2005
Burla Erro Engano
I - O erro ou engano relevantes no crime de burla conduzem à falsa representação de uma realidade, funcionando tais vícios como influenciadores do consentimento ou aquiescência da vítima, por meio deles acabando o sujeito passivo por ser vítima da sua auto-lesão patrimonial. II - O burlado sucumbe a essa falsa representação, criada por astúcia do sujeito activo do crime, não bastando uma sua mentira qualificada. III - A astúcia alcança-se a partir da constatação do «conteúdo comunicacional», globalmente valorado, não podendo abdicar-se do acompanhamento da mentira de actos materiais reveladores de habilidade e engenho, que fragilizam a resistência do ofendido ante a inteligência demonstrada pelo agente na prossecução do seu objectivo. IV - E deve existir um nexo de causalidade entre o erro ou engano sobre uma realidade provocada por astúcia e o prejuízo causado. V - Comete um crime de burla qualificada o arguido que entrega ao ofendido um cheque da sua conta pessoal, fazendo-lhe crer que efectuaria o pagamento, criando um contexto de seriedade negocial, e, simultaneamente, servindo-se de habilidade, da artimanha, da astúcia, consistente na declaração de revogação da ordem de pagamento ao banco sacado, invoca, falsamente, o extravio do cheque, para se apropriar da cortiça, objecto do negócio, e se furtar ao pagamento de parte do seu preço, causando intencional e inevitável prejuízo a terceiro. VI - O arguido viciou a vontade negocial e a respectiva liberdade do ofendido, sendo aquela viciação determinante, por essencial, da entrega do produto objecto do contrato de compra e venda; a demonstrá-lo, a perseguibilidade criminal movida ao dar-se conta de que agiu contra o seu património através de um falso convencimento. VII - A sua conduta extrapola o mero âmbito do ilícito civil, porque por ela se ofendem bens ou valores jurídicos de observância comunitária, transcendendo o simples âmbito dos interesses privados, a mera contingência negocial, não bastando a mera reparação do dano ou a rejeição dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto ilícito, impondo-se, para salvaguarda da confiança e da seriedade negocial, uma sanção que atinja «aflitivamente» o próprio agente do facto ilícito, penalmente relevante.
Proc. n.º 2248/05 - 3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Pires Salpico
Sousa Fonte
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