ACSTJ de 06-07-2005
Desobediência qualificada Procedimentos cautelares Falsificação de documento Facto juridicamente relevante Crimes de perigo abstracto Dolo específico Prejuízo
I - O art. 391.º do CPC, pondo termo a longa controvérsia sobre se o não acatamento de decisão respeitante a providência cautelar cível integrava crime de desobediência, veio expressamente significar que incorre em desobediência qualificada o que não a acatar. II - Tendo a sociedade de que o arguido é sócio, três dias antes de outorgar a escritura pública de venda, num esforço visível de contornar a proibição judicial decretada em providência cautelar anterior de alienar bens sociais, deliberado, mais uma vez, com voto maioritário seu, no sentido de autorizar a venda de bens, como que num propósito nítido de se colocar sob a tutela da lei, contra o qual reagiu, com sucesso, a sócia minoritária, através de providência cautelar anterior, aquela segunda deliberação não comporta qualquer virtualidade para retirar eficácia à providência, só a perdendo com a decisão desfavorável da acção definitiva; enquanto se mantiver a validade da providência o arguido, não a respeitando, desobedece-lhe - a ser diferentemente, estava descoberto o processo de contornar a proibição legal, deliberando de novo, em nítido abuso de direito. III - Por isso o arguido desobedeceu, intencionalmente, à primitiva providência cautelar, de conteúdo inteiramente válido, com o teor significante de não alienar ou onerar por qualquer forma bens sociais, o que fez, mantendo-se inalterados os pressupostos em que a providência assentou: prejuízo da sociedade e ausência de fornecimento ao sócio dos elementos mínimos de informação (art. 58.º, n.º 1, als. b) e c), do CSC). IV - E, ao vender o imóvel, por escritura pública, conduzindo à efectivação firme da venda e à conversão, após aquela, do registo provisório em definitivo, induziu em erro os serviços oficiais, levando estes a incluir na escritura notarial de venda declarações provindas do arguido de disposição de poderes para o acto, representativos da sociedade, sem base verdadeira, fazendo constar facto juridicamente relevante, cometendo assim o crime de falsificação p. e p pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do CP. V - Sendo um crime de perigo abstracto, na medida em que a simples falsificação do documento constitui só por si uma situação que torna possível uma futura lesão de valores jurídico-criminais, não carece, para a integração típica, o agente de causar real prejuízo, bastando que actue com intenção de o provocar seja ao Estado ou a terceiros - art. 256.º, n.º 1, do CP - caracterizando-se como crime intencional, em que basta o agente ter agido com dolo específico, prosseguindo em vista de certo fim. VI - Mas o arguido causou efectivo prejuízo ao Estado que atestou uma realidade falsa, em resultado directo do propósito daquele, afectando a segurança jurídica documental, indispensável ao tráfico probatório, como originou dano à sociedade e sua sócia, alienando o imóvel, cujo preço, de resto, não entrou nos cofres sociais, desconhecendo-se o seu destino.
Proc. n.º 1835/05 - 3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Pires Salpico
Sousa Fonte
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