Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 21-02-2007
 Direitos de defesa Factos genéricos Tráfico de menor gravidade Ilicitude consideravelmente diminuída Imagem global do facto Atenuação especial da pena Tráfico de estupefacientes Medida concreta da pena
I - O princípio ou cláusula geral estabelecido no n.º 1 do art. 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender.
II - Estando provado que:- no dia 03-09-2004, na sequência de busca domiciliária, foi encontrado, no interior de um saco de plástico escondido dentro de um buraco de um muro situado no quintal da residência do arguido RE, um pedaço de um produto vegetal, com o peso bruto de 253,6 g, produto que submetido a exame toxicológico revelou tratar-se de haxixe;- na despensa da residência do arguido foram detectados vários pedaços de um produto vegetal com o peso bruto de 223,4 g, produto que, submetido a exame toxicológico, revelou também tratar-se de haxixe;- na sala foram também detectados vários pedaços de idêntico produto, com o peso bruto de 6,3 g;- na cozinha foi encontrada uma balança de precisão que se destinava à pesagem de droga;- no quarto de dormir foi encontrada a importância de € 290, quantia esta que era o resultado da venda de produtos estupefacientes efectuada pelo arguido e que este destinava à aquisição de mais droga;- na mesa-de-cabeceira do quarto de dormir foi encontrado um telemóvel que é resultado da actividade de comercialização de haxixe levada a cabo pelo arguido;- o arguido, ao adquirir, deter e comercializar o haxixe, actuou de forma livre e consciente, conhecendo a natureza daquele produto e sabendo que aquelas actividades são proibidas e punidas por lei;é evidente que carece de qualquer fundamento a alegação do recorrente segundo a qual foi condenado com base em factos genéricos ou indeterminados, com violação dos seus direitos de defesa.
III - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º daquele diploma.
IV - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside apenas na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
V - A necessária aferição da ilicitude não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito. Assim, e para além dos factores já atrás citados, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, como vem defendendo este STJ, torna-se necessária a valorização global do facto.
VI - Resultando dos factos apurados que o comportamento do arguido não se circunscreveu à mera detenção de haxixe, visto que se dedicou à comercialização daquela substância, e que a quantidade de haxixe encontrada na sua posse, com o peso líquido de 482 g, permitia manipular mais de 500 doses, tais circunstâncias, só por si, afastam a possibilidade de subsunção dos factos ao crime de tráfico de menor gravidade, por não permitirem qualificar de consideravelmente diminuída a ilicitude do facto.
VII - A atenuação especial da pena prevista no art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, pressupõe:- o abandono voluntário do agente da actividade de tráfico;- a assunção de conduta em que o perigo produzido pelo tráfico se mostra afastado ou diminuído;- a assunção de comportamento tendo em vista impedir o resultado que a lei quer não se verifique ou o esforço sério nesse mesmo sentido;- a prestação de auxílio às autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis;não podendo o arguido beneficiar do regime de favor ali consagrado se não se verifica qualquer uma daquelas situações.
VIII - Resultando do quadro factual apurado que o recorrente, no âmbito da investigação criminal referente a processo diverso do presente e em que não é arguido, forneceu à PJ informações determinantes para desmantelamento de uma rede de tráfico de estupefacientes, com a apreensão de 25 kg de heroína ou cocaína e detenção de vários indivíduos, temos por verificada a circunstância prevista no art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, qual seja a do auxílio ou colaboração directa com a autoridade policial na recolha de provas decisivas para a identificação e a captura de elementos integrantes de uma rede de tráfico de estupefacientes – parte final daquele normativo.
IX - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, ou seja, a de 4 a 12 anos de prisão, e ponderando que:- o arguido RE tem 29 anos de idade, e possui como habilitações literárias o 1.º ciclo do ensino básico, tendo começado a trabalhar como estofador cerca dos 11 anos de idade;- teve uma infância marcada pelo falecimento do pai e pelo conturbado relacionamento afectivo que a mãe posteriormente manteve com outro companheiro (caracterizado por constantes agressões e que conduziu à separação);- na adolescência iniciou o consumo de haxixe;- tendo contraído matrimónio aos 20 anos, relação da qual tem dois filhos, um com 7 e outro com 6 anos, pôs termo à mesma, estabelecendo nova relação há cerca de cinco anos, da qual tem um filho com 2 anos;- a sua actividade laboral é irregular, auferindo um subsídio diário de € 8,17 da Segurança Social;- é apoiado incondicionalmente pela família;- agiu com dolo directo;- nunca foi objecto de censura penal;- a defesa da ordem jurídico-penal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente, satisfazendo-se entre estes limites, quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização;mostra-se ajustada a pena de 4 anos de prisão.
Proc. n.º 4341/06 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Pires Salpico Henriques Gaspar Soreto de Barros