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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-02-2007
 Revisão e confirmação de sentença penal estrangeira Mandado de Detenção Europeu Entrega diferida ou condicional Princípio da extraterritorialidade Recusa facultativa de execução Princípio do reconhecimento mútuo Suspensão da execução da pena
I - Recente jurisprudência deste STJ, com a qual estamos em consonância, tem-se orientado no sentido de que, após a transposição da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06, a sentença penal proferida por Estado membro da União Europeia ingressa no sistema jurisdicional português independentemente de revisão e confirmação, assumindo o valor que a nossa ordem jurídica atribui às decisões (judiciais) definitivas tomadas pelo poder judicial, posto que comunicada de acordo com a referida Decisão-Quadro, com ressalva, quanto à sua execução, das situações de recusa previstas na Lei n.º 65/03, de 23-08, que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em cumprimento da Decisão-Quadro).
II - Contudo, perante um acórdão do Tribunal da Relação, transitado em julgado, que decidiu, em execução de mandado de detenção europeu, entregar o recorrente às autoridades espanholas para cumprimento da pena de prisão em que havia sido condenado por um tribunal espanhol, tendo, no entanto, declarado suspensa a entrega ao abrigo do disposto no art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 65/03, de 23-08 (mais concretamente, para que o mesmo possa cumprir em Portugal aquela pena), e condicionado o cumprimento da pena em Portugal à revisão e confirmação da sentença condenatória espanhola, tal decisão tem de ser respeitada, independentemente da sua bondade e correcção.
III - No que respeita à questão da eficácia das sentenças estrangeiras, o sistema adoptado entre nós orienta-se de acordo com o princípio da extraterritorialidade, sendo um sistema misto: as sentenças estrangeiras só têm eficácia depois de revistas e confirmadas por um tribunal (superior), ou seja, a sentença estrangeira submete-se a um processo de revisão, destinado a verificar se deve ser concedido o exequator, isto é, se a sentença está em condições de poder ser executada no território nacional.
IV - Embora sendo certo que a eficácia de sentença penal estrangeira, ou seja, a possibilidade de ser executada em Portugal, de acordo com a Lei 144/99, de 31-08 (Cooperação Judiciária em Matéria Penal), está dependente de pedido prévio de delegação ou de execução, cuja admissibilidade e deferimento estão subordinados à verificação de certas condições, entre elas a garantia por parte do Estado estrangeiro de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado (al. h) do n.º 1 do art. 96.º), bem como da decisão do Estado Português a considerar admissível a execução da sentença em Portugal (n.º 4 do art. 99.º), tendo em consideração que:- apesar de não se mostrar formulado, instruído e processado pedido de delegação/execução da sentença penal em causa, nos termos da Lei 144/99, de 31-08, foi pedida, através de mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciais espanholas, a detenção do requerente, circunstância que, de acordo com a Lei 65/03, de 23-08, é susceptível de possibilitar a execução em Portugal da pena em causa, desde que aquele se encontre em território nacional, tenha nacionalidade portuguesa ou aqui resida, e o Estado Português se comprometa a executar a pena de acordo com a lei portuguesa – art. 12.º, n.º 1, al. g) –, compromisso que, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, deve ser tomado na base de critérios de política criminal que norteiam a aplicação das penas e, sobretudo, a sua execução (finalidades da pena);- in casu, o Tribunal da Relação ao suspender a entrega do requerente tendo em vista a execução da pena em Portugal já assumiu, ao menos de forma implícita, o compromisso previsto na al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/03, de 23-08, ou seja, o de executar a pena na qual aquele foi condenado;- o Estado espanhol, ao emitir e transmitir às autoridades judiciais portuguesas mandado de detenção europeu, conformou-se com a possibilidade do requerente cumprir em Portugal a pena de 3 anos de prisão em que foi condenado, ou seja, aceitou implicitamente a possibilidade de aquela pena ser executada em Portugal;nada obstava a que o Tribunal da Relação declarasse revista e confirmada a sentença penal proferida pelo tribunal espanhol, que condenou o requerente na pena de 3 anos de prisão, concedendo-lhe (sob condição) o exequator necessário à sua execução em Portugal.
V - À emissão do mandado de detenção europeu, ao abrigo da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06, subjaz o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais penais, que passa, em primeira linha, pela confiança e respeito recíprocos entre os Estados membros, quer a nível dos respectivos ordenamentos jurídicos quer a nível dos respectivos procedimentos e processos, confiança e respeito baseados na garantia de que a lei e os procedimentos de cada Estado membro são o garante dos princípios e direitos fundamentais, bem como na confiança em que as decisões proferidas por um Estado membro serão rigorosamente respeitadas e cumpridas pelos restantes Estados membros, ou seja, executadas nos precisos termos em que foram proferidas.
VI - Daqui decorre que, nos casos de execução em Portugal de sentença penal prolatada por um Estado membro, conquanto a respectiva pena tenha de ser executada de acordo com a lei portuguesa, como estabelece a parte final da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/03, de 23-08 (assim se garantindo a reserva de soberania do Estado da execução), há que aceitar e respeitar a condenação nos precisos termos em que foi proferida (assim se garantindo a reserva de soberania do Estado da condenação), improcedendo, por isso, a pretensão do requerente de ver apreciada, no acórdão da Relação que procedeu à revisão e confirmação da sentença estrangeira, a possibilidade de aplicação da suspensão da execução da pena em que foi condenado.
Proc. n.º 250/07 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa Henriques Gaspar