Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-02-2007
 Acórdão da Relação Fundamentação Omissão de pronúncia Escutas telefónicas Nulidade sanável Tráfico de estupefacientes Medida concreta da pena Factos genéricos Direitos de defesa
I - A falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão – arts. 205.°, n.º 1, da CRP e 97.°, n.º 4, do CPP – constitui mera irregularidade – art. 118.°, n.ºs 1 e 2 –, a menos que se verifique na sentença, acto processual que, conhecendo a final do objecto do processo – art. 97.°, n.º 1, al. a), do CPP –, a lei impõe obedeça a fundamentação especial, sob pena de nulidade – arts. 379.°, n.º 1, al. a), e 374.°, n.º 2, do mesmo diploma legal.
II - Contudo, as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art. 374.°, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379.°, ex vi art. 425.°, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância (o que bem se percebe, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo).
III - Com efeito, os recursos não têm por finalidade a prolação de uma segunda ou nova decisão. Antes e tão só a sindicação da já proferida. Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada, (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado; e caso entenda que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso.
IV - A invalidade decorrente de omissão de pronúncia, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.° do CPP, tem em vista as situações em que o tribunal, estando obrigado a apreciar ou a conhecer certa questão, ex officio ou por a mesma lhe haver sido directamente submetida a julgamento, sobre ela omite decisão tout court.
V - Assim, aquela nulidade não ocorre quanto o tribunal deixa por apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só se verificando quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa das teses em presença.
VI - Este Supremo Tribunal tem vindo a entender que os procedimentos para a realização das intercepções telefónicas e respectivas gravações, estabelecidos no art. 188.° do CPP, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidedignidade daquele meio de prova, razão pela qual à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidade sanáveis previsto no art. 120.° do referido diploma.
VII - Resultando provado, entre o mais, que:- os arguidos CP e PS foram contactados por MB que lhes propôs trazerem cocaína do Brasil, mediante o recebimento de uma contrapartida pecuniária, com o que estes concordaram;- MB desempenhava o papel de “controlador”, cabendo-lhe estabelecer os contactos necessários com vista à obtenção do produto;- no dia 18-05-2001, pelas 12h30, os arguidos MB, CP e PS desembarcaram no Aeroporto de Lisboa, vindos de São Paulo, Brasil, trazendo consigo três malas térmicas que continham no espaço habitualmente destinado ao produto isolante, entre as faces exterior e interior, cocaína com o peso líquido de 12 099,300 g, com o grau de pureza de 91,5%;mostram-se perfeitamente adequadas, nada havendo a censurar, as penas de 6 anos e 6 meses de prisão, aplicadas pelas instâncias, a cada um dos arguidos CP e PS, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (correio de droga) p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
VIII - O arguido só pode contrariar a acusação ou a pronúncia, de forma adequada e eficaz, se naquelas peças processuais se encontrarem vertidos especificadamente e com clareza os factos imputados, isto é, o caso concreto ou particular submetido a julgamento. De outro modo, ou seja, perante uma acusação ou uma pronúncia constituídas por factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender.
IX - Com efeito, ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstracta ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação. Neste preciso sentido tem-se pronunciado este STJ, designadamente em matéria de tráfico de estupefacientes, ao defender que não são factos susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, visto que as afirmações genéricas não são susceptíveis de impugnação, pois não se sabe o lugar em que o agente vendeu os estupefacientes, o local em que o fez, a quem, o que foi efectivamente vendido, sendo que a aceitação das afirmações genéricas como «factos» inviabiliza o direito de defesa que ao arguido assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32.° da CRP.
X - É o caso dos autos, no que respeita ao arguido JP, pois apenas se considerou provado que o arguido vendia por conta própria haxixe e cocaína, com intenção de obter contrapartida económica, o que é manifestamente insuficiente para que lhe possa ser imputada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, devendo, por tal razão, do mesmo ser absolvido.
Proc. n.º 3932/06 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Pires Salpico Henriques Gaspar Soreto de Barros