ACSTJ de 15-02-2007
Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Imagem global do facto Princípio da necessidade da pena Medida da pena Medida concreta da pena Prevenção geral Prevenção especial
I - Uma situação de tráfico de drogas ilícitas tipificada no art. 21.º do DL 15/93 só merecerá o tratamento privilegiado do art. 25.º (“Tráfico de menor gravidade”) “se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta (…) os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das substâncias [traficadas ou a traficar]”. II - No caso, a ilicitude do facto, embora algo «diminuída» (pela circunstância de o arguido não passar de um “retalhista” de drogas leves), não se mostra, no seu todo, «diminuta», nem na sua imagem global, «consideravelmente diminuída». Com efeito, o arguido, na sua actividade de revenda de drogas ilícitas, exerceu-a em parceria com um irmão, durante um alongado período de tempo (de 13-02 a 02-10-03, data em que foi detido), com poiso certo («em frente ao estabelecimento comercial x») e, quando detido, detinha consigo, para outras revendas, uma grande quantidade de haxixe (mais de 15 «sabonetes»: 3,808 kg), e, proveniente de anteriores transacções, uma considerável importância em dinheiro (€ 1000). Além de que, «durante este período, não trabalhou nem teve qualquer outra fonte de rendimentos». III - Tendo em conta, pois, os meios utilizados (nomeadamente a circunstância de o arguido não «trabalhar»), a modalidade e as circunstâncias da acção (que, limitando-se o arguido, embora, à revenda de doses individuais, o fez durante um prolongado período de tempo e, como que «estabelecido», em poiso certo) e a quantidade da droga transaccionada (haxixe adquirido em «sabonetes» de 250 g), a ilicitude (global) do facto, apesar do lugar (praticamente terminal) ocupado pelo arguido na cadeia de comercialização da droga, não se mostra, ante o paradigma do art. 21.° do DL 15/93, «consideravelmente diminuída» (art. 25.º). IV - No caso, a qualificação da actividade do arguido como de «tráfico menor» seria fazê-lo passar por um mero «passador de rua», que o arguido, decididamente, não era; o que não prejudicará, obviamente, que – tratando-se, como se trata, de tráfico de fronteira entre o tráfico comum (punível com prisão não inferior a 4 anos) e o tráfico menor (punível com prisão não superior a 5 anos) – a respectiva penalização reflicta essa proximidade. V - E, do mesmo modo que não existem circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, também não se detectam outras que «diminuam por forma acentuada a culpa do agente» (pois que nem sequer se provou a conexão entre os seus antigos consumos de droga e a sua mais recente actividade de passador de haxixe). VI - Enfim, quanto à necessidade da pena, apenas concorre, a favor da sua contenção (e não, propriamente, da sua atenuação especial) o tempo [mais de 3 anos] entretanto decorrido sobre o crime (sendo que, em prisão preventiva de 03-10-03 a 15-12-05 e, desde então, sob obrigação – nem sempre cumprida – de permanência na habitação). VII - É sabido que, de um modo geral, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva», vindo a ser «definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização». VIII - No caso (em que a moldura penal abstracta do crime de tráfico comum de drogas ilícitas é de 4 a 12 anos de prisão: art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93), o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade – ou seja, a medida da pena que a comunidade entenderia necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço da norma jurídica afectada pela conduta do arguido – situar-se-ia nos 5 anos de prisão (ante o facto de ele, embora mero retalhista de drogas ilícitas leves – haxixe – haver prolongado a sua actividade, concertadamente com o irmão, durante alguns meses e até à sua detenção (altura em que, na sua posse, tinha, para revenda, quase 4 kg de haxixe e, em resultado de vendas anteriores, mais de € 1000)). IX - Mas, «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção, outras haverá – até ao “limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas” – que a comunidade ainda entenderá suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». E, no caso, esse limite mínimo (da moldura de prevenção) poderá encontrar-se à volta dos 4 anos de prisão (uma vez que o arguido – apesar de tudo – ocupava, na cadeia de comercialização de drogas ilícitas, uma posição das menos remuneradas e de maior risco, de contacto directo com o consumidor). X - «Os limites de pena definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não poderão ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que só pode intervir numa posição subordinada à prevenção geral», mas, concorrendo esta, dentro dos limites da moldura de prevenção, para a concretização da pena, o comportamento anterior e posterior do arguido poderá invocar-se para quantificar exactamente a pena a meio [4,5 anos de prisão] – ou aproximadamente (por ex., 4 anos e 5 meses de prisão, como a fixaram as instâncias) – da moldura de prevenção.
Proc. n.º 4339/06 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator) **
Pereira Madeira
Simas Santos
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