ACSTJ de 15-02-2007
Matéria de facto In dubio pro reo Livre apreciação da prova Acórdão da Relação Competência do Supremo Tribunal de Justiça Fundamentação de direito Fundamentação de facto Insuficiência da matéria de facto Contradição insanável Erro notório na apreciação da
I - “O processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do STJ, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui «matéria de facto». Designadamente pode e deve o STJ avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde lhe for possível, ou seja, ao menos até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada” – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 15-01-04, Proc. n.º 3766/03 - 5.ª. II - “Neste contexto, o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo (...). A dúvida, que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” – cf. Ac. do STJ de 20-01-05, Proc. n.º 3209/05 - 5.ª. III - Neste Supremo Tribunal só pode “conhecer-se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente por erro notório na apreciação da prova” – assim, Ac. do STJ de 08-07-04, Proc. n.º 1121/04 5.ª. IV - O vício a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. V - Este vício não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) – cf. Acs. do STJ de 07-01-04, Proc. n.º 3213/03 - 3.ª, e de 29-04-92, Proc. n.º 42535. VI - A contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação, ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou na contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão. VII - O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos: trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial – cf. Ac. do STJ de 03-07-02, Proc. n.º 1748/02 - 3.ª. VIII - “Essencial à co-autoria é o acordo entre os co-autores sobre o plano de execução comum do facto, repartição de tarefas, integrante daquele plano, bem como a sua intervenção na fase executiva” e “desde que o agente acorde na realização integral do crime, com a consciência de colaboração nele da actividade dos demais, torna-se corresponsável pelos actos que levam ao resultado do crime, desde que não escapem ao plano prévio, antes se inscrevendo nele” – assim, Acs. do STJ de 29-03-06 e de 16-11-05, proferidos respectivamente nos Procs. n.ºs 478/06 e 2987/05, ambos da 3.ª Secção. IX - Se o recorrente se limita a remeter para o que alegou no seu recurso para o Tribunal da Relação, o mesmo deve ser rejeitado, não só porque a lei não prevê a possibilidade de recurso “por remissão”, mas também porque aquele, ao assim proceder, não está verdadeiramente a impugnar o acórdão recorrido, com a sua fundamentação própria, mas tão-só a decisão da 1.ª instância, o que configura falta absoluta de impugnação do acórdão da Relação, a que corresponde a sanção de rejeição do recurso, por carência de motivação (arts. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, ambos do CPP). X - A idade dos arguidos não é factor irrelevante, pois que, em termos das regras da experiência comum, lhe corresponde uma maior ou menor maturidade psíquica, sendo de esperar de uma pessoa mais velha uma maior ponderação e capacidade de avaliação das suas condutas e das consequências destas. XI - “A aplicação das sanções penais aos factos, sendo estes praticados por individualidades que se determinam e agem por motivos e segundo uma compleição somático-psíquica diferente, movimenta uma multitude de factores endógenos e exógenos, pelo que logo se evidencia a dificuldade de considerar duas situações como iguais, a merecerem tratamento sancionatório exactamente igual” – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 26-09-01, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª. XII - Esta interpretação não viola o princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP, já que o mesmo só se afirma face a realidades idênticas objecto de tratamento diferenciado e não a realidades distintas destinatárias de soluções diversas (no mesmo sentido, Ac. do STJ de 03-04-03, Proc. n.º 975/03 - 5.ª).
Proc. n.º 3174/06 - 5.ª Secção
Costa Mortágua (relator)
Rodrigues da Costa
Arménio Sottomayor
Maia Costa
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