Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-03-2007
 Ofensa à integridade física grave Atenuação especial da pena Regime penal especial para jovens Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena Prevenção especial Prevenção geral
I - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144.º, al. d), do CP, e tendo em consideração que:- no que se cinge à ilicitude, releva o processo que desembocou na prática ilícita pelo arguido, em que avulta a conduta da própria vítima, agredindo aquele e originando uma sua reacção, importando, porém, considerar os dois momentos em que se desenvolveu a conduta do arguido e a forma como a mesma se processou; na verdade, provocado, o arguido não usou num primeiro momento de qualquer proporcionalidade nos meios empregues na sua reacção, e a utilização de um instrumento de agressão indiferenciado (a bola de bilhar utilizada em suporte de pano, ou tecido, permite imprimir-lhe uma energia em que se equacionam a massa e a velocidade) provocou as graves lesões a nível da face; a este primeiro momento sucede um outro em que a vítima se aproxima do arguido e este utiliza o instrumento cortante – a faca – atingindo-a uma zona nobre do corpo colocando em perigo a própria vida. Aqui não existe já qualquer fundamento para se afirmar uma atitude reactiva, mas tão só uma persistência em ofender corporalmente a vítima. A ilicitude é grande, quer se considere a valia do bem jurídico ofendido, quer se considerem os meios ou as consequências dos factos praticados, sendo certo que o desvalor do ilícito avulta essencialmente do segundo momento na sucessão cronológica, sendo intensa a censura que merece o comportamento do arguido, essencialmente quando os seus actos deixam de se inserir numa postura reactiva mas antes se caracterizam por uma postura proactiva de agressão;- o arguido tinha 20 anos, confessou os factos e verbalizou arrependimento;- tem uma profissão definida;- não existe informação alguma sobre o seu comportamento para além da condenação referida na decisão recorrida [foi condenado, por sentença de 20-02-2003, pela prática, em 08-05-2001, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 3,5];- a conduta do arguido, pela dimensão da ilicitude que a caracterizou e pela censura de que é passível, não se compadece com uma reacção meramente intimidatória, mas exige um realinhamento do mesmo com valores essenciais para a vida em comunidade, ou seja, exige a inserção num processo de ressocialização, mas o peso de tais factores não obsta à vantagem de atenuar especialmente a pena a aplicar, nos termos do art. 4.º do DL 401/82, de 23-09 (resultando esta, pelo contrário, da conjugação da idade, do comportamento processual e da inserção profissional do arguido);é adequada a pena de 2 anos de prisão.
II - Na ponderação da suspensão da execução da pena não devem ser levadas em conta as considerações de culpa, pois que o juízo de culpa já foi feito, ao decidir sobre a aplicação da pena de prisão e da sua medida concreta, mas sim, unicamente, critérios de prevenção, geral e especial.
III - Considera Figueiredo Dias que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão:IV - Essa prevalência opera a dois níveis diferentes:- o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o – já tantas vezes referido – carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração;- em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
V - Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Ou seja, desde que impostas, ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
VI - Ainda que, in casu, em termos de prevenção especial não se vislumbre obstáculo de maior à ponderação da possibilidade de suspensão da execução da pena, as circunstâncias em que foi cometida a infracção imputada, na vertente da culpa e da ilicitude, não permitem a inferência de que a pena de substituição satisfaz as exigências de prevenção a nível geral, pois que as vertentes de confiança e de segurança pelo cumprimento do direito são abaladas quando a gravidade da ofensa a um bem nuclear como é a vida, e a forma como se processou a actuação do arguido (essencialmente no segundo momento referido), postulam uma pena de substituição.
VII - Tal conclusão não conflitua com o previamente decidido em termos de aplicação do DL 401/82, de 23-09, uma vez que são diversos os critérios subjacentes à definição nos dois momentos de determinação da pena.
Proc. n.º 655/07 - 3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes Maia Costa Pires da Graça