Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-03-2007
 Homicídio Homicídio privilegiado Culpa Imputabilidade diminuída Consciência da ilicitude Exigibilidade diminuída Compreensível emoção violenta
I - Através do tipo legal de homicídio privilegiado – art. 133.º do CP – criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, na medida em que estes constituem, modernamente, uma das pedras de toque do crime, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo, e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção.
II - No recorte do tipo legal de homicídio privilegiado importa, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente e, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento que o dominam:- compreensível emoção violenta;- compaixão;- desespero;- ou motivo de relevante valor social ou moral.
III - A apontada diminuição da culpa não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente. Do que se trata, em último termo, é da verificação no agente de um, hoje dogmaticamente chamado, em geral, estado de afecto, sendo que este não releva na medida em que diminua a imputabilidade ou consciência do ilícito, mas em que torne menos exigível um comportamento conforme ao direito.
IV - O domínio do agente pela emoção ou pelo motivo de relevante valor social ou moral já pode implicar uma imputabilidade e uma consciência do ilícito diminuídas, sem que isso desencadeie per si o privilégio do art. 133.°. Daí a necessidade, repete-se, de dissociar a sensível atenuação da culpa, aqui prevista, da imputabilidade ou da consciência do ilícito diminuídas.
V - À luz da ideia de exigibilidade, só existe uma considerável diminuição de culpa se, na concreta situação endógena e exógena em que se encontrava o agente, «também o homem normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico-penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções».
VI - A “compreensível emoção violenta” é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual aquele homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível.
VII - Tudo dependerá de, numa avaliação conjunta e global da situação, o julgador concluir que a emoção violenta compreensível diminui sensivelmente a culpa do agente.
VIII - Tal significa que sempre será de excluir a compreensibilidade se o agente puder ser censurado pela situação geradora da emoção, na medida em que esta lhe é imputável.
IX - Apurando-se que:- por volta de Abril de 2004 o arguido começou a suspeitar que a sua esposa mantinha relações extraconjugais com outro homem, suspeitas essas que não partilhava com ninguém, nem com ela própria;- numa altura em que continuava nesse estado de suspeita, em que tinha um “delírio de ciúme” e não conseguia dormir com a ideia que a esposa o traía, em Abril de 2005, o arguido desferiu com um machado um golpe na cabeça e outro nas costas da sua esposa, o que provocou nesta lesões que foram causa directa e necessária da sua morte;- o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, em execução do propósito de tirar a vida à sua esposa, como tirou, procurando atingi-la em zonas vitais do corpo desta;não deve ter-se por privilegiado o homicídio em causa.
X - A suspeita em causa não passava disso mesmo, o que exclui qualquer compreensão para a conduta levada a cabo.
XI - Se de alguma «emoção violenta» o arguido estava possuído no momento de consumação do acto criminoso, ela nunca se poderia ter como «compreensível» justamente por carência de factos em que pudesse assentar a reclamada e acima referida «relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção».
XII - Face ao acervo fáctico acima elencado nem sequer é seguro afirmar que o arguido tenha agido sob o impulso de uma tal «emoção violenta», já que apenas é certo que agiu numa altura em que não conseguia dormir com a ideia que a esposa o traía.
XIII - Em tal circunstancialismo, o delírio de ciúme em que se encontrava à data dos factos, diminuindo-lhe a capacidade de discernimento, não enforma nunca a emoção violenta, conducente àquela diminuição de culpa enquanto característica legal do homicídio privilegiado.
XIV - A singularidade da reacção do arguido, possuído do delírio de culpa, diminuindo-lhe, repete-se, a capacidade de discernimento, nunca seria compreensível pelo homem “fiel ao direito”.
Proc. n.º 160/07 - 5.ª Secção Costa Mortágua (relator) Rodrigues da Costa Arménio Sottomayor Reino Pires