Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 15-03-2007
 Infracção de regras de construção Morte Dolo eventual Nexo de causalidade Negligência consciente Recurso penal Âmbito do recurso Questão nova Pedido de indemnização civil
I - Foi cometido o crime de infracção de regras de construção, na forma agravada e consumada dos arts. 277.º, n.º 1, al. a), e 285.º, do CP, se está provado que:- quando os trabalhadores de uma sociedade subempreiteira, representada pelo arguido, que estava no local e dirigia os trabalhos, colocavam vigotas para construção das lajes, não dispondo de cintos de protecção/segurança, nem de redes de protecção, estas, porém, de inviável colocação no local, atentas as características e estado dos trabalhos que estavam a ser executados, caiu um deles para o solo, de uma altura de cerca de 6 m, vindo a falecer em virtude de uma das lesões causadas pela queda;- o arguido, que tinha conhecimento de que a situação em que se encontrava o sinistrado implicava um perigo acrescido de queda, no tipo de trabalho que efectuava, que era adequado para evitar tal perigo o uso de cinto de protecção/segurança, face à impossibilidade de instalar redes de protecção, e da sua obrigação de providenciar pela eliminação do risco, através do fornecimento aos trabalhadores de cintos de protecção/segurança, não o fez, conformando-se com tal situação, e tendo, ao assim proceder, agido de forma livre e consciente, admitindo como possível aquela queda;- o arguido representou como possível a morte do trabalhador, tendo, ainda assim, actuado da forma descrita, embora sem se conformar com tal resultado, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
II - Com efeito, com tal comportamento, verifica-se dolo eventual do recorrente quanto à conduta e quanto ao perigo criado, uma vez que representou como consequência possível da sua conduta a realização do facto típico, actuando mesmo assim, naquelas condições, esse arguido, conformando-se, pois, ao assim agir, com tal realização típica (n.º 3 do art. 14.º do CP). E não oferece qualquer dúvida a verificação do nexo de causalidade entre a sua conduta (não fornecimento do cinto de segurança/protecção, contrariamente ao que era seu dever) e a queda, pois que a utilização do cinto de segurança/protecção pelo trabalhador sinistrado teria evitado a sua queda. E entre a queda e a morte resultante necessariamente de lesões provocadas directamente pelo embate no solo resultante da queda.
III - Já este resultado (morte), tendo sido representado pelo recorrente como possível (como consequência possível de uma queda ao solo face à ausência de cinto de protecção/segurança, que não fornecera), é-lhe imputável a título de negligência, pois actuou mas sem se conformar com tal resultado (art. 15.º, al. a), do CP).
IV - O DL 441/91 (alterado pelo DL 133/99, de 21-04), e o DL 155/95, de 01-07 (alterado pelo DL 113/99, de 03-08, e revogado pelo DL 273/03, de 29-10), prescrevem que os empregadores são obrigados a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho.
V - De acordo com o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (Decreto 41 821, de 11-08-58, art. 41.º) era no caso obrigatório o emprego de estrados e outros meios que evitem a queda de pessoas, materiais e ferramentas. Havendo risco de quedas em altura, deviam ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, e sendo inviáveis, por razões técnicas, as medidas de protecção colectivas, deviam ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável (art. 11.º da Portaria 101/96, de 03-04).
VI - Medidas de protecção individual que o arguido não adoptou apesar de saber que eram necessárias e lhe competiam, assim como representar que da sua não adopção poderia resultar a queda do trabalhador (resultado com cuja produção se conformou) e daí a morte deste (resultado com que se não conformou).
VII - Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
VIII - Assim, o julgamento em recurso não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade.
IX - Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre, como sucede quando o recorrente não impugna a condenação no pedido cível para a Relação e vem depois a fazê-lo perante o STJ.
Proc. n.º 514/07 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Santos Carvalho Costa Mortágua Rodrigues da Costa