ACSTJ de 15-03-2007
Renovação da prova Documentação da prova Vícios da sentença Recurso da matéria de facto Competência do Supremo Tribunal de Justiça Competência da Relação Medida da pena Prevenção geral Prevenção especial Tráfico de estupefacientes Medida concreta da pena
I - Só poderá haver lugar à renovação da prova na Relação quando a prova produzida em audiência não tiver ficado «documentada». II - Com efeito, só a prova indocumentada carecerá de renovação, pois que, para apreciação da outra, bastará a sua «reprodução». III - Aliás, o art. 430.º, n.º 1, do CPP, ao pressupor, como condição da renovação da prova, os «vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º», tinha em vista os casos – que não era, no recurso do ora recorrente para a Relação, o dos autos – em que a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito – cf. art. 428.º, n.º 2. IV - Dai que, tendo ficado documentada («reproduzida») a prova oral produzida em audiência, apenas pudesse haver lugar, na Relação, à sua reapreciação (art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP), com base nas respectivas «reprodução» e transcrição. V - Em recurso de revista, o Supremo – sendo a Relação a única e última instância de recurso em matéria de facto (cf. art.s 428.º, n.º 1, e 434.º do CPP) – apenas poderá controlar se a Relação conheceu ou não das questões (de facto) de que deveria conhecer (art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2), mas já não se delas conheceu correcta ou incorrectamente. VI - É que, tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque «a competência das relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido». VII - É sabido que, de um modo geral, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva», vindo a ser «definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização». VIII - No caso (em que a moldura penal abstracta do crime de tráfico comum de drogas ilícitas é de 4 a 12 anos de prisão), o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade – ou seja, a medida de pena que a comunidade entenderia necessária à tutela das suas expectativas na validade e no reforço da norma jurídica afectada pela conduta do arguido – situar-se-á cerca dos 6 anos de prisão (ante o facto de o arguido haver colaborado activamente em duas viagens a Espanha para «importação», em cada uma, de cerca de 125 kg de haxixe e, entretanto, no escoamento da primeira partida). IX - Mas «abaixo dessa medida (óptima) da pena de prevenção, outras haverá – até ao “limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas” – que a comunidade ainda entenderá suficientes para proteger as suas expectativas na validade da norma». O «limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral» coincidirá, pois, em concreto, com «o absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica» (e não, necessariamente, com «o limiar mínimo da moldura penal abstracta»). E, no caso, esse limite mínimo (da moldura de prevenção) poderá encontrar-se – uma vez que a segunda partida de haxixe foi apreendida na totalidade e, da primeira, ainda foram recuperados 15,41 kg – à volta dos 5 anos de prisão. X - De qualquer modo, «os limites de pena assim definida (pela necessidade de protecção de bens jurídicos) não poderão ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, que só poderá intervir numa posição subordinada à prevenção geral». Daí que, não estando em causa uma premente «carência de socialização» (pois o arguido, a caminho dos 40 anos de idade, não tem antecedentes criminais; vive em casa da mãe e, após o recente falecimento da companheira, com uma enteada menor; cumpriu a escolaridade básica [9.º ano]; consumiu haxixe na adolescência mas, aos 26 anos, «cessou tais hábitos aditivos»; profissional de limpeza, estava «desempregado» à data da sua detenção em 17NOV04; tem estado desde 17JUL05 sujeito à «obrigação de permanência na habitação») a consideração das concretas exigências de prevenção especial (no caso, sobretudo de intimidação) houvesse, no quadro da moldura penal de prevenção, de empurrar o quantum exacto da pena para meados [5,5 anos].
Proc. n.º 252/07 - 5.ª Secção
Carmona da Mota (relator) **
Pereira Madeira
Simas Santos
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